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Debate
A presença da direita e a diminuição dos atos: qual a explicação da esquerda?
Vitória Camargo

Não somente o último 2 de Outubro, nas ruas, foi um estrondoso fracasso para o discurso da esquerda institucional, segundo o qual a "unidade de ação" com a direita seria o caminho para derrotar Bolsonaro via impeachment e atrair novos setores, como seu resultado foi que agora o 15 de Novembro foi desmarcado pelas direções, argumentando "pouca capacidade de mobilização", e transformado em uma reunião de cúpula. Diante disso, a esquerda que veio repetindo de maneira vazia o mote de "não esperar 2022", busca explicações para sua política desmoralizante culpando as massas e justamente concluindo com 2022 como única saída.

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No Brasil do desespero da fila do osso, do lixo e do desemprego, não é de hoje que se sabe que atos espaçados, ordeiros e controlados, a cada um mês, não derrubarão Bolsonaro e seus ataques. Entretanto, desde o início, as direções dos atos Fora Bolsonaro buscaram utilizar a importante disposição daqueles que foram às ruas em Maio, mesmo sem vacinação massiva, para ficar a reboque das divisões do regime burguês do golpe, apoiando-se na linha de desgaste de Bolsonaro por parte de setores do Congresso Nacional, do STF e do imperialismo norte-americano, via CPI da Covid. Ou seja, vendo divisões por cima na burguesia quanto a Bolsonaro, alinharam os atos ao jogo do "bloco opositor", este também responsável pelas reformas, pela fome e pelas mortes.

Foi por isso que, enquanto a extrema direita reagia tomando as ruas e chegando a dar relativas demonstrações de força, como no 7 de Setembro, para negociar sua posição no regime, os atos chamados pela oposição minguavam, sem nenhum plano de luta sério para massificar na base da classe trabalhadora e da juventude, como sujeito independente. Culminaram num 2 de Outubro em que o centro da convocatória comemorava a presença da direita que foi apoiadora de inúmeros ataques, mas fracassava a olhos vistos, ao mesmo tempo em que o sofrimento das massas vinha ganhando novos patamares.

A presença de setores de direita nos atos, ocasionalmente, ocorre e pode ser até mesmo inevitável, não se tratando aqui de um debate acerca disso em si mesmo, mas sim que isso seja o centro da política da esquerda, que deu peso nessa convocatória como suposta maneira de dar impulso à luta das massas, com episódios até mesmo de figuras do PSOL como Isa Penna indo às manifestações da própria direita no dia 12. A orientação da esquerda, que inclui além do PSOL partidos como o PSTU, foi agitar (e em determinada medida, ainda é) a "mais ampla unidade de ação" com setores da burguesia, como política ativa, relegando a um plano secundário qualquer política que envolvesse batalhar pela organização com independência de classe dos trabalhadores, contra o conjunto desse regime bonapartista, e pela mobilização para derrubar os ataques econômicos que deixam milhões passando fome (a maioria dos quais aprovados "com as duas mãos" pelos partidos que buscavam atrair aos atos).

Agora organizações como a Resistência e o MES, que apostaram na CPI, no impeachment e nessa "unidade de ação", lamentam os entraves de sua própria política. O teórico do oportunismo lulista, Valério Arcary, da Resistência, constata: "A incorporação de vinte partidos, tanto da centro-esquerda, (...) da centro-direita liberal (...) e até da extrema-direita rompida (...) não acrescentou adesões". Como se fosse necessário um ato fracassado para saber disso; ademais, a "lição da realidade" tem um aluno teimoso em Arcary. Essa constatação não lhe serve para se autocriticar do oportunismo que defendeu, e sim para "convencer Lula" de que as alianças que quer fazer com a direita não o fortalecerão, continuando a semear ilusões no PT. Já Robaina do MES diz: "atualmente, a opção preferencial da burguesia liberal é não se arriscar na linha do impeachment". Dizendo o óbvio, apesar da muito boa vontade de grande parte da esquerda em chamar a direita ajustadora e até a "extrema direita" não bolsonarista às ruas, suas intenções ainda não são suficientes para "convencer" (sic) a burguesia a romper com Bolsonaro agora e desestabilizar seus ataques, e também não serviram para massificar a luta. Cada um à sua maneira se torna um infeliz conselheiro dos inimigos das massas.

Afinal, quem imaginaria que os interesses de classe dos que articularam o golpe institucional para garantir que a classe trabalhadora pagasse pela crise poderiam prevalecer sobre uma suposta sensatez democrata e humanista contra Bolsonaro? E que não seria a direita o fiel da balança para que as massas se sentissem encorajadas a ganhar a cena? O marxismo, certamente. Contra ele, essas correntes lamentam que não será agora que comemorarão a entrada de Mourão, saudosista da ditadura, na presidência, colocado pelas mãos do Congresso Nacional, como desvio das ruas. Isso, evidentemente, estaria longe de significar uma "vitória democrática revolucionária", como chega a afirmar o MES.

Mas isso sempre esteve no cálculo do PT, que vê suas chances eleitorais maiores na disputa contra o próprio Bolsonaro em 2022 e com o fracasso da chamada "terceira via", garantindo sua hegemonia nos atos, como campanha eleitoral desde já e seguindo a linha do desgaste. Essa campanha prescindiu da presença de Lula na Paulista, decisão que obviamente nada teve a ver com sua saúde, como endossa Arcary, e sim com a sinalização para o regime de que será mais "paz e amor" do que nunca.

Mas Arcary diz: "Tampouco têm razão aqueles que insistem na proposta de avançar para a preparação da greve geral para derrubar o governo. (..) Uma convocação, mesmo admitindo a movimentação de um aparato de centenas de carros de som, e milhares de funcionários sindicais nas portas das grandes empresas, resultaria, inescapavelmente, neste momento, em um rotundo fracasso. Não basta que as condições objetivas sejam terríveis. É indispensável, também, que as subjetivas estejam presentes". Temos de reconhecer: as "condições subjetivas" de correntes como a Resistência de Arcary são lamentáveis. Ora, os entusiastas da unidade de ação com a burguesia liberal (e do "mal quixotismo" de um Lula com programa anticapitalista) se mostram os mais céticos com a classe trabalhadora e o povo pobre. Fazem isso para encobrir o nefasto papel que vem cumprindo as burocracias sindicais (CUT, CTB) no último período, assinando um pedido aos governadores, ao STF e ao Congresso para que assumissem as rédeas do país, tendo o apoio da CSP-Conlutas.

A verdade é que, no cálculo eleitoralista de Arcary, não importa que as centrais estejam deixando todos os ataques passarem, isolando todos os focos de resistência da luta de classes que surgem e chamando o protagonismo ao regime. Também não importa que, certamente, exista mais "descrença", como constata, após meses de atos "de desgaste", sem grandes efeitos na luta contra Bolsonaro. Essa é a forma de garantir as condições mais tranquilas possíveis para Lula e suas negociações em 2022. Acaba que Arcary coloca a culpa nas massas e nos trabalhadores, que não estariam em condições subjetivas para uma greve geral, para encobrir o papel do PT, das centrais e da própria política que sua corrente construiu. Evidentemente, o fato de nunca terem movido uma palha para construir nem mesmo uma paralisação de 24 horas está também relacionado com, por cima, no caso do PT, nos acordos eleitorais, e, por baixo, nos atos, não afastar os partidos burgueses, que temem acima de tudo a classe trabalhadora organizada. Tirando isso, não há nada que garanta a princípio que uma greve geral preparada seria um "rotundo fracasso". Pelo contrário, viemos vendo importantes focos de resistência e inclusive disposição de luta em categorias estratégicas, como aeronautas.

Por outra via, o MES também termina aliviando o peso das direções burocráticas do movimento de massas. Discorre longamente para justificar que "no caso de Lula, admitimos que seu poder de convocatória não é muito superior. Por isso, também vale adicionar outro fator na razão pela qual o movimento não atingiu a escala dos milhões: a falta de confiança das massas nessas mesmas direções. (...) Uma parte desses setores apoiava Lula. A maioria segue apoiando, mas eleitoralmente. Vota nele como mal menor, não com entusiasmo. Não o segue como líder capaz de chamar à luta". Nesse caso, diminuindo o peso das ilusões eleitorais e das expectativas em Lula que marcam a situação atual, terminam também dizendo que, mesmo que quisesse, o PT não tem mais grande capacidade de mobilização, ajudando por sua própria lógica a eximir o PT das responsabilidades diretas que tem na organização da desmoralização. O eixo é o descrédito das massas.

Por vias opostas, o caminho defendido por essas organizações tem como ponto de contato o fato de que, se não for com a direita e setores do regime, não há espaço para encontrar um caminho a partir da luta de classes neste momento. Ou seja, não é possível aproveitar as divisões por cima no regime não para apoiar saídas burguesas, mas para fazer emergir a classe trabalhadora como sujeito independente. Culpam o sentimento das massas por isso. Ao mesmo tempo, não realizam nenhuma exigência real para que os sindicatos cerquem as lutas que ocorrem de solidariedade, apostem na auto-organização, com assembleias na base, e também não dão exemplos nos lugares onde estão.

É claro que a desmoralização de anos com traição e ataques que vieram passando quase sem resistência, com a ajuda da política do PT e das centrais, tem um peso. Ainda mais após um ano de mobilizações estritamente eleitorais, enquanto as pessoas comem lixo. Essa desmoralização é construída, e serve para que tudo termine em 2022, como efetivamente está ocorrendo. Nesse sentido, como já escrevemos aqui, as diferentes conclusões dessas correntes se expressam nas deliberações do Congresso do PSOL. A Resistência é parte do bloco que chega ao ponto de não defender nem mesmo candidatura própria no PSOL, para estar desde agora com o PT e suas alianças, com Arcary propondo uma mesa com Lula para debater "medidas anticapitalistas" - para as quais digamos que Lula, Sarney e suas alianças estarão mais do que "abertos", após décadas administrando e sendo parte do Estado capitalista. Já o MES, ainda que corretamente tenha defendido plataforma própria na tática eleitoral, compondo uma minoria de 40% no Congresso, fez isso com um programa, no máximo, neodesenvolvimentista, que não serve para que os capitalistas paguem pela crise.

Ainda assim, o centro de ambos está nas eleições e na tática eleitoral, sem conexão com a luta de classes, enquanto é preciso ver desde agora que, mesmo que Lula chegue ao poder, ainda vai ser necessário derrotar uma base de massas da extrema direita na luta de classes, bem como dar uma saída à crise econômica que persistirá. Essa força de combate precisa ser preparada. Somente a frente única operária, partindo de unir a classe trabalhadora como sujeito capaz de hegemonizar outros setores, como a classe média, com as mulheres, os negros e LGBTs à frente, poderia de fato colocar de pé a unidade que precisamos contra Bolsonaro, Mourão e seus ataques, com um programa à altura da miséria em curso.

Por isso, assim como hoje estamos respondendo afirmativamente ao chamado de Polo Socialista e Revolucionário encabeçado pelo PSTU e outros ativistas, chamamos a denominada Oposição de Esquerda no PSOL a romper com sua política de aposta institucional em um regime degradado de ataques e a buscar fazer a diferença na luta de classes em processos reais desde agora, nos unindo para cercar de solidariedade e exigir das burocracias. Essa unidade poderia servir inclusive para defender a manutenção dos atos no 15 de Novembro, construídos em base a um plano de luta, com continuidade, assembleias e reuniões nos locais de trabalho e estudo. Afinal, uma tática eleitoral em 2022 deveria ser fruto e estar a serviço da luta, com um programa de independência de classe, como faz a Frente de Esquerda Unidade (FIT-U) argentina, terceira força nacional.

 
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