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Striketober
Estados Unidos: Diante da realidade da classe trabalhadora, qual é o caminho para triunfar?
Madeleine Freeman

Na semana anterior apresentamos na nossa Rede Internacional de diários o artigo do economista e ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos, Robert Reich, que afirma que os Estados Unidos estão no meio de uma "greve não oficial" pela quantidade de trabalhadores deixando seus empregos. Debateremos esse conceito e a necessidade de a classe trabalhadora unificar suas demandas e, com seus próprios métodos, mostrar todo o seu potencial.

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O artigo de Robert Reich, publicado originalmente no The Guardian, afirma que os Estados Unidos estão no meio de uma “greve não-oficial”, em resposta ao pânico da mídia burguesa e dos economistas sobre o relatório de empregos de setembro do Departamento do trabalho dos EUA, que mostrou o menor número de novos empregos em todo o ano de 2021 e um número crescente de trabalhadores deixando os postos de trabalho e abandonando a procura por emprego. Reich explica que os desafios na contratação que muitas indústrias enfrentam se devem ao fato de que cada vez mais trabalhadores estão "relutantes em retornar ou permanecer em seus empregos antigos, principalmente porque eles estão exaustos", além de estarem esperando por melhores perspectivas.

Enquanto os conservadores se contorcem reclamando sobre como os grandes gastos do governo em benefícios estão incentivando as pessoas a não voltarem ao trabalho, agora que os patrões e os políticos “decidiram” que a pandemia terminou, Reich oferece outra explicação para a "escassez de mão-de-obra”. Analisando o alto número de trabalhadores que deixam seus empregos todos os meses e o número de pessoas em idade ativa que deixam seus postos de trabalho, Reich vê essas tendências como um sinal de que, após um ano e meio de fechamento de cidades pela pandemia, demissões, falta de creches onde ficariam as crianças e o aumento da precariedade, os trabalhadores estão menos dispostos a aceitar baixos salários, “benefícios" insuficientes ou inexistentes e as longas jornadas de trabalho exigidas por seus empregadores.

Esse processo é particularmente evidente nos setores de turismo e de logística, como é o caso do setor hoteleiro e do transporte rodoviário. Ambos relatam dificuldades na hora de contratar e não estão se recuperando tão rapidamente quanto os economistas previam. Robert Reich afirma que: "As corporações estadunidenses querem enquadrar isso como uma ’escassez de mão-de-obra’. Está incorreto. O que realmente explica o que está ocorrendo é a escassez de um salário digno, a falta de pagamento pelo trabalho em condições de risco, falta de creches para os trabalhadores deixarem seus filhos, falta de licença médica remunerada e falta de assistência médica."

Aqui Reich está certo. Não há falta de mão-de-obra; ao contrário, as condições dessa mão-de-obra tornaram-se, ou em muitos casos já eram, insustentáveis. Reich admite que este não é um problema novo, nem um que pode ser explicado apenas pela pandemia. Em resposta a anos de ataques às suas condições de vida, que foram intensificados durante a pandemia, um número crescente de trabalhadores decidiu que não tolerará mais as formas pelas quais foram obrigados a trabalhar nas últimas décadas. "Muitos simplesmente não querem voltar aos empregos horríveis de baixos salários",escreve o ex-secretário do Trabalho.

Mas os trabalhadores não estão apenas "fartos". A maioria das pessoas, na verdade, não tem escolha. Muitos não são mais capazes de trabalhar nas condições que enfrentaram antes da pandemia, especialmente agora que a resposta dos capitalistas provavelmente fará com que a pandemia e seus efeitos se arrastem pelos próximos anos. Por exemplo, a falta de acesso à creche forçou centenas de milhares de pessoas, a maioria delas mulheres, a parar de trabalhar.

De acordo com o relatório de emprego mais recente, mais de 300.000 mulheres deixaram seus postos de trabalho no mês passado, muitas delas citando a necessidade de ficar com suas crianças. Assim, embora possa haver muitas vagas de emprego, como é o caso do setor de serviços, muitas pessoas não podem pagar a creche com os baixos salários que se tornaram padrão nesses setores.

Mas não é só a falta de creches. Como um relatório da Coalizão Nacional de Habitação de Baixa Renda, feito em julho, observou, ninguém que trabalha em tempo integral em um emprego onde recebe um salário mínimo, tem condições de pagar aluguel de um apartamento de dois quartos em qualquer região dos Estados Unidos.

Milhões de pessoas nos Estados Unidos não podem pagar suas contas de serviços públicos, ainda mais pelo fato de que os preços da energia devem subir este ano. Não é que as pessoas estejam simplesmente "repensando a maneira como trabalham" depois de um ano e meio da pandemia, como muitos colunistas de opinião gostariam que nós acreditássemos. Muitas pessoas não podem continuar trabalhando sob as mesmas condições em que trabalhavam antes da pandemia. Muitos não vêem escolha a não ser deixar seus postos de trabalho para cuidar de seus entes queridos ou procurar empregos menos exigentes e mais bem remunerados.

No entanto, nas centenas de milhares de trabalhadores que desistem ou não procuram ativamente trabalho, Reich vê uma espécie de resistência "desorganizada" ao status quo pré-pandêmico. Ele escreve: "(...) Os trabalhadores americanos estão exercitando seus músculos pela primeira vez em décadas. Pode-se dizer que os trabalhadores declararam uma greve geral nacional até conseguirem melhores salários e melhores condições de trabalho."

Essa definição coloca a articulação desses trabalhadores que estão deixando seus empregos em pé de igualdade com as dezenas de milhares de trabalhadores atualmente em greve, ou prestes a entrar em greve em todo o país, como exemplo os 60.000 trabalhadores do principal sindicato da indústria do entretenimento – a Aliança Internacional de Funcionários do Palco Teatral (IATSE em inglês) – que acaba de anunciar uma data de greve provisória depois que 98% dos trabalhadores votaram para entrar em greve, ou os 10.000 trabalhadores da fábrica John Deere que acabaram de entrar em greve em três estados, os trabalhadores da Kellogg em greve em quatro estados, além dos mineiros da Warrior Met que estão entrando no sétimo mês de sua greve.

É preciso deixar as coisas claras: o fato de centenas de milhares de pessoas deixarem individualmente seus postos de trabalho não configura nenhum tipo de greve, não-oficial ou não.

Embora seja uma resposta aos mesmos fatores que forçaram os trabalhadores de todo o país a entrar em greve por melhores condições, caracterizar o abandono dos postos de trabalho como greve perde uma parte essencial do que uma greve geral dá: seu poder é a capacidade dos trabalhadores de se organizarem em todos os setores para reter seu trabalho e parar a produção capitalista, coletivamente, em larga escala.

Uma greve "desorganizada" é uma contradição em termos. Ao ignorar isso, Reich ignora o que realmente poderia trazer as mudanças pelas quais os trabalhadores já estão lutando e anseiam desesperadamente.

Ao contrário das afirmações do Reich, as pessoas que deixam de trabalhar e esperam que os patrões aumentem os salários como incentivos para retornar, não dão força ao conjunto dos trabalhadores para terem a melhor "moeda de troca" com objetivo de lutar por melhores condições de trabalho.

É verdade, como observa Reich, que "os salários médios subiram 19 centavos por hora em setembro e subiram mais de U$1 por hora, ou 4,6%, durante o último ano." Os patrões estão sentindo a pressão dos postos de trabalho vazios e estão fazendo algumas concessões em um esforço para conseguir impulsionar as contratações. Grandes empresas e governos locais até oferecem "bônus" consideráveis para atrair os trabalhadores de volta ao mercado de trabalho.

Mas estas são apenas pequenas concessões temporárias que permitem aos patrões e ao Estado definir seus próprios termos na negociação, oferecendo apenas o mínimo suficiente para atrair os trabalhadores de volta, ou deixá-los com fome até que eles não tenham escolha a não ser voltar.

Mas, mais importante, eles tentam deixar os trabalhadores sem forças para lutar pelo que merecem e sem ter como se proteger quando os patrões procuram maneiras de espremê-los mais tarde. O que realmente dá aos trabalhadores uma vantagem é sua capacidade de permanecer unidos, mantendo seus empregos e se organizando para lutar por suas demandas, e potencialmente por muito mais.

É claro que Reich não está realmente interessado em trabalhadores reconhecendo todo o potencial de sua posição estratégica na sociedade. Na verdade, a classe dominante e seus porta-vozes preferem que os trabalhadores enfrentem individualmente os problemas sistêmicos que os confrontam como uma classe, em vez de se organizarem coletivamente por seus direitos juntos em sindicatos e lutarem até conseguirem o que merecem.

Em última análise, embora possa estar sob o véu de uma linguagem progressista sobre o poder dos trabalhadores, a análise de Reich é um aviso para a burguesia: se o capitalismo deve continuar relativamente inalterado, então os poderes devem oferecer à classe trabalhadora algumas concessões para se antecipar a cada vez mais processos de luta de classes. Essa é uma porta que a classe dominante não quer abrir.

No Chile, por exemplo, foi a greve nacional de 12 de novembro de 2019 que colocou Piñera e seu governo entre as cordas, em meio à enorme rebelião popular. Foram os trabalhadores da cidade de Antofagasta que levantaram um comitê de "proteção e segurança" junto com o "comitê de saúde -também colocado a pé pelos trabalhadores do Hospital Barros Luco da capital Santiago do Chile- que a população da cidade viu como uma referência, apontando à direção da luta.

Apenas alguns meses depois, no Equador, uma greve geral e protestos em massa forçaram o governo a recuar em seus planos de cortar subsídios aos combustíveis, o que teria dobrado seu preço e forçado o governo a buscar um acordo de reestruturação. Durante esse processo, os trabalhadores denunciaram a catastrófica dívida externa e o FMI.

Durante este ano, os trabalhadores organizados em sindicatos estiveram na vanguarda da resistência ao golpe militar em Mianmar. Eles saíram por milhões em todo o país para defender seus direitos e desafiar a junta militar golpista.

Estes são exemplos de greves gerais "oficiais" e mostram quanto poder a classe trabalhadora tem quando se organiza para lutar contra o Estado capitalista com seus próprios métodos.

Milhares de trabalhadores que atualmente deixam seus postos de trabalho e desistem de procurar emprego todos os meses não levam a classe trabalhadora a construir esse tipo de poder.

Ao contrário do que afirma Reich, o fato de que muitos trabalhadores não vêem alternativa não é um sinal da força da classe trabalhadora no momento, mas de sua debilidade.

É uma expressão da adaptação aos ataques feitos aos sindicatos ao longo dos anos e às políticas colaboracionistas das burocracias sindicais que fazem todas as manobras possíveis para evitar a luta de classes e fazer as pazes com os patrões.

Apenas 11% dos trabalhadores americanos são sindicalizados, deixando a grande maioria sem um caminho claro para lutar coletivamente por seus interesses. Soma-se a isso o fato de que os 14,3 milhões de trabalhadores nos sindicatos são pacificados por líderes sindicais que estão à serviço dos políticos e dos patrões, recusando-se a fazer pouco mais do que lutas simbólicas.

De novo e de novo eles se movem para privar os trabalhadores de sua maior arma contra os chefes: a greve. Eles aceitam dos patrões contratos com cláusulas que proíbem greves.

Às vezes ameaçam greves para recuar no último minuto. Eles usam para aumentar seus salários pessoais e para fazer campanhas para políticos capitalistas, os recursos financeiros sindicais que poderiam ser usados para fundos de greve. Em suma, eles fazem o seu melhor para minar a participação dos trabalhadores de base em uma luta para defender seus próprios interesses.

Não é à toa que muitos trabalhadores não veem outra alternativa a não ser largar seus empregos. Mas o recente ativismo no movimento sindical oferece uma faísca de esperança que poderia iluminar o caminho a seguir. Vemos isso nas recentes campanhas sindicais na indústria tecnológica e em outros lugares. Em nenhum lugar isso é mais claro do que nas dezenas de milhares de trabalhadores atualmente em piquetes nos Estados Unidos.

Mas para que essas lutas recentes se tornem uma onda imponente capaz de conquistar direitos e melhorias necessárias para a classe trabalhadora, os trabalhadores devem colocar seu poder coletivo em estratégias ousadas de luta que desafiam os líderes enganadores e constroem o poder necessário para transformar esta "greve geral nacional não oficial" – nos dizeres do Reich – em uma oficial e imparável.

Imagine se os 60.000 trabalhadores do IATSE que se preparam para a greve deste mês ligassem suas próprias demandas por salários mais altos à luta dos trabalhadores da Kellogg para se livrar do sistema salarial de dois níveis e às exigências de 10.000 trabalhadores da fábrica John Deere para novos aumentos.

Isso poderia abrir caminho para outros setores se juntarem a eles, como, por exemplo, os trabalhadores da Amazon. Imagine se os motoristas de Uber e Lyft que levam para casa uma fração do que ganham as empresas todos os dias, também deixassem o trabalho, ou se os trabalhadores de restaurantes, que agora trabalham mais horas por um salário menor após um ano de fechamento de espaços fechados pela pandemia, decidissem parar. Ao unir as lutas, esses trabalhadores poderiam ganhar muito mais do que aumentos salariais para contratos individuais.

Poderiam exigir melhores condições de trabalho para todos os trabalhadores, sindicalizados e não sindicalizados, empregados ou desempregados. Eles poderiam exigir um aumento do salário mínimo para um que realmente reflete o custo de vida. Eles poderiam pôr um fim aos desastrosos sistemas salariais de dois níveis que colocam os trabalhadores uns contra os outros. Eles poderiam exigir um sistema de saúde gratuito e universal, creches, moradia popular de qualidade e gratuita.

Esse é o poder da greve geral. É uma arma que a classe trabalhadora terá que empunhar se quisermos que os capitalistas paguem pela crise que criaram. Precisamos de uma luta massiva e organizada dos trabalhadores que possam lutar por nossas demandas até o fim.

 
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