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Movimento estudantil
Superar o stalinismo pela memória de Tibira, indígena e 1º LGBTQIA+ assassinado no Brasil
Cássia Silva
Marie Castañeda
Estudante de Ciências Sociais na UFRN

As eleições do Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS) da UFRN estão sendo um espaço para suscitar debates de qual estratégia é capaz de libertar os setores oprimidos, com a Chapa 2 - “Carcará” impulsionada pela Faísca, juventude trotskista ligada ao Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), e independentes e a Chapa 1 - “Tibira”, pela Correnteza, juventude stalinista ligada à Unidade Popular (UP) e ao Partido Comunista Revolucionário (PCR), e independentes. Neste breve artigo debatemos a insustentabilidade de vingar a memória do primeiro LGBTQIA+ assassinado , o tupinambá Tibira, no país que mais mata e violenta LGBTQIA+ por parte de uma organização que leva adiante o legado stalinista, que retrocedeu em direitos das mulheres e dos LGBTQIA+ historicamente, com a intenção de resgatar as lições da história para uma discussão de estratégias que impactam na atualidade em como arrancar nossos direitos e para aspirar uma sociedade livre da opressão e da exploração.

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No Brasil de Bolsonaro, Mourão, Damares e militares avançando e recuando em sua retórica golpista e reacionária, que suscita o ódio aos trabalhadores, ao povo pobre e aos setores oprimidos, é impressionante e emocionante Marcha de Mulheres Indígenas em Brasília. Acampadas junto a seus companheiros de luta de diversos povos originários contra o Marco Temporal de Bolsonaro e do Supremo Tribunal Federal (STF), dizem: “Eu vou dançar, vou balançar o catimbó. Vou trazer Bolsonaro amarrado no cipó”.

É nesse marco que queremos relembrar a memória do primeiro LGBTQIA+ indígena assassinado no país, Tibira do Maranhão, ainda sob o jugo da colonização portuguesa e francesa.. O capitalismo se apropria do patriarcado da forma mais cruel possível, submetendo as mulheres e LGBTQIA+ a uma longa cadeia de opressão que culmina em vivermos no país que mais assassina travestis no mundo, com a benção da Igreja e do Estado burguês, em um odioso casamento reacionário. Foi esta benção genocida que recaiu sobre os povos indígenas com a colonização e segue na sanha imperialista do capitalismo.

Por isso, é necessário resgatar o marxismo revolucionário. Diante do avanço da extrema-direita, existe um relativo fortalecimento da figura de Stálin, como se este fosse capaz de enfrentar a burguesia e o fascismo, quando na realidade ele significou uma burocratização do Estado operário que levou à derrota da Revolução e à restauração capitalista na Rússia. É nesse sentido, que consideramos essencial apontar e combater todo o legado contrarrevolucionário do stalinismo, que representou retrocesso em toda linha para os avanços conquistados pelas mulheres e LGBTQIA+ na revolução vitoriosa dos trabalhadores em 1917.

O que aconteceu com Tibira?

Em 1612, franceses zarparam da Europa para atracar em solo brasileiro e desembarcar no Maranhão sua tripulação patrocinada pela rainha regente Maria de Medicis, com a missão de fundar uma nova colônia no Brasil. Essa expedição contava com aproximadamente 500 colonos e 4 missionários da Ordem dos Capuchinhos. Dois anos depois, em 1612, esses colonizadores e a Igreja, na figura de Yves d’Évreux, um frei da Ordem dos Capuchinhos, deixaram uma marca da barbárie imperialista, julgando, batizando e condenando à morte um indígena do povo Tupinambá acusado por “sodomia”, ou seja, culpado por ser homossexual.

O nome “Tibira”, vem da palavra tupi ’tybyra’, usualmente traduzido como “homossexual”, ainda que haja estudos linguísticos que considerem simplificada essa definição, e denotam ’tybyra’ ao sentido de uma identidade dissidente. Esse indígena LGBTQIA+ entra para a história não só como vítima, mas também como marco de resistência. Pois ele não aceitou essa condição e fugiu pela floresta por vários dias, mas foi capturado pelas autoridades francesas. Antes da sua execução, Tibira foi batizado pelo frade em nome de São Dimas, tendo sido amarrado na ponta de um canhão, que o disparou e estraçalhou seu corpo. Esse crime bárbaro foi o primeiro assassinato LGBTQIA+ documentado da história do Brasil, um marco que na realidade significa um crime homofóbico estatal feito diretamente pela Coroa Francesa.

O que significou Stálin para as LGBTQIA+?

A Revolução Russa de 1917 representou o maior avanço da humanidade contra a exploração e a opressão, uma obra que só a classe trabalhadora aliada com os setores oprimidos pode cumprir tomando o poder da burguesia. Dentre as conquistas da Revolução Russa estão a legalização da homossexualidade, criminalização da homofobia e legalização do aborto, por exemplo, além do direito ao divórcio e socialização da educação das crianças, conquistas que nenhuma democracia burguesa do mundo havia garantido, e que ainda hoje não garante. O Exército Vermelho, inclusive, que derrotou os exércitos imperialistas e contrarrevolucionários em diversas batalhas, contava com pessoas transgêneras.

Mas, após a burocratização stalinista do Estado operário, é marcado um retrocesso histórico nessas conquistas. Em 1928, o Dr. Nikolai Pasche-Oserki afirmou que a homossexualidade era um “perigo em potencial” e atacou também as conquistas das mulheres, entre elas o aborto. No início dos anos 30, passou-se à ação e começou a discriminação, a vigilância e a detenção massiva dos homossexuais, entre eles personalidades do mundo literário, artistas e músicos. A defesa decidida da homossexualidade, levada a cabo por grandes revolucionários, como Clara Zetkin, não foi suficiente para frear a situação. Os detidos podiam ser condenados a vários anos de prisão e ao exílio na Sibéria. Uma onda de pânico se instalou entre os homossexuais, e foram seguidos, tristemente, de um grande número de suicídios, inclusive no próprio Exército Vermelho.

Em março de 1934, foi introduzida uma nova lei, resultado da intervenção direta de Stálin, no código penal: os atos homossexuais tornaram-se passíveis de penas de até 8 anos de prisão. A imprensa stalinista empreendeu uma campanha contra a homossexualidade, que qualificou como degeneração humana. Um dos personagens que tratou com mais brutalidade a questão homossexual foi Máximo Gorki, que em seu artigo “Humanismo proletário” argumentou: “Nos países fascistas, a homossexualidade, açoite da juventude, floresce sem o menor castigo; no país onde o proletariado alcançou o poder social, a homossexualidade tem sido declarada delito social e é severamente castigada. Na Alemanha já existe um lema que diz: ‘Erradicando os homossexuais, desaparece o fascismo’”. De 1934 aos primeiros anos da década de 1980 foram condenados, com base no artigo 121, cerca de cinqüenta mil homens homossexuais.

Neste cenário de ataques às mulheres, LGBTQIA+, sentiam-se os impactos do avanço da burocratização do estado soviético, para o qual era uma prioridade calar justamente os setores oprimidos. Esta burocratização se deu em base a um processo no qual a Revolução Russa foi atacada por 15 exércitos imperialistas de uma só vez, em um cenário de atraso econômico, o que combinado ao isolamento internacional da revolução, com derrotas de processos como na Alemanha, possibilitou com que uma burocracia se encastelasse cada vez mais no Estado Operário, e cuja consolidação se deu a partir da perseguição e assassinato de toda a vanguarda operária de 1917 nos absurdos processos de Moscou, e também com a degeneração do marxismo com a máxima “socialismo em um só país”.

Veja também: O stalinismo e sua pesada herança homofóbica

A reivindicação do stalinismo por parte da Unidade Popular pode ser encontrada em vários de seus materiais públicos. Além do próprio Stálin, são reivindicadas outras figuras que seguiram em seus países dogmas contrarrevolucionários, como é o caso de Enver Hoxha, na Albânia. Nesse país se instaurou um governo declarado socialista e liderado pelo Partido do Trabalho da Albânia, tendo Hoxha como dirigente principal do governo na Albânia por aproximadamente 40 anos, de 1944 a 1985. Durante todo esse período, a homossexualidade foi proibida e criminalizada na Albânia. Mais um exemplo da reação conservadora que representou o aparato burocrático do stalinismo sobre conquistas revolucionárias dos trabalhadores. Também durante o governo de Hoxha foram feitas políticas de “incentivo a maternidade” para as mulheres, assim como na URSS com Stálin, que significaram diretamente a proibição do aborto junto à premiação estatal para mulheres que tivessem um número de filhos acima da média.

Vemos que entre a juventude universitária, frente à extrema-direita, existe um relativo fortalecimento da figura de Stálin, como se este pudesse oferecer qualquer tipo de enfrentamento à burguesia e ao fascismo. O que não se sustenta, já que na realidade este significou o avanço das bases da burocratização que levaram à derrota da Revolução Russa e à restauração capitalista, combinados ao retrocesso brutal em ataques aos setores oprimidos. Neste sentido, não buscamos aqui fazer um debate do passado, mas sim um debate de quais lições podemos tirar da história e qual a estratégia que pode levar à vitória contra este sistema de miséria, exploração e opressão.

A tradição stalinista tenta dizer que qualquer crítica a Stálin é um ataque ao socialismo. Mas na verdade, por tudo que desenvolvemos aqui e por muitas outras questões não abordadas, a defesa da revolução dos trabalhadores passa necessariamente pela superação desta tradição que restaurou o capitalismo na urss e afundou revoluções como na Espanha, Grécia, ou Itália. As comparações liberais do fascismo com o comunismo, assim como qualquer ataque da mídia hegemonica ou da direita só pode ser combatida pela raíz assim.

Para vingar Tibira, varrer a barbárie capitalista colonizadora e derrotar o reacionarismo de Bolsonaro, Mourão, Damares e militares, confiar na força independente da classe trabalhadora e da juventude, com os setores oprimidos à frente

O sangue derramado por Tibira é o mesmo sangue do qual Bolsonaro, o agronegócio e o STF querem viver, e neste Brasil de terra e história indígena, o marxismo revolucionário como ferramenta de análise e ação é um resgate necessário para pôr fim a toda violência estatal, exploração e opressão dos nossos corpos. Daniel Bensaid descrevia como era necessário livrar os vivos dos pesos dos mortos com a superação do stalinismo. Toda a juventude que hoje se revolta contra a miséria capitalista e busca uma resposta revolucionária para os nossos tempos tem também para si o desafio de superar o stalinismo para que memórias como de Tibira sejam parte da luta pela nossa emancipação.

Vivemos num país em que Bolsonaro, Mourão, Damares e militares avançam e recuam com sua retórica golpista, em disputa política com os demais atores do regime, como o Congresso e o STF. Mas é justamente com o Congresso e com o STF, aliando-se ao Centrão, que Bolsonaro está unificado para atacar os trabalhadores, a juventude, os povos indígenas, as mulheres, os negros e as LGBTQIA+, por exemplo quando se trata da Reforma Administrativa e do Marco Temporal.

São mais de 500 anos de luta que esses representantes da burguesia atacam arrancando as terras indígenas com o Marco Temporal. A violência contra a população indígena aumentou 150% no governo Bolsonaro, do qual as mulheres são as mais atingidas com casos aberrantes de violência sexual e assassinato como ocaso da jovem kaingang Daiane. Os militares, base de sustentação do governo e à frente da FUNAI com um tenente que recentemente declarou que “meteria fogo” nos povos indígenas e avança para adicionar ainda mais entraves contra a autodeclaração indígena, avança contra suas terras como sempre fizeram no passado, tendo realizado massacres de milhares de indígenas no período da ditadura militar, dizimando alguns povos que resistiram a centenas de anos desde a colonização. Esse regime político herdeiro do golpe institucional de 2016 é um inimigo declarado das mulheres, com seu ministério comandado por Damares Alves, que diz que meninas usam rosa, meninos usam azul e que, para “combater” a prostituição de menores, as meninas precisam usar calcinha.

Por isso, é necessário confiar somente na força auto-organizada da classe trabalhadora e da juventude, com os setores oprimidos à frente. E dentro da universidade, construir uma juventude que se enfrente com a Reitoria, que perpetua que a produção de conhecimento esteja a serviço dos capitalistas, que despreza os casos de assédios e trotes opressores. Assim como é necessário combater os ataques que o PT também implementa, como fizeram todos os governadores desse partido aprovando a Reforma da Previdência a nível estadual, como Rui Costa fez na Bahia com base na repressão policial aos servidores, ou como faz atacando as terras do Quilombo Quingoma. O Rio Grande do Norte, governado por Fátima Bezerra (PT), mulher e sapatão, é o único estado do país em que não há nenhum centímetro de terra indígena demarcada, o estado em que durante isolamento social, os casos de violência doméstica no RN aumentaram em 169,2%.

Aqui no RN e em todo o Brasil, é urgente a unidade entre trabalhadores e indígenas, para avançar em uma exigência à CUT, CTB e UNE, centrais sindicais e entidade estudantil, dirigidas pelo PT e pelo PCdoB, em combate à sua política eleitoreira para Lula 2022, para construir uma paralisação nacional.

E é nesse sentido que precisamos combater dentro das fileiras do movimento operário, do movimento estudantil e dos movimentos sociais, o retrocesso reacionário do stalinismo, que carrega uma herança de ataques aos trabalhadores e setores oprimidos, ao contrário do que faz a Unidade Popular, PCR e Correnteza, que, no mínimo contraditoriamente, fazem menção a Tibira, mas resgatam o legado de Stálin.

Como desenvolve Diana Assunção em seu artigo Sobre trotskismo, stalinismo e a luta contra a opressão às mulheres, “O marxismo revolucionário, e o trotskismo em particular, sempre defendeu uma visão na luta das mulheres totalmente vinculada à luta de classes e à leitura marxista da realidade, que parte de entender a sociedade dividida em classes e a necessidade de acabar com ela como condição necessária para abrir espaço para o fim de qualquer forma de opressão. Trótski dizia, inclusive, que, para ser um revolucionário, é preciso enxergar a vida com o olhar das mulheres.” é esse legado, ligado ao maior avanço da história dos trabalhadores, que resgate as lições estratégicas da Revolução de Outubro, que precisamos fortalecer, para arrancar um futuro livre das amarras da opressão e da exploração.

Enquanto o bolchevismo partia de premissas concretas para batalhar pela emancipação das mulheres como parte fundante da emancipação de toda a humanidade, buscando libertá-la das amarras do lar, levando adiante a defesa da união livre; emancipação das mulheres através da independência econômica; socialização do trabalho doméstico; e gradual e inevitável desaparecimento da unidade familiar tomando medidas em leis e materiais para possibilitar isso, entendendo, nas palavras de Trotski que “A liberação da mulher significa cortar o cordão umbilical que ainda une o povo às superstições do passado.”, o stalinismo significou a reação e perseguição a cada um dos avanços conquistados, em especial no direito ao aborto. A juventude que desperta hoje para a vida política precisa dedicar ao stalinismo sua localização justa: a lata de lixo da história, em defesa de uma estratégia que aposte na metamorfose interna da revolução, sua internacionalização e mundialização, em defesa de cada LGBTQIA+ e indígena.

Viva a luta dos povos originários em Brasília! Todo apoio às lutas em curso, como a greve dos trabalhadores do Detran - RN! Por um movimento estudantil combativo, subversivo, aliado aos trabalhadores, que não aceite conciliação e varra todo e qualquer conservadorismo!

 
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