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Bolsa Família 2.0
A engenharia do Auxílio Brasil tem seu pilar nas reformas e privatizações
Mateus Castor
Cientista Social (USP), professor e estudante de História

Há muitas incertezas sobre a Medida Provisória que cria o Auxílio Brasil. Ainda que esteja esquematizado em 9 modalidades de benefícios, não se sabe ainda seu valor, a quantidade de beneficiários e nem como será pago. Mesmo assim, às pressas, o projeto foi apresentado por mãos bolsonaristas e do centrão no início da semana passada, na Câmara dos Deputados.

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CLEIA VIANA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

O fato é que a miséria, a fome e o desemprego crônico estão ocupando uma posição de destaque nas discussões dos quadros capitalistas e do regime político. Isso porque agora aproximam-se as eleições, período em que as condições de extrema desumanização se tornam um problema traduzido em rechaço ao governo, mas que podem transformar-se em apoio e votos. Caso saia do papel, o preço do programa será a aceleração do programa pelo qual Bolsonaro foi levado ao poder em 2018: privatizações, reformas e mais ataques nos poucos meses que restam antes do foco completo nas eleições de 2022.

Auxílio Brasil pode ser um negócio muito lucrativo

Primeiro, e mais óbvio, a velocidade dessa MP é compreensível no contexto da disputa eleitoral de 2022. Bolsonaro busca não só recuperar bases do seu eleitorado mais pobre, seja dos setores urbanos ou rurais, mas também disputar a base beneficiada pelo Bolsa Família, que não alcançou em 2018, mesmo com toda manipulação eleitoral. Nada melhor para isso do que enterrar e, ao mesmo tempo, dar continuidade ao programa social criado por Lula. Perseguindo esse objetivo, o governo adota um discurso de que o Auxílio Brasil será mais amplo e potente que o petista. Uma continuidade “melhorada” e uma ruptura.

Pode te interessar: Para dar pedalada em precatórios, Guedes põe privatizações e pré-sal no cálculo de fundo para pagamento

À imagem e semelhança do regime golpista do qual nasce, o novo programa coloca privatizações e mais uma série de ataques como condição para que seja aprovado. Bolsonaro e Paulo Guedes sabem da importância de respeitar o Teto de Gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal, importantes conquistas da burguesia no golpe de 2016. Desta forma, o governo busca a aprovação da PEC dos precatórios, através da qual usariam um pacote de privatizações como fundo de garantia de pagamento das dívidas e conseguiriam uma brecha no orçamento para gastar com o Auxílio Brasil. Num primeiro momento, a mídia neoliberal criticou Guedes como um caloteiro traidor dos princípios da austeridade, mas logo abaixou o fogo; agora reflete sobre a proposta.

A recompensa é calculada como privatizações e reformas. Eletrobrás, Correios, infra-estrutura e mais setores da Petrobrás, assim como as reformas, como a Administrativa, que retira direitos do funcionalismo público, e a MP 1045, uma enorme reforma trabalhista, e não “mini”. Guedes explica:

“Quando o ritmo de criação de obrigações é maior que a nossa capacidade de pagamento, temos que fazer como todos fazem, você vende o carro para pagar uma dívida e continuar solvente”, afirmou o ministro dos banqueiros.

A “obrigação” que se refere é a dívida de R$ 90 bi em precatórios. Caso a PEC seja aprovada, o governo espera economizar R$ 33,5 bi. Uma quantia significativa para compensar a diferença entre os R$ 34 bi gastos com o Bolsa Família atual e os R$ 55 bi projetados para o Auxílio Brasil em 2022.

A “Instituição Fiscal Independente” (IFI), órgão do Senado, declarou que a proposta de parcelamento dos precatórios está dentro das “regras do jogo”. Nada mais cínico vindo de um poder que edificou um novo regime consolidado por um golpe institucional. Um subordinado de Paulo Guedes também afirmou que o “parcelamento está na Constituição. A gente está compatibilizando uma regra que está na Constituição com o teto de gastos".

No cálculo de diversas frações burguesas do regime, em especial a financeira, pode ser favorável o parcelamento de dívidas milionárias se, em troca, tiver um pacote imenso de ataques, que na verdade já estão ocorrendo numa velocidade histórica.

Vemos uma combinação de um assistencialismo diferente na que ocorreu nos governos do PT, quando o pacto social que sustentava o Bolsa Família dava gigantescos lucros às “Global Players” e aos bancos, da mesma maneira que o agronegócio com o boom das commodities. O Auxílio Brasil combina um assistencialismo de direita, cuja essência meritocrática é visível nas diversas modalidades que combram desempenho escolhar das crianças e adolescentes para acesso à bolsas, com uma sustentação de pura austeridade.

Análise | Disputas entre projetos autoritários e ataques de grande intensidade

Um novo tipo de assistencialismo para o regime do golpe

O Auxílio Brasil, caso seja executado em novembro, conquistará seu perfil próprio com o passar do tempo. O novo programa social é comandado pela pasta da Cidadania, liderada por João Roma, do Republicanos, sigla do centrão. O PP é a outra sigla, a mais poderosa, que comanda o Ministério do Trabalho, com o fiel bolsonarista Onyx Lorenzoni. A ida de Ciro Nogueira para a Casa Civil significou uma rearticulação das bases de sustentação do governo, com um tipo específico de neoliberalismo militarista protagonizado pelo centrão.

Para além do centrão | Por que ressurgiu o ministério do Trabalho e da Previdência?

Há questões econômicas estruturais nessa nova localização do centrão no governo Bolsonaro, que além do Auxílio Brasil e do próprio ressurgimento deste ministério, se combinam à disputa eleitoral de 2022. Questão expressa pelo próprio reacionário:

“(...) Dar uma certa descompressão no Paulo Guedes e deixar o Onyx tratar dessa questão importantíssima, pois, precisamos sim, além de recuperar empregos, buscar mais alternativas para atender aos desassistidos. Não é da pasta do Onyx o Bolsa Família, é do João Roma. Mas trabalham perfeitamente afinados".

Desde o golpe institucional, acumularam-se ataques históricos contra a classe trabalhadora: a reforma trabalhista, a lei de terceirização irrestrita e o Teto de Gastos são grandes exemplos. O governo Bolsonaro deu continuidade a esse programa ajustador, com a reforma da previdência em 2019 e uma série de privatizações na Petrobrás e na infra-estrutura.

Análise |O enorme ataque da "minireforma" trabalhista

As consequências dos ataques capitalistas durante a pandemia foram o desemprego crônico, a inflação e a fome. A resposta a isso são mais ataques. Neste momento, ocorre uma aceleração dos ataques: a MP 1045 (“minirreforma trabalhista”), mais privatizações e reformas que, de modo geral, miram nas condições de trabalho e precarizam os serviços públicos - como é a privatização da Cedae, Eletrobras e Correios, assim como a reforma Administrativa - piorando as condições de vida dos trabalhadores, em especial dos mais pobres.

Diante das enormes posições conquistadas pelos capitalistas, o Auxílio Brasil se configura como uma resposta, via distribuição de renda direta, aos ataques feitos às condições de trabalho (salários e direitos trabalhistas) e de vida (serviços públicos). Uma concessão que o governo, o regime e a burguesia de conjunto possuem toda a margem para dar, diante do saldo extremamente positivo para seus lucros que significou o sucesso na implementação de grande parte do programa econômico que ascendeu ao poder em 2016.

O Bolsa Família, tal como era, se mostra incapaz de cumprir o seu papel, já que foi desenhado para dar assistência aos miseráveis em um período de crescimento econômico, com o boom das commodities durante os governos do PT. A administração da miséria agora ganha os contornos do novo regime político brasileiro. No lugar do Bolsa Família, ergue-se o Auxílio Brasil.

E a miséria continuará a ocupar o espaço que sempre ocupou no Brasil: uma característica estrutural do nosso capitalismo débil e sua contraditória capacidade produtiva agrária titânica incapaz de alimentar sua própria população. Afinal, a produção de alimentos é controlada por grandes proprietários que só obedecem a lei dos lucros. Arranquemos o poder das mãos daqueles que produzem a miséria, somente assim é possível dar um fim a condição desumana que milhões de seres humanos são subjugados, não há outra alternativa.

 
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