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USP
Retorno presencial na USP: a comunidade universitária deve decidir e unir sua luta com a população
Patricia Galvão
Diretora do Sintusp e coordenadora da Secretaria de Mulheres. Pão e Rosas Brasil
Marcello Pablito
Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.

No dia 11 de agosto a comunidade USP foi surpreendida com o anúncio na imprensa de retorno das atividades presenciais em todos os campi da universidade. O comunicado oficial do calendário para o retorno presencial só foi feito no dia seguinte. Essa medida, tomada sem qualquer diálogo com a comunidade universitária, é parte dos planos eleitorais de Doria que, junto com Bolsonaro descarrega em plena pandemia a crise nas costas da classe trabalhadora com desemprego, fome, privatizações, destruição da saúde e aprovação da MP 1045 para acabar com o futuro da juventude. A comunidade universitária é quem deve decidir quando e como se daria o retorno seguro. Ao mesmo tempo, a batalha contra o retorno inseguro das atividades presenciais precisa superar os muros da USP e ser parte da luta para unificar o conjunto da nossa classe com a juventude, o povo pobre e enfrentar como um só punho todos os ataques.

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Em meados demarço de 2020, a USP determinou às pressas a suspensão das aulas presenciais. No entanto, os trabalhadores da universidade deveriam se manter nos locais de trabalho normalmente. O tratamento desigual frente a uma pandemia que já mostrava no mundo todo seu potencial de contaminação e letalidade, deixava claro que a reitoria, sob o comando de Vahan Agopyan, pouco se preocupava com a segurança dos funcionários efetivos ou, pior ainda, com a segurança dos milhares de trabalhadores terceirizados. Estes últimos, assim como uma grande parcela da classe trabalhadora, sequer tiveram direito ao isolamento social e muitos ainda foram demitidos durante a pandemia.

Do estouro da pandemia em nível internacional a chegada do vírus na universidade foram cerca de 4 meses. Nesse período era possível acompanhar as medidas que os países estavam tomando, com políticas mais eficientes ou desastrosas. No entanto, nem o governo federal, com o negacionismo de Bolsonaro, nem os governantes estaduais e municipais tomaram qualquer medida que pudesse responder a tragédia que tomava forma diante dos nossos olhos. Em meio às disputas políticas entre Doria e Bolsonaro foi a nossa classe que se manteve na linha de frente, trabalhando todos os dias e expondo a sua saúde e suas vidas nas indústrias, nos transportes, hospitais, nos serviços de entrega por apps sem testes massivos, EPIs, com um sistema de saúde precarizado e sofrendo com a retirada de direitos. Ao mesmo tempo em que tentava se apresentar como uma alternativa da direita tradicional a Bolsonaro, Doria avançava em plena pandemia na implementação de medidas como o PL 529 para destruir e privatizar a saúde, o transporte e os serviços públicos que atendem a população mais pobre.

Na USP, a universidade mais bem avaliada do país, não foi diferente. Falta de EPIs como máscaras, luvas e aventais foram denunciados pelos trabalhadores do Hospital Universitário. Corte dos contratos terceirizados de limpeza causaram a demissão de várias trabalhadoras terceirizadas. As que ficaram, na maioria absoluta dos casos, sequer tiveram direito a quarentena. Entre as primeiras vítimas da covid na universidade estavam dois trabalhadores terceirizados da vigilância, ambos com mais de 60 anos, ou seja, faziam parte do grupo de risco, mas foram mantidos trabalhando e se contaminaram. Hoje são mais de 40 mortos entre trabalhadores efetivos e terceirizados que se tem notícia, mais dezenas de professores. Entre os estudantes chocou a comunidade a situação dos moradores do conjunto residencial da USP, o Crusp, que sofriam com a falta de água quente, falta de materiais de higienização das áreas comuns, internet e assistência médica. Além da alimentação sofrível que passaram a receber, com marmitas precárias, sem nenhuma preocupação nutricional. Dois moradores do Crusp cometeram suicídio este ano, uma tragédia diante dessa situação caótica do país.

Toda essa situação foi se estendendo pelos um ano e meio da pandemia sem que as medidas necessárias para atender não apenas a comunidade USP, mas também a população, fossem tomadas. Não se contratou mais médicos, corpo de enfermagem ou funcionários administrativos para ampliar o atendimento a população e afastar, com licença remunerada, os trabalhadores da linha de frente que eram parte do chamado grupo de risco. Foi necessário que o Sintusp, sindicato dos trabalhadores da USP, entrasse na justiça para tentar garantir alguma segurança aos trabalhadores maiores de 60 anos ou que tinham alguma comorbidade que pudesse agravar a contaminação pelo coronavírus.

Os trabalhadores do hospital, que se mantiveram trabalhando durante toda a pandemia, não foram nenhuma vez recebidos pelo superintendente do hospital, para traçarem juntos um plano de atendimento e contratação. Ao contrário, foram os trabalhadores do hospital os que mais sofreram com a sobrecarga de trabalho. O setor de higienização do hospital, onde trabalham mais de cem funcionárias terceirizadas, ao invés de ser ampliado com mais contratações, tiveram seu quadro reduzido. Em praticamente toda a universidade o quadro de funcionários da limpeza foi reduzido, ao invés de aumentar a higienização dos espaços públicos, com mais contratações para garantir a segurança de circulação de pessoas. Isso para não falar que a USP poderia ter colocado todos os seus laboratórios e pesquisas a serviço de combater a pandemia e atender as necessidades da população produzindo álcool em gel, respiradores e pesquisar as formas mais eficazes de evitar milhares de mortes.

Todo esse cenário se soma ao descaso do governo Doria com a saúde da população. Em um ano e meio não se construiu um hospital. O governo sequer atendeu a reivindicação de reabertura de hospitais como o Sorocabana, que há décadas permanece fechado. Os transportes seguem mais lotados que nunca, sem que se aumentasse a frota. De forma demagógica o governo adotou um toque de recolher das 23:00 às 5:00, além de rodízios cada vez mais restritivos e ineficientes. Uma série de medidas para inglês ver, ao mesmo tempo que lançava ataques brutais aos serviços públicos, avançando na privatização. O governo federal com o apoio de governos e partidos da ordem como o PSDB, que finge ser oposição a Bolsonaro, aprovou uma série de ataques à classe trabalhadora e à juventude, mais recentemente com a privatização dos correios e aprovação de mais uma minirreforma trabalhista que vai precarizar ainda mais as relações de trabalho. Sob os serviços públicos avança a reforma administrativa que mantém os privilégios a militares, políticos e juízes enquanto ataca o conjunto do funcionalismo, abrindo mais espaço para terceirização e privatizações.

É nesse cenário que o governo Doria decretou o retorno à normalidade das atividades na USP, que foi precedido do retorno às atividades presenciais nas escolas estaduais e municipais. A verdade é que essas medidas são parte dos planos eleitorais de Doria que se prepara para a disputa presidencial em 2022 tentando se apresentar como uma possível alternativa da direita tradicional diante da polarização entre Lula e Bolsonaro. Por isso, junto a toda demagogia e ao plano de vacinação em SP, Doria quer mostrar para a classe dominante que pode colocar a economia para funcionar ao custo das vidas dos trabalhadores. Com a circulação de novas variantes do coronavírus, como a Delta, fica ainda mais incerto a possibilidade de uma terceira onda de mortes. Com a média móvel diária de quase mil mortos por dia estamos em piores condições do que há um ano. A vacinação avança a passos lentos no Brasil. Mesmo no estado de São Paulo, que já vacinou com pelo menos uma dose cerca de 90% da população adulta, ainda não há queda sensível no número de mortes. Especialistas preocupados com a variante Delta e novas cepas já falam na necessidade de uma terceira dose. Com a maioria absoluta da população adulta ainda não totalmente imunizada com as duas doses, podemos antever outra tragédia.

Na toada do governo, a USP decretou o retorno às atividades presenciais. As creches e escola de aplicação devem começar a funcionar integralmente a partir do dia 16/08. Os demais funcionários devem retornar as atividades dia 23/08. As aulas só começarão a ser retomadas de forma presencial a partir de 04/10. Esse calendário, decidido exclusivamente pela burocracia acadêmica mostra como o discurso negacionista vai além da defesa de tratamentos precoces.

No fim do ano passado a reitoria já havia ensaiado o retorno dos funcionários para testar a efetividade de bolhas sanitárias. A comunidade USP reagiu contrária a decisão da reitoria e os funcionários deflagraram uma greve sanitária pela manutenção do trabalho remoto das atividades não essenciais até que a pandemia estivesse sob controle e houvesse segurança para o retorno. A reitoria retrocedeu diante da opinião pública contrária ao retorno de aulas e trabalhos presenciais. Quase um ano depois a reitoria lança a obrigatoriedade do retorno dos funcionários mantendo a lógica autoritária. Em nenhum momento os trabalhadores, que efetivamente estarão no local de trabalho, foram consultados. Nem estudantes ou professores. Isso mostra de forma mais escandalosa como a estrutura de poder da universidade é extremamente autoritária. A reitoria, inclusive, chegou a apresentar uma nova proposta de estatuto da universidade, para substituir o velho estatuto da época do regime militar que, não apenas mantém a estrutura de poder engessada e controlada pela casta burocrática da academia, mas avança em punir servidores que façam críticas públicas à gestão, além de buscar impedir o direito de greve.

Em resposta a toda essa situação os trabalhadores aprovaram em sua assembleia um posicionamento contrário ao retorno inseguro das atividades presenciais na universidade e entidades do movimento estudantil e docente também vieram se posicionando criticamente a essa medida da reitoria e de Doria. É necessário unificar os estudantes, trabalhadores efetivos e terceirizados e professores e lutar para que seja a própria comunidade universitária que decida democraticamente quando e como se daria o retorno seguro das atividades. É diante dessa situação caótica e alarmante que a luta pela auto-organização dos trabalhadores e estudantes em oposição a estrutura de poder autoritária da universidade se faz mais atual que nunca.

Por isso chamamos funcionários, estudantes e docentes a formarem comitês de higiene e saúde em cada unidade para mobilizar e organizar os três setores para garantir o controle sobre as condições de retorno na medida em que esses comitês se fortaleçam e consigam juntar forças para impor suas decisões sobre os diretores das unidades. É parte fundamental dessa luta que os trabalhadores terceirizados tenham os mesmos direitos dos trabalhadores efetivos da universidade e que exijamos o fim das demissões e a reintegração de todos os trabalhadores demitidos. Precisamos unificar essa luta com os estudantes do CRUSP que estão sofrendo despejo em plena pandemia e tendo suas bolsas cortadas para garantir direito à moradia, permanência estudantil e lutar juntos para que a universidade coloque todo o seu conhecimento e sua estrutura a serviço das necessidades da população em meio à pandemia. Um passo elementar para isso é garantir a contratação necessária de profissionais da saúde para que o Hospital Universitário garanta atendimento à comunidade universitária e à população pobre que é quem mais depende do seu atendimento.

Ao mesmo tempo, diante de tantos ataques e da situação dramática que Bolsonaro, Doria e os capitalistas impõem à classe trabalhadora e à juventude em todo o país durante a pandemia, com setores inteiros que sequer tiveram direito ao isolamento social e sofrem com o desemprego, a fome, a precarização do trabalho e a aprovação da MP 1045 que veio para impor um regime de trabalho semiescravo para a juventude precisamos superar os limites das lutas parciais pelas reivindicações corporativas de cada categoria. Por isso, a batalha contra o retorno inseguro das atividades presenciais na USP precisa ser parte de um plano para unificar o conjunto da nossa classe com a juventude, o povo pobre e enfrentar como um só punho todos os ataques. Essa luta precisa se ligar à defesa do direito à vacinação para todos e em defesa dos serviços públicos de qualidade, assim como pela garantia de um auxilio emergencial de pelo menos um salário mínimo e de emprego digno para todos.

É também a partir da auto-organização dos trabalhadores junto aos estudantes que encontraremos melhores condições para exigir das grandes centrais sindicais que a paralisação do dia 18 de agosto seja parte de um plano de lutas que prepare uma greve geral capaz de derrotar a PEC 32 revogar as reformas antioperárias que arrancam nossos direitos e derrubar Bolsonaro e Mourão. Somente assim conseguiremos defender as nossas vidas diante de um governo que tornou o convívio com a morte algo cotidiano.

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