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Xi Jinping e Putin
Exercício militar conjunto entre China e Rússia: uma nova entente asiática?
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

O primeiro exercício militar interno ao território da China com participação russa indica a crescente aproximação entre Moscou e Pequim.

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A relação amistosa político-militar entre a China e a Rússia não é exatamente uma novidade, se tomarmos a última década, marcada pelas consequências da crise econômica mundial. A regularidade em que participam de exercícios militares comuns, em diversas regiões da Ásia, tampouco o é. Mas dessa vez, forças russas estão participando de um exercício militar nacional chinês pela primeira vez, alimentando a suspeita entre analistas ocidentais de que as duas autocracias asiáticas, adversárias do imperialismo dos Estados Unidos, estão desenvolvendo capacidades operacionais conjuntas.

De acordo com declarações dos Ministérios de Defesa chinês e russo, o exercício chamado “Joint Western 2021”, na região ocidental de Ningxia envolvendo mais de 10.000 soldados, tem foco nas operações de reconhecimento e de alerta precoce, de guerra eletrônica e de ataques conjuntos. Os militares russos confirmaram haver enviado aviões de caça Su-30SM, unidades de fuzil motorizadas e sistemas de defesa aérea para a China como parte do exercício. Os exercícios também marcam a primeira vez que os soldados russos estão usando armas chinesas, tendo acesso aos veículos blindados chineses.

Com os EUA retirando suas forças remanescentes do Afeganistão, e depois que tanto Pequim quanto Moscou tiveram contato com o Talibã, o exercício está sendo acompanhado de perto por sinais de que as forças chinesas e russas estão aprendendo a coordenar missões e conduzir operações conjuntas. "Esta é a primeira vez que os chineses estão realmente deixando os russos participarem de um de seus próprios exercícios", disse Roderick Lee, diretor de pesquisa do Instituto de Estudos Aeroespaciais da China, na Air University.

Ningxia é uma província ocidental da China que fica próxima das províncias de Xinjiang e Gansu, regiões desérticas chinesas em que se encontrou recentemente dados que confirmam a presença subterrânea de instalações de armazenamento de armas nucleares, mais precisamente 800 km² equivalentes a silos para mísseis balísticos. Xinjiang, que abriga a fronteira da China com os países da Ásia Central, é a região em que a burocracia do Partido Comunista Chinês mantém encarcerados mais de 1 milhão de muçulmanos Uighures em campos de concentração. Compartilhando uma fronteira estreita com o Afeganistão, Pequim está realizando movimentações que podem indicar interesse de Xi Jinping para travar acordos com os fundamentalistas do Talibã para conter os movimentos separatistas nessas regiões.

A decisão da Rússia de participar foi "sem dúvida um passo adiante para aprofundar a interação e a cooperação militar" entre os países, disse Mikhail Barabanov, pesquisador sênior do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias, um think-tank de defesa baseado em Moscou. "Parece que esta cooperação vai se aprofundar mais cedo [do que o esperado], envolvendo todas as novas estratégias de ambas as partes".

Embora Moscou e Pequim insistam que seu relacionamento não é uma aliança formal de defesa, suspeita-se que as duas forças armadas poderiam conceder acesso aos sistemas de comunicação eletrônica uma da outra e construir estruturas de comando conjuntas. "Se os virmos operando lado a lado e eles começarem a compartilhar informações de inteligência e comunicações, então haverá alguma interoperabilidade em um conflito ou crise", reiterou Lee. "Os russos podem começar a dar à China algum acesso aos seus ativos espaciais ou de comunicação. Essa é a direção para a qual eu tenho a sensação de que eles estão se movendo".

Exercícios conjuntos sino-russos em 2018

Quando as forças armadas chinesas e russas começaram os exercícios conjuntos em 2005, fizeram parceria apenas no exercício anual cognominado “Missão de Paz”, sob a Organização de Cooperação de Xangai (que envolve China, Rússia e países da Ásia Central como Cazaquistão e Uzbequistão), tradicionalmente focada em combater as insurgências na Ásia central. Mas desde 2012, a Rússia e a China vêm realizando exercícios navais bilaterais regulares. Desde 2018, o Exército de Libertação Popular participou de três dos exercícios estratégicos anuais da Rússia, realizados nas partes leste, central e sul da Rússia.

Tilman Pradt, que escreveu em 2016 o livro “China’s New Foreign Policy: Military Modernisation, Multilateralism and the ‘China Threat’”, sistematiza a regularidade praticamente anual em que China e Rússia sustentam exercícios navais conjuntos em uma ampla área de abrangência do território asiático, envolvendo inclusive os Mares do Sul e Oriental da China, exercícios dominados por operações anti-submarinos e de defesa aérea.

Essa amizade militar deriva de um sistemático rapprochement político. O relacionamento Rússia-China se fortaleceu em 2014, quando os laços políticos de Moscou com o Ocidente se deterioraram depois da anexação Península da Crimeia pela Rússia, extraída da Ucrânia. A China é o maior parceiro comercial da Rússia atualmente. Moscou apoiou Pequim em sua reivindicação de praticamente todo o Mar do Sul da China, algo que é repelido pelos Estados Unidos. Essa aproximação entre Rússia e China, com efeito, comunga do objetivo de paralisar a política dos Estados Unidos de dividir os dois países, e de interferir nos assuntos asiáticos (importantes para Pequim) e nos assuntos da Europa do Leste (importantes para Moscou). Isso fez com que Xi Jinping qualificasse Putin como seu “melhor amigo”, em junho de 2019: "Nos últimos seis anos, já nos encontramos quase 30 vezes. A Rússia é o país que visitei mais vezes, e o presidente Putin é meu melhor amigo e colega", disse Xi em uma coletiva de imprensa durante sua visita de três dias à Rússia. Naquela ocasião, Putin disse que os laços bilaterais haviam "atingido um nível sem precedentes" e descreveu a relação entre os dois países como "uma parceria global e uma cooperação estratégica".

Apesar da lua-de-mel militar entre as potências asiáticas, espera-se que o Exército de Libertação Popular não participe do grande exercício que se realizará no oeste da Rússia este ano. Não por desconfianças mútuas, entretanto: trata-se de um movimento calculado da China para não alarmar os países da OTAN sobre o poder militar chinês. Como disse Richard Weitz, diretor do Centro de Análise Político-Militar do Hudson Institute, a China “esquivou-se inteligentemente da questão de trazer suas forças terrestres até as fronteiras orientais da OTAN, fazendo deste exercício na China um substituto para a participação no exercício russo".

A aproximação político-militar com a Rússia é um aspecto fundamental da política de Xi Jinping na Ásia e, embora a história das relações diplomáticas entre China e Rússia no século XX tenha sido turbulenta, a nova configuração da rivalidade estratégica oposta pelos Estados Unidos aos dois países torna a noção de uma entente sino-russa um objetivo com benefícios claros. Este é o principal obstáculo a sugestões de autores perspicazes como Rafael Poch, que aconselha Washington a operar um “1972 ao contrário”: ou seja, inverter a orientação política que, a meados da década de 1970, Kissinger e Nixon utilizavam para isolar a União Soviética, aproximando a China. Os exercícios militares conjuntos são uma prova dessa dificuldade.

A relação sino-russa, entretanto, não está à prova de tudo. A Ásia é um caldeirão de contradições sociais, em que vemos sucessivas ondas de protestos e greves operárias (como a luta dos operários de Myanmar contra a junta militar golpista, apoiada por Pequim); na hipótese da luta de classes escapar ao controle autocrático, rusgas e dissidências podem emergir entre russos e chineses. Da mesma maneira, o expansionismo chinês na Ásia não tem um “sinal verde” eterno para Putin, que resguarda a herança da Grã-Rússia opressora dos povos. Com efeito, nos exercícios militares conjuntos não precisamos observar apenas cooperação, mas controle comum, uma vez que a espionagem russa não deixa de aprender com quais armas a China de Xi busca levar adiante o “Sonho Chinês”.

Os exercícios militares no ocidente chinês são aompanhados dos exercícios realizados em sua costa oriental, muito mais numerosos até agora. De acordo com dados compilados pelo South China Morning Post, a China realizou 20 exercícios navais envolvendo elementos de captura de ilhas apenas no primeiro semestre de 2021, excedendo os 13 exercícios realizados durante todo o ano de 2020. No exercício mais recente, os militares chineses incorporaram dois tipos de drones não tripulados, veículos anfíbios de assalto, howitzers autopropulsionados, sistemas de foguete de lançamento múltiplo entre seus armamentos, de acordo com imagens de vídeo da emissora estatal chinesa CCTV. Essas operações de treinamento tem em mira a preparação, que combina elementos retóricos com elementos reais, para a reincorporação forçada de Taiwan ao território da China continental.

O fato é que as armas sino-russas incrementam sua interoperabilidade em um tabuleiro estratégico para os Estados Unidos. Isso vai enchendo de faíscas uma região do mundo que já está cheia de pólvora, fruto da pobreza gerada pela crise econômica mundial e agravada pela crise sanitária na pandemia.

 
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