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Ideias de Esquerda
[Entrevista] Carlos Prado: “As atas dos trotskistas de 1933 no Brasil mostraram um partido vivo”

Carlos Prado é professor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), cuja tese tratou do movimento trotskista no Brasil, dos anos de 1928 a 1936. Esta entrevista, concedida a Seiji Seron, foi suscitada a partir de sua comunicação do Simpósio Temático do evento "Trótski em Permanência", que pode ser assistida neste link.

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1) Em sua participação no evento "Trótski Em Permanência", você falou sobre os primeiros anos da Oposição de Esquerda no Brasil, organizada primeiro como "fração pública" excluída do PCB e, depois, como partido próprio. Qual era o contexto internacional destes anos e como esse contexto impactou a oposição brasileira?

Quando surge a oposição no Brasil, ela emerge das questões nacionais, especialmente a “questão sindical” de 1928, o regime interno não democrático e aos questionamentos à tática de alianças com o tenentismo. Não obstante, estas questões dialogavam diretamente com as divergências que haviam motivado a luta no interior do Partido Bolchevique. A interpretação da revolução nos chamados países coloniais a partir de uma lógica etapista, a aliança com a pequena-burguesia e a burocratização do partido foram temas que aproximaram os dissidentes brasileiros das teses de Trótski.

Ainda sobre as repercussões da URSS, vale destacar que em julho de 1928 se realizou o VI Congresso da Internacional. Em suas teses e resoluções, estabeleceu-se a teoria do “terceiro período”, que produziu uma série de mudanças tático-estratégicas, negando a Frente Única e preparando o terreno para a aprovação, no ano seguinte, da tese do social-fascismo. Além disso, no contexto da América Latina, os partidos comunistas começaram a sofrer forte intervenção da direção da Internacional. Esse processo de “stalinização” se consolidou em 1929 com a I Conferência Sul-Americana dos Partidos Comunistas e se aprofundou durante 1930 com a luta contra os chamados “desvios de direita” e com a política de “obreirismo”.

Foi nesse contexto que surgiu a Oposição no Brasil com o Grupo Comunista Lenine, em maio de 1930. Nesse primeiro momento, a plataforma da Oposição Internacional de Esquerda denunciava a ruptura do stalinismo com o bolchevismo, mas acrescentava que a degenerescência burocrática da URSS e da Internacional ainda não havia se completado. A luta dos trotskistas era, nesse momento, para reformar, regenerar, reconduzir o movimento comunista aos princípios revolucionários.

A grande mudança ocorreu depois da ascensão de Hitler na Alemanha. A ascensão do nazismo por meio da capitulação da Internacional burocratizada, levou Trótski a rever essa posição que buscava reformar e regenerar a direção dos partidos comunistas. Nesse sentido, a vitória do nazismo na Alemanha foi um momento de reavaliação das análises do trotskismo, influenciando também os trotskistas brasileiros. Foi nesse ano e nesse contexto, que os militantes da Liga Comunista realizaram duas conferências para discutir e debater esses temas, especialmente o caráter de fração, a construção de uma nova Internacional e o caráter da URSS.

2) Você estudou as atas das conferências nacionais da Liga Comunista, em maio e outubro de 1933. O que foram estas conferências e o que debateram?

Programada inicialmente para abril de 1933, a I Conferência aconteceu em São Paulo, de 6 a 10 de maio, ou seja, antes de Trótski apontar a necessidade histórica de se construir novos PCs e uma nova Internacional. A conferência da Oposição brasileira contou com 15 militantes e 1 simpatizante, entre os quais: Aristides Lobo, Lívio Xavier, Mário Pedrosa, Victor de Azevedo Pinheiro, Gofredo Rosini e outros.

Felizmente, a documentação produzida pela conferência foi preservada e se encontra disponível no Arquivo da Unesp CEDEM, para historiadores e outros pesquisadores que desejam investigar a questão. O corpo documental reúne não apenas o relatório final da conferência, mas também todas as atas das reuniões, registrando os comentários de todos os militantes, o que nos permite ter uma visão ampla sobre os debates e posicionamentos.

A conferência foi chefiada por Aristides Lobo, que naquele momento era Secretário Geral da Liga Comunista, e entre os temas da ordem do dia constam: Situação Internacional; Questão Nacional; Oposição e Partido; Questão Sindical; Questão da URSS; Tarefas práticas; e Questões de organização.

A Conferência Nacional precedeu a Conferência Internacional da Oposição Internacional de Esquerda que ocorreria em agosto de 1933. O grande debate que permeou diversos pontos tratados foi a repercussão da vitória de Hitler na Alemanha e a posição que os oposicionistas adotariam diante dessa nova traição da burocracia stalinista.

A questão central era sobre a permanência do caráter de fração dos oposicionistas. Após os debates os trotskistas brasileiros apontaram que permaneceriam como fração, mas se ampliaria o caráter de independência política da Oposição.

Em julho, dois meses após a realização dessa primeira conferência, Trótski publicou o artigo intitulado “É necessário construir Partidos Comunistas e uma nova Internacional” e defendeu a necessidade histórica de se preparar a fundação da IV Internacional. Já em agosto, a I Conferência da OIE oficializou a proclamação da palavra de ordem pela construção da IV Internacional. Assim, em 1º de outubro os trotskistas brasileiros se reuniram para a II Conferência Nacional (Extraordinária). O debate sobre a Nova Internacional e a caracterização da URSS foram os problemas centrais.

3) O que mais lhe impressionou ao ler essas atas?

O mais interessante em ter acesso às atas foi poder tomar ciência e analisar como se posicionava cada militante frente aos diferentes problemas discutidos. As atas possibilitaram verificar a existência de um partido vivo, com debates, com diferentes pontos de vista sobre questões que eram realmente difíceis e que não poderiam ser respondidas por meio da aplicação de fórmulas mecânicas.

Além dos debates sobre questões teóricas, como sobre a caracterização da URSS ou sobre a independência do partido, também ocorreram debates sobre questões nacionais e sobre a organização interna da Liga Comunista.

E, nessa perspectiva, o que mais me chamou atenção foram os debates entre as duas principais lideranças da organização naquele momento. Durante a I Conferência, por exemplo, Mario Pedrosa e Aristides Lobo, em questões fundamentais se colocaram sempre em pontos opostos. Enquanto Aristides Lobo defendeu uma ruptura imediata com o Partido Bolchevique estalinizado e com a Internacional burocratizada, Pedrosa adotou uma orientação mais cautelosa. Diante do conflito, as resoluções apontaram soluções intermediárias.

Trata-se de uma documentação muito rica que revela a dinâmica interna da Oposição brasileira. São documentos fundamentais que tive a oportunidade de pesquisar durante a escrita da minha tese de doutorado que defendi em fevereiro de 2019 na Universidade Federal Fluminense. Aproveito a oportunidade para dizer que essa pesquisa já está em processo final de edição e até outubro deve ser publicada no formato de livro e e-book.

4) Qual seria o destino posterior da Liga Comunista e dos participantes das conferências de 1933?

O período posterior foi marcado por divergências e cisões. Mas, além das questões internas, a repressão desencadeada por Vargas foi fundamental no destino das organizações bolchevique-leninistas, como eles se auto intitulavam. Ainda em 1934, surgiram algumas divergências internas que posteriormente resultaram em um racha, no início de 1935. Primeiro, houve uma divergência quanto à participação na contramanifestação da Praça da Sé em 7 de outubro contra os integralistas. Aristides Lobo, Victor de Azevedo Pinheiro, José Auto e Rachel de Queiroz, que também militou na Liga nesse período, não concordaram com o enfrentamento armado. Eles argumentaram que a contramanifestação era uma ação aventureira e provocadora, e que colocaria em risco os militantes e toda a organização.

Posteriormente, houve o chamado Tournant francês. A Oposição francesa lançou, em agosto de 1934, com o apoio de Trótski, a política de “entrismo”, como uma tendência, no Partido Socialista. A tática tinha o objetivo de inserir os trotskistas na frente única que se articulava entre os socialistas e os comunistas e, por conseguinte, de conquistar novos aderentes e simpatizante à IV Internacional. Mas, quando a tática foi adotada pelos franceses, não houve consenso e a polêmica se instalou.

A documentação no Brasil sobre esse processo é escassa, o que dificulta a compreensão. Mas, a partir do material disponível, a historiografia tem apontado que após discussões acirradas que ocorreram entre o final de 1934 e início de 1935, surgiram dois grupos divergentes. De um lado, a ala que aprovava a tática de ingresso no Partido Socialista, reconhecendo que este reunia elementos da vanguarda contra o stalinismo e o reformismo, foi liderada por Mario Pedrosa, Hilcar Leite e Fúlvio Abramo. Do outro lado, o grupo que combateu essa política ficou conhecido como “Fernando-Alves” e era liderado por Aristides Lobo (Fernando), Victor de Azevedo Pinheiro (Alves) e João Matheus, ou seja, era o mesmo grupo que havia se posicionado contrário a realização da contramanifestação em 7 de outubro na Praça da Sé. As fontes disponíveis indicam que houve um profundo debate interno sobre a questão, mas não houve consenso e resultou na expulsão do grupo “Fernando-Alves”, em março de 1935.

Posteriormente, já em 1935 houve a onda repressiva desencadeada por Vargas. Primeiro veio a Lei de Segurança Nacional, a chamada Lei Monstro. Tratou-se de um ataque decisivo às liberdades democráticas garantidas pelo Constituição de 1934. Estabeleceu os crimes contra a ordem política e social. A legislação vetou a organização de associações ou partidos políticos que apresentassem caráter subversivo. Já em novembro, após o fracasso da quartelada do PCB e de Luís Carlos Preste, a repressão foi ainda mais incisiva. Os levantes foram usados como pretexto para se ampliar o autoritarismo e a centralização do poder. Neste cenário, os trotskistas não foram poupados.

Os líderes do grupo “Fernando-Alves” foram presos logo no início da onda repressiva. Já nos primeiros meses de 1936, outros membros da Liga foram vítimas da repressão. Hilcar Leite e João Neves foram encarcerados em maio, Fúlvio Abramo e Manoel Medeiros em junho. Este último foi vítima de tortura, não resistiu e morreu na prisão em 17 de agosto de 1936. A repressão não conseguiu aniquilar a organização que resistiu até o final de 1936, quando o grupo que permaneceu se fundiu com a Oposição Classista do PCB, dando origem ao Partido Operário Leninista. Este atuou até novembro de 1939, quando ocorreu uma nova fusão, dessa vez com o Comitê Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária do Brasil, da qual se originou o Partido Socialista Revolucionário.

Esse momento, de acordo com historiografia, marca o fim da Primeira Geração de trotskistas no Brasil, a geração da Pedrosa, Xavier, Lobo e outros. Vários deles acabaram rompendo com o trotskismo, como Pedrosa, outros já tinham ou acabam deixando a militância partidária de lado.

5) Em sua opinião, qual é a importância do evento e das ideias de Leon Trótski, debatidas neste evento, no atual contexto de pandemia, crise capitalista mundial e de um governo de extrema-direita no Brasil?

Penso que um evento como esse é fundamental e já estou ansioso para o evento do ano que vem que, se superarmos a pandemia, será realizado de forma presencial. Bem, sobre as ideias do Trótski, é evidente que permanecem muito atuais no século XXI e no atual contexto que enfrentamos.

Uma das principais contribuições do trotskismo é a discussão teórico-programática. Trótski deixou um legado fundamental para a investigação e transformação da realidade. Posso citar a Lei do desenvolvimento desigual e combinado, a Revolução Permanente, o Programa de transição, a frente única, entre outras contribuições. Mas cabe destacar que em tempos em que o Brasil e o mundo assistem ao crescimento de grupos antidemocráticos e conservadores, a luta pelas liberdades democráticas foi um tema constante para Trótski e para os trotskistas brasileiros durante a década de 1930.

A democracia burguesa era um meio. Não um fim. Foi nessa perspectiva de defesa das liberdades democráticas que se colocou a luta contra o fascismo. Trótski e os trotskistas tiveram o mérito de destacar a particularidade histórica do regime fascista. Diante do avanço da crise capitalista e do ascenso da classe trabalhadora, o fascismo surge como a última salvaguarda do capital, que impõe um regime distinto do domínio burguês tradicional. O fascismo se traduz em uma guerra civil contra as forças socialistas e operárias. Significa o fechamento dos espaços democráticos e a perseguição sistemática aos divergentes e críticos.

Na contramão da política stalinista, Trótski e os trotskistas buscaram forjar alianças circunstanciais entre diferentes forças operárias e socialistas: era preciso somar forças para combater o inimigo comum. Todavia, é preciso dizer, uma frente única não é uma frente ampla com um programa único, reformista, aos moldes da Frente Popular. Não se trata de uma aliança eleitoral em torno de um programa liberal que se limita à defesa das liberdades democráticas. A frente única obedece aos princípios de autonomia organizativa e programática.

Outro ponto central para os trotskistas e que permanece necessário e urgente é a reorganização do movimento operário e dos sindicatos. Para os oposicionistas, a luta sindical tem um papel determinante no desenvolvimento da consciência de classe. Dessa maneira, o partido atuaria junto aos sindicatos a partir das reivindicações mais imediatas dos trabalhadores, mas buscando superá-las, num processo dialético que avançaria rumo às lutas políticas emancipatórias.

Enfim, cabe reafirmar que o trotskismo não é uma tradição política que está presa ao século XX. O desenvolvimento histórico e as lutas contemporâneas evidenciam a atualidade de suas bandeiras. As teses de Trótski seguem respondendo e iluminando questões necessárias do nosso tempo.

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