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Debate com a Resistência/PSOL
Quando os argumentos faltam, os “epítetos" sobram
Edison Urbano
São Paulo

Texto em resposta ao artigo de Valério Arcary da Resistência/Psol.

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Publicamos recentemente um artigo de debate com a corrente Resistência do PSOL, em que discutimos em particular com um dos seus inspiradores teóricos, o companheiro Valério Arcary.

Infelizmente, ao menos por ora, nosso interlocutor não se mostrou disposto à discussão política, e nem falar da teórica.

“Ultras, intratáveis e sectários” foi, literalmente, a “resposta". A visível irritação de Valério, no entanto, talvez indique já de entrada que alguma coisa não deve andar bem em sua posição…

Mas o que é pior, aquilo que apenas se anuncia no título, se concretiza logo em seguida.

Arcary deve considerar "divertido" citar uma desconhecida “Federação Anarquista Cabana” como cobertura para não entrar na discussão teórica que o MRT e o Esquerda Diário propõem. Talvez o ardil retórico até renda alguns sorrisos forçados entre pares. Mas nem por isso chega a agregar ao debate político entre a esquerda, esse sim mais necessário do que nunca.

E falamos isso a sério:

Ao tentar sintetizar em 5 pontos as divergências entre o MRT e a Resistência, Valério poderia ter cumprido ao menos um papel de “clarificação teórica”, daquele tipo que, mesmo parecendo apenas reafirmar as diferenças, contribui para a educação política geral - independente de se concordamos com um, ou com outro, ou muito pelo contrário…

Já o amálgama proposital entre argumentos anarquistas e argumentos trotskistas, nada mais faz que ampliar a confusão geral.

(Existe nisso uma velha lição histórica: aqueles que, pelos mais diversos motivos, confinaram a si mesmos à aposta em “pescar algo” no pântano da conciliação, nunca primaram pela clareza.)

Com nossas limitações, buscaremos fazer o exercício contrário, partindo dos mesmos 5 pontos do artigo citado, para tentar insistir na discussão. Por linhas tortas, quem sabe até um debate mais rico possa surgir daí:

Os 5 pontos de Valério, comentados

“(a) denunciam que Lula e o PT são reformistas incorrigíveis, e não merecem confiança;”

1) Sabemos bem o papel de Lula. “É inútil denunciar os reformistas como reformistas para massas com expectativas reformistas.” Claro, mas não é inútil exigir dos reformistas que lutem, nas ruas e com os métodos da classe, pelas reformas que eles apenas fingem defender. É o ABC do leninismo, materializado na tática da Frente Única (mas não na “FUE” arcaryana, infelizmente). Se a esquerda estivesse hoje atuando com força nos sindicatos cutistas e afins, para exigir ações efetivas, no mínimo o panorama dos atos de rua seria outro, e por aí vai.

“(b) criticam que defender a Frente Única de Esquerda é ‘passar pano’ para o PT e eleitoralismo;”

2) "é verdade que devemos criticar a estratégia quietista de Lula de esperar o desgaste de Bolsonaro até 2022, e defender impeachment, já.”. Aqui a crítica a Lula é à sua "estratégia quietista”, e não ao programa de classe que defende e com o qual pretende governar, que é burguês.(Antes de debater sobre o “como lutar por algo”, em geral é bom perguntar “qual é mesmo esse ’algo’ pelo qual estamos lutando?”).

A sequência da frase apenas demonstra aonde isso leva. Nas palavras de Arcary: não ao quietismo, "impeachment, já” (!).

Ou seja, uma lógica em que o contraponto à espera passiva das eleições de 2022 se dá através do mecanismo institucional do mesmo regime golpista, um “impeachment", que colocaria o general Mourão no poder. Pior, com o protagonismo das mesmas instituições golpistas carcomidas, que buscariam alguma legitimidade ao expropriar das massas a tarefa de livrar o país do inominável Bolsonaro.

“(c) acusam que a unidade na ação com dissidentes da oposição liberal é uma capitulação;”

3) "Unidade de ação" com a oposição liberal ao bolsonarismo, por si só, não seria necessariamente, em tese, uma capitulação. Pode ser até, em determinadas circunstâncias, algo inevitável - já que a burguesia se movimenta e atua à sua maneira contra o seu representante indesejado (Bolsonaro). Mas os apelos da esquerda morenista (e nisso a Resistência não está só) para que a burguesia tucana e afins se unam aos atos de rua, é por um lado ingênua, e por outro revive a experiência - que eles, morenistas, consideram essencialmente positiva e nós, trotskistas, não -, de transição da ditadura à democracia sob hegemonia plena da burguesia. Resumindo, para o pequeno espaço aqui: a Resistência, e os morenistas em geral, tratam como “modelo” a seguir a experiência das Diretas Já… Um movimento em que, apesar do ascenso da luta de classes que estava em pleno curso, foi a burguesia que conseguiu hegemonizar e desviar toda a enorme luta das massas. Os limites da “democracia” que temos no Brasil hoje, com o enorme peso dos militares sendo apenas um dos mais gritantes, estão diretamente ligados a essa hegemonia burguesa que não foi quebrada, apesar de toda a pujança do movimento de massas à época. Mas quem, ao contrário, trata esse passado como "modelo", não pode menos que cair no ceticismo em momentos muito mais difíceis como a etapa que estamos atravessando.

Ceticismo, aliás, talvez seja um bom nome para expressar, do ponto de vista “filosófico”, o que se manifesta em política de uma maneira bem concreta, com o foco quase exclusivo em mecanismos como a CPI e o impeachment (inclusive o “superimpeachment" com direito a foto com Hasselmann e Kataguiri), em pleno regime do golpe .

“(d) alertam que a defesa de um governo de esquerda com um programa anticapitalista seria ‘vender ilusões’;”

4) “É verdade que (…) se Lula for eleito, (…) não assumirá um programa anticapitalista.
A defesa de um governo de esquerda que rompa com a burguesia não é um apoio aos reformistas, é uma exigência.”

(Ufa, certamente os líderes petistas devem sentir o "peso" dessa exigência…)

Ironias à parte, é evidente que o argumento de Arcary aqui não convence. A questão é que não se pode jogar tão arbitrariamente com a história, como com as palavras. A exigência a que inclusive direções reformistas para que “rompam com a burguesia” pode ser muito potente em determinados momentos. Mas é preciso haver alguma coerência política para que isso aconteça. Exigir de Lula, no Brasil de hoje, que rompa com a burguesia é, para dizer o mínimo, pouco “crível”. E ainda menos se os que “exigem" já dobraram os joelhos perante o “exigido”.

(e) e defendem que a única saída para a crise é a greve geral.

5) “Quinto, é também verdade que a greve geral seria a forma de luta mais poderosa para encurralar o governo Bolsonaro, deslocá-lo, impedir a posse de Mourão e antecipar eleições.” [destaque nosso]

Mesmo no terreno da imaginação, nosso atual filósofo da esperança e da resignação… não parece capaz de voar muito longe.

"Não há uma só categoria neste momento em condições de realizar um dia de greve geral, infelizmente."

É verdade. Registre-se, inclusive, que contra qualquer fetiche de “greve geral” nós do MRT costumamos falar que uma “paralisação nacional” ou um “plano de lutas”, que sejam reais, valeriam muito mais. Mas, já que o debate é com Valério e sua corrente, e não com qualquer setor “ultra" de fato, então é preciso dizer que Valério também achava - até há pouco tempo, bem depois de Black Lives Matter e de levantamentos de massas em tantos países - que seria “impossível” organizar um mero ato de rua e recomendava, em troca… pouco mais do que o mero assistencialismo.

Um ponto para além dos 5, para finalizar:

Como dissemos no início, essas linhas partem de constatar que não se mostrou uma real intenção de diálogo, ou ao menos de polêmica franca, da parte de nosso interlocutor.

Entre os vários pontos, porém, que ficam de fora dos cinco escolhidos por Arcary, um que se conecta particularmente com o debate atual, merece ser nomeado:

A corrente de Valério saiu do PSTU, mas parece ter adotado para si a bússola da ruptura de 180 graus, portanto mecânica, não dialética. Para “expiar os pecados” de ontem, que de um sindicalismo rasteiro e “apolítico" desembocou na adaptação ao golpe de 2016, agora aparecem “resignados" a engolir em seco a hóstia de um petismo recauchutado.

Nem isso faz porém dos companheiros meros “reformistas”, como Valério insinua em seu texto. Pelo contrário, se já o fossem, os alertas e chamados de atenção que ainda lançamos careceriam de sentido; e se a isso dedicamos algo de nossas escassas energias, é por algum motivo.

 
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