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Fome
Brasil: A irracionalidade capitalista da fome no “celeiro do mundo”
João Salles
Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP

O fato escandaloso da fila para doação de ossos em Cuiabá, uma das capitais do agronegócio, fez emergir um tema sensível. O estudo mais recente mostra que mais da metade dos brasileiros passa por algum nível de insegurança alimentar e 9% da população passa fome, enquanto os lucros estimados para o agronegócio chegam ao recorde de R$1,142 trilhão.

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Imagem: Francisco Alves

“Ah! Aumenta a raiva em mim sim
Pelo que penso, creio e vejo aqui
Até o Loquinho não se despediu de mim deixou sozinho
Parte do Canão Deus levou
Um dia desses ele mesmo falou pra mim:
País da Fome.”

O trecho acima é da música País da Fome, lançada pelo rapper Sabotage no ano de 2000, mas podemos dizer que esse retrato da realidade brasileira é mais atual do que nunca. Os dados levantados pela Rede PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), no final do ano passado, são assustadores e causam revolta: 55,2% dos brasileiros passam por algum tipo de insegurança alimentar (quando não há acesso pleno e permanente a alimentos). Em números absolutos, estamos falando de 116,8 milhões de brasileiros! Para se ter ideia, esse número é mais de duas vezes a população da Argentina.

E não para por aí: deste número, 43,4 milhões de pessoas se encontram entre a insegurança alimentar moderada ou grave (quando não há acesso a alimentos em quantidade suficiente) e 19,1 milhões dos brasileiros estão abertamente passando fome no país, o que é mais do que a população inteira da cidade de São Paulo! Também é possível vermos nítidas diferenças regionais e como o caráter racista e misógino do Estado, elementos que se aprofundam com a política de Bolsonaro, Mourão e de todos os atores desse regime político podre e golpista, está disposto a nos matar para manter o lucro dos capitalistas.

Segundo dados da pesquisa VigiSAN, os índices de insegurança alimentar no Norte e Nordeste do Brasil são os maiores, superando inclusive as estatísticas gerais do país. Estamos falando de 60% da população do Norte e de 70% da população nordestina. A fome também acompanha esta tendência: enquanto a média nacional aponta que 9% dos brasileiros passam fome (19,1 milhões), nos lares do Norte esse número chega ao dobro (18,1%), e no Nordeste alcança 13,8%. Já nas áreas rurais de todo país, onde a pobreza é grande principalmente entre quilombolas, povos originários, ribeirinhos e agricultores familiares, a fome chega a 12% e é acompanhada pela insegurança hídrica (fornecimento irregular ou falta de água potável) que atinge 40,2% dos lares no Nordeste e 38,4% no Norte.

Se tratando das questões de gênero e raça, 11,1% dos lares chefiados por mulheres são assolados pela fome, enquanto o mesmo ocorre em 7,7% dos lares chefiados por homens. Residências habitadas por pessoas pretas e pardas marcam 10,7% no índice da fome, e as de pessoas brancas atingem 7,5%.

Podemos concluir, portanto, que este processo aprofunda a desigualdade regional no país, e aqueles que mais sofrem com a fome são os explorados e oprimidos nortistas e nordestinos, mulheres, negras e negros, índigenas, quilombolas e agricultores familiares. Contraditoriamente, porém, o agronegócio avança como nunca no Brasil, expandindo a fronteira agrícola em terras amazônicas e com taxas de lucro recorde.

O agronegócio como potencializador da fome no Brasil

Em dados concretos, no ínicio deste ano, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estimou um faturamento, ou Valor Bruto da Produção (VBP), no valor recorde de R$1,142 trilhão em 2021. Isso representará, caso se confirme a projeção, um aumento de 15,8% em relação ao ano de 2020. Esse crescimento se dá por um aumento na produção e também pela alta no preço de certas commodities, como a soja, o milho, o arroz e também a carne bovina, sendo o Brasil o maior produtor e exportador mundial de muitas destas (no caso da soja, da carne bovina, além de ser um dos maiores produtores de milho no mundo).

A questão é que este aumento na produção não implica um maior abastecimento do mercado interno brasileiro - isto porque a desvalorização do real na taxa cambial com o dólar empurra a produção para a exportação. Com a predileção pelas exportações, há uma menor oferta desses produtos no mercado interno, o que colabora com a alta de preços e se combina com o crescente desemprego e inflação (desvalorização do poder de compra da moeda devido à alta no custo de produtos e serviços), que dificultam a aquisição de bens básicos.

Isto mostra como a lógica do agronegócio no país potencializa a fome. Os produtores privilegiam o lucro pela exportação, ao invés de alimentar a população no Brasil! Segundo dados da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa, a exportação de oleaginosas e carne bovina do Brasil alimentou 772,6 milhões de pessoas no mundo em 2020, sendo apenas 212,2 milhões pertencentes à população brasileira, e 560,36 milhões de outros países.

Combinado a esses fatores, avança cada vez mais a financeirização do agronegócio. No ano passado, foi aprovada a Lei do Agro, que estimula o financiamento estrangeiro do agronegócio brasileiro via mercado de capitais. Na mesma toada, o governo sancionou neste ano o Fundo de Investimento do Agronegócio (FIAgro), que aprofunda ainda mais esta tendência, permitindo que estrangeiros invistam em fundos operantes na aquisição e arrendamento de terra, além do investimento em setores localizados da cadeia produtiva (insumos, estocagem, distribuição etc). O resultado prático é um controle maior do mercado financeiro internacional nos rumos do agronegócio e a especulação da terra, que, por sua vez, estimula a grilagem e ameaça povos originários e agricultores familiares.

O combate a fome no país é urgente e não pode esperar as eleições de 2022, tampouco se apostando em eleger Lula, que governou junto ao agronegócio fortalecendo esse setor que hoje é base de apoio fundamental do bolsonarismo, e que conta com a participação ativa dos militares na expansão de sua fronteira agrícola, cada vez mais atrelada aos interesses do capital financeiro imperialista.
É preciso um programa para erradicar a fome, que paute o congelamento de preços, o confisco dos estoques do agronegócio para distribuição massiva entre a população, além de uma reforma agrária radical que desmantele o latifúndio no país. Medidas estas que só podem ser conquistadas a partir da auto organização dos trabalhadores e dos setores oprimidos, em sua luta contra a irracionalidade capitalista que impera no Brasil hoje pelas mãos de Bolsonaro, Mourão e do conjunto do regime político que favorece os lucros em detrimento da vida. Um programa que, a partir da auto organização e do enfrentamento contra o conjunto dos atores que fomentam a miséria, imponha uma nova Constituinte Livre e Soberana pela força da mobilização, e faça valer a soberania popular no combate às crises que assolam o país.

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