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Guia rápido sobre novas disputas capitalistas
Os elementos políticos da tabela periódica
Lisa Gomes

Como a estabilidade política dos países se tornou, junto ao número atômico uma das propriedades dos elementos químicos. A transição energética traz novas dinâmicas de disputas imperialistas e a tabela periódica pode nos guiar na compreensão dessas disputas.

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Conhecida das aulas de químicas do Ensino Médio, a tabela periódica pode revelar mais que a organização sistemática dos elementos químicos de acordo com seus números atômicos. Além de mostrar a relação entre a distribuição de elétrons em um átomo e suas propriedades, essa tabela pode nos abrir reflexões para além da Química e da Física. Na versão digital de uma das mais prestigiosas instituições científicas do mundo, a Royal Society of Chemistry (RSC), ao clicar sobre cada elemento químico você pode aprender informações sobre a sua densidade, número de massa, mas também sobre a estabilidade política do maior produtor mundial desse elemento [1]. Ou seja, existe política e capitalismo na tabela periódica!

Para além das aulas de química do ensino médio, a tabela periódica é uma ferramenta muito útil no cotidiano de quem usa as propriedades físicas e químicas desses elementos para estudar novos fenômenos e materiais. De uma forma simples, cada elemento, cada caixinha enunciada com uma ou duas letras, pode ser usada como um “tijolo” na fabricação de todas coisas ao nosso redor. Todos os objetos, todos os seres vivos, eu, você e essa tela na qual você lê essas palavras, são combinações mais ou menos complexas dos elementos químicos descritos nesta tabela.

A engenhosidade da organização desta tabela, desde sua primeira versão em 1869, pelo químico russo Dmitri Mendeleev pode ser discutida por diversos pontos de vista [2,3]. Desde o século XIX o número de elementos nessa tabela quase dobrou, de 60 a 118 atualmente, refletindo a evolução científica da humanidade e o esforço de centenas de cientistas como Marie Curie, Lise Meitner, Marguerite Perey e outros.

Atualmente, especialmente pela transição para uma energia “verde” (carro elétrico, turbina eólica, painel solar) e o uso massificado de aparelhos eletrônicos, a demanda por elementos que antes não atraiam atenção tem aumentado de forma vertiginosa. Este aumento de demanda contribuirá para o cálculo do risco de abastecimento, que também leva em consideração a abundância do respectivo mineral na crosta terrestre, a distribuição geográfica destas reservas, a distribuição geográfica da concentração, a possibilidade deste elemento ser substituído, a taxa de reciclagem e a estabilidade política da região do planeta onde se encontra as maiores reservas e produções [4].

Se escolhermos por exemplo o Cobalto (Co) (vide Fig.1), utilizado em motores de alta performance como turbinas eólicas e de aeronaves, tem um risco de abastecimento relativo de 6.7 ( numa escala onde 1 é um risco baixo e 10 é o risco máximo). Com uma alta abundância na crosta terrestre de 26.6 ppm e alta taxa de reciclagem, é a baixa estabilidade política da República Democrática do Congo que contribuiu para o alto risco relativo. Este país, marcado por uma sangrenta exploração imperialista desde o século XIX e constantes guerras civis, tem 44 % de seu PIB proveniente da produção de cobalto e cobre[5].

Fig.1: Informações sobre Cobalto (disponível na tabela periódica online RSC) [1].

Um outro elemento com altíssimo risco de abastecimento (9.5) é o Neodímio (vide Fig.2). Este metal, que pertence ao grupo das terras raras, tem abundância de 0.3 ppm e sua produção encontra-se extremamente concentrada em território chinês (97%). Embora não seja considerado tão raro quanto o nome sugere, seu processo de extração é bastante custoso e qualquer mudança na política chinesa de exportação afeta drasticamente o preço deste metal. Esta foi uma das causas da chamada “crise das terras raras” que aconteceu 2010, quando o preço do minério de neodímio aumentou quase dez vezes. Esta conjuntura impulsionou várias potências imperialistas como EUA, Europa e Japão, a investirem em projetos de pesquisa para o aumento da performance de imãs usando menos ou nenhuma terra rara [6]. Esses imãs que contém terras raras, assim como o cobalto, são peça chave na transição energética.

Estes são apenas dois exemplos de como os elementos tabela periódica podem guiar o entendimento da geopolítica que se estabelece a partir da atual transição energética. A dinâmica de produção, reservas, exportação e estabilidade política, tem se tornado um complexo xadrez jogado nos tabuleiros da tabela periódica e do mapa mundi. O resultado de cada jogada impactará os preços dos minérios, do carros, celulares, as missões militares em territórios críticos e até mesmo o investimento em áreas de pesquisa. Para um mundo que assistiu por décadas os impactos da indústria do petróleo, a geopolítica da tabela periódica está só começando.

Notas de Rodapé

[1] https://www.rsc.org/periodic-table/element/29/copper

[2]https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloviana/2021/07/por-que-a-tabela-periodica-e-desse-jeito.shtml

[3]https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloviana/2021/06/misterio-sobre-posicoes-na-tabela-periodica-so-foi-esclarecido-no-seculo-20.shtml

[4] https://www.bgs.ac.uk

[5] A. Månberger and B. Johansson, “The geopolitics of metals and metalloids used for the renewable energy transition,” Energy Strateg Rev, vol. 26, p. 100394, 2019, doi: 10.1016/j.esr.2019.100394.

[6] N. Jones, “Materials science: The pull of stronger magnets,” Nature, vol. 472, no. 7341, pp. 22–23, Apr. 2011, doi: 10.1038/472022a.

 
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