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Internacional
"A água vale mais que ouro" entrevista com lutadores contra a megamineração na Argentina
Marie Castañeda
Estudante de Ciências Sociais na UFRN

Entrevistamos Martin Saez, um jovem professor de história e Sophia Viceconte, estudante de licenciatura, ambos linhas de frente das mobilizações e militantes do PTS, na Argentina, em Chubut, onde há décadas a população se organiza em assembleias e luta contra o extrativismo e a mega-mineração.

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No dia mundial de combate à megamineração republicamos esta entrevista retratando este importante exemplo de luta internacional argentino.

No Brasil onde Brumadinho e Mariana foram destruídos pelos impactos da megamineração, levando a vida de centenas de operários e onde a capital Maceió perde bairros inteiros pela mega exploração de sal gema que deixa o chão oco, a experiência de luta contra a megamineração em Chubut precisa ser conhecida. O lucro capitalista soterrou e segue ameaçando outras cidades de Minas Gerais de lama tóxica da Vale, no Maceió, a Braskem obriga dezenas de milhares de famílias a abandonarem suas casas. Chubut é um estado argentino reconhecido pelas suas belezas naturais e cujo território é ameaçado em 70% pela zonificação proposta pelo governador Arcioni, parte da Frente de Todos de Alberto Fernández. Entrevistamos Martin Saez, um jovem professor de história e Sophia Viceconte, estudante de licenciatura, ambos linhas de frente das mobilizações e militantes do PTS, organização irmã do MRT na Argentina, em Chubut.

1. Há menos de um mês rodovias em Chubut estavam fechadas por manifestantes contra a mega megamineração, com uma reintegração de posse brutal e milhares nas ruas. Como se organiza a luta contra a megamineração e do que tratava o projeto de iniciativa popular que defendiam?

MARTIN: No mês de maio, entre centenas de pessoas, mantivemos dois fechamentos de rodovia simultâneos que afetaram durante dias dois pontos importantes de entrada para Chubut. Um na Rota Nacional nº 3 na cidade de Trelew e outro na Rota Nacional Nº 40 na Comarca Andina. Durante estes dias foi afetada a circulação de mercadorias e os interesses econômicos do governo e dos seus amigos empresários. Na Rota 3 podiam ser vistos kms e kms de caminhões parados, já que os automóveis privados, os caminhões sanitários e as emergências tinham direito a passagem.

Os cortes se sustentaram por meio do método de assembleia e chamados à comunidade, pedindo por solidariedade entre os povoados mais próximos que levavam seu apoio quando o governo ameaçava com o envio de bate-paus para terceirizar a repressão. A solidariedade também foi demonstrada quando entre os automóveis particulares, os viajantes de longas distâncias e caminhoneiros (estes últimos eram parados por horas durante os fechamentos) porque justamente acompanhavam esta luta em defesa do meio ambiente, por meio de buzinaços e aplausos para aqueles que sustentavam a medida cantando “A água não existe para ser vendida, mas para ser defendida”. Nos momentos de tensão, já que as rotas foram liberadas pela polícia nacional, cordões de mulheres (ambientalistas, professoras, da saúde, estudantes) se colocavam à frente para transmitir o sentido da luta aos trabalhadores caminhoneiros já impacientes. Se estes não avançaram nem um passo, foi por esse enorme papel que cumpriram.

Finalmente, o piquete foi reintegrado por ordens do governador que você mencionou, Marie, que é aliado do Alberto Fernández e da Frente de Todos, em uma operação completamente ilegal: nas primeiras horas da madrugada, utilizando a polícia local em uma rota nacional (fora da sua jurisdição), prendendo três ambientalistas que se retiravam com tranquilidade chegando ao ponto de separar uma mãe do seu filho pequeno.

SOPHI: Toda esta organização que ficou visível nesses fechamentos são parte de uma construção de décadas em defesa do meio ambiente, onde o método utilizado são as assembleias e mobilizações massivas nas quais participamos centenas de jovens que não queremos que nosso futuro seja roubado.

Por que de décadas? No estado de Chubut lutamos contra a entrada da atividade megaminera desde 2003, faz 18 anos. Mas por sua vez, esta luta é herdeira de outras em defesa do meio ambiente, já que nos anos 80 e 90, tentaram instaurar aterros sanitários nucleares que foram rechaçados por assembleias e mobilizações massivas. Em 2003, quando as mineradoras queriam entrar nos cordões montanhosos do noroeste de Chubut, onde está a cidade de Esquel, capital da luta antimineração no estado, toda uma região expressou por meio de assembleias e mobilizações mais uma vez o rechaço e por meio de um plebiscito local,80% do povo respondeu “Não à megamineração”. Desde este importante processo foram popularizados “Não à megamineração” e “A água vale mais que ouro”, consignas que são centrais até hoje em dia. Governo após governo, seja nacional ou estadual, tentou avançar desde então para instaurar a megamineração. Esta política ditada pelo FMI e pelas multinacionais megamineradoras, parte dos planos extrativistas de saque de recursos e contaminação dos 90, foi resistida por meio de importantes lutas nas ruas de todo o estado.

MARTIN: Com a chegada da crise capitalista internacional de 2008, que colocou em cheque a agenda neoliberal de décadas anteriores, as recentes crises econômicas na Argentina e a crise internacional inaugurada pela pandemia do COVID-19, as grandes multinacionais buscam incrementar seu saque dos recursos naturais nas regiões que já estão com força, ou abrir novas “selvas virgens” que contribuam com a recuperação dos seus ciclos de lucro, como por exemplo Chubut. Por isso que desde 2020, por meio de Mariano Arcioni, vemos uma ofensiva maior do governo para instalar as multinacionais megamineradoras. Um Arcioni que primeiro era amistoso com o governo nacional de Mauricio Macri para logo ser aliado de Alberto Fernández e a Frente de Todos desde 2019.

Em plena pandemia, as assembleias ambientais de mais de 40 localidades do estado, construíram um projeto de “iniciativa popular” para dizer definitivamente “Não à megamineração”. Este projeto conseguiu juntar em apenas três meses mais de 30 mil assinaturas para que a câmara de vereadores o pautasse e aprovasse sem modificações. Mas neste marco, e de uma forma completamente provocadora (fiel ao seu estilo), Arcioni apresentou junto ao Governo Nacional de Aberto Fernández seu projeto de “Zonificação Minera”, gerando um falso debate entre ambos projetos. Falso debate porque há 18 anos Chubut já disse não à megamineração.

Por isso que nos meses de novembro e dezembro se desenvolveram interessantes processos de luta, uma vez mais, onde milhares de pessoas saíram às ruas em dezenas de cidades, com mobilizações de entre três e cinco mil pessoas ou concentrações na capital estadual para dizer “Não à zonificação e sim à iniciativa popular”. Nestas manifestações, o protagonismo da juventude do indiscutível.

2. O governador de Chubut é Mariano Ezequiel Arcione, parte da Frente de Todos e um aliado de Alberto Fernández, que na sua própria campanha falava da importância da megamineração e lhes deu concessões fiscais em 2019. O que pensa a juventude de Chubut sobre a política ambiental de Fernández?

SOPHI: Os jovens tomamos em nossas mãos a defesa do meio ambiente, tanto antes como agora. Apesar da capitulação dos centros de estudantes, que não aparecem nos últimos anos na luta ambiental, foram desenvolvidas experiências de auto-organização. Em Rawson, a capital provincial, se gerou uma assembleia de “jovens anti-megamineiros” que nas assembleias organizam a sua presença e participação em cada mobilização. Em Esquel, a Oeste da província, marcharam muitas vezes à frente das mobilizações com bandeiras que diziam “somos a revolução pela água”. Nas marchas, são centenas com seus cartazes e cantos a favor do meio ambiente, que muitas vezes se diferenciam das condições históricas do movimento, que tem há anos ou décadas, conduções que confiam nas instituições e saídas do regime.

Sophi em manifestação no início de maio.

3. Uma das consignas que levantam é que "A água vale mais que ouro", que querem dizer com isso e quais são as principais da zonificação de Arcioni que quer tomar 70% do território para a megamineração?

MARTIN: Através do La Izquierda Diario, podemos entrevistar esses jovens e saber suas opiniões políticas em muitas ocasiões. O rechaço a Arcioni (identificado como o promotor do projeto de megamineração) é instantâneo. Mas cada vez mais, esta juventude que se mobiliza - assim como amplos setores que se expressam de modo “cidadão” - realizam uma experiência com o governo de Alberto Fernandez/Cristina Fernandez de Kirchner - do Frente de Todos. Por que vem com seus próprios olhos como este governo nacional diminui as retenções às empresas de megamineração e promove projetos extrativistas em todo o país (como as mega granjasde criação de porcos, a destruição dos pântanos, o agronegócio com transgênicos e pesticidas) e mineiros nas províncias do noroeste argentino. Mesmo assim, levando adiante uma nítida política de criminalização e perseguição do ativismo ambiental como se deu em Chubut (onde se processam lutadores ambientais e estatais) ou em Andalgalá. A Frente de Todos tem em suas filas a Cristina Fernandez que durante seu governo promoveu os pactos com Chevron, Monsanto, o ataque a leis que protegem aos Glaciares e inclusive na província de Santa Cruz, de onde ela vem, a megamineração é uma atividade que está destruindo o meio ambiente e é exemplo da agenda extrativista dos grandes capitalistas.

Esta experiência que a juventude realiza vê cada vez mais Alberto Fernandez como o promotor direto da agenda extrativista

4. Como se organizam os estudantes que lutam pelo meio ambiente em Chubut? Qual papel podem cumprir os centros acadêmicos e como se desenvolve a aliança com os trabalhadores?

MARTIN: “A água vale mais que ouro” sintetiza a luta ambiental histórica de milhares, de gerações inteiras, em Chubut. Sobretudo, desde que os governos buscam instalar as mineradoras em 2003. A expressão surge porque são dezenas de lugares os que dependem de uma só fonte de água para se abastecer de água potável, o chamado Rio Chubut, do qual dependem mais de 200.000 pessoas. Nenhum projeto de megamineração, nem mesmo de ouro, vale mais do que a água que bebemos.

Arcioni, em seu “Projeto de zonificação mineira” busca delimitar uma zona para que nela se habilite a atividade de megamineração, falamos de 70% do território provincial. Nesta região pretendem instalar os famosos “pits” ou poços para a extração de ouro, zinco, prata e zumbo e urânio utilizando toneladas de explosivos e grandes quantidades de água por segundo. Além da grande contaminação ambiental pela quantidade de resíduos tóxicos gerados como abnegação de cursos de água (tanto do rio Chubut como aquíferos que podem fornecer água potável a 300.000 pessoas por 300 anos). As partículas de zumbo em suspensão poderiam recorrer centenas de quilômetros, afetando regiões inteiras pelos típicos ventos oeste-leste. Os casos de Famatina, Andalgalá, Jáchal y até mesmo Brumadinho, entre outras, são exemplos que em Chubut servem para expor os discursos do governo que diz que haverá mais emprego, controle e regalias. Como se sabe, as regiões onde se instalou a megamineração, não podem desenvolver outras atividades no futuro. Para tudo isso, Chubut diz não.

SOPHI: Os estudantes que lutamos pelo meio ambiente somos parte das assembleias de jóvens e somos parte da União de Assembleias de Comunidades de Chubut (UACCh) em distintas partes da província, participamos de mobilizações e ações. Esta participação ativa se consegue apesar do rol passivo que estão tendo os centros de estudantes, aos quais chamamos a retomar a tradição de luta e que abandonem o rol passivo que estão tendo.

Viemos de protagonizar em 2019 os estudantes de colégios secundários e terciários da província a defesa da educação pública, junto a docentes que lutavam pelo pagamento de seus salários, marchavámos pelas condições estruturais da universidade e a defesa do transporte educativo gratuito. Aquele ano tomamos colégios por semanas e se criou a “Junta de Estudantes Autoconvocados”. Mas isso não tem que ficar só na memória, é por isso que chamamos a nossos centros de estudantes a serem ativos, que sejam parte de uma coordenação entre os milhares que nos mobilizamos pelo ambiente, contra os ataques das patronais e do governo. Utilizando o método de assembleias horizontais onde possamos expressar todas as nossas posições delineamos um plano de luta que não só defenda o ambiente senão também enfrente e lhe dobre o braço ao governo que quer nos impor o ajuste para que sigam ganhando os mesmos de sempre, os empresários.

Martin em assembleia no início de maio

5. Como pode ser resolvido o problema da megamineração? O que precisa ser defendido?

SOPHI: Falar de como podemos resolver o tema da megamineração é falar de como podemos derrotar a megamineração. Há 18 anos Chubut diz não às megamineradoras, aqui não há licença social para o extrativismo. O governo vende como discurso a necessidade desta atividade para que milhares possam melhorar sua situação nesta crise: nada mais longe da realidade. Já com todos os recursos que Chubut gera a coloca entre as quatro principais exportadoras do país sendo produtora de petróleo (só em março deste ano arrecadou no que diz respeito à regalias petroleiras 32 milhões de dólares), alumínio, pesca, energia eólica, entre outras. A questão central radica em: quem tem estes recursos e para onde vão estes milhões de dólares que se produzem? Vão para o pagamento da dívida provincial e para as mãos de capitalistas como Bulgheroni (petróleo), Madanes Quintanilla (ALUAR) e Alvarez Castellano (pesca) que se encontram entre os mais ricos do país enquanto aos aposentados lhes devem 3 meses de salário, milhares de estatais não tiveram database em 2020 e no que já passou de 2021, além de que estão lhes devendo até dois meses de salários, onde o sistema sanitário está colapsado sem investimentos nem verba, onde a pobreza, o desemprego e a inflação são alarmantes

Podemos derrotar o ajuste e a megamineração que querem nos impor os governos provincial e nacional, mediante o caminho da unidade e a coordenação das mulheres, a juventude e a luta ambiental, lutando junto à classe trabalhadora, já que esta é a única capaz de paralisar a economia dos capitalistas porque ocupa posições estratégicas dentro da produção, a distribuição etc. (fábricas, transporte, portos, petroleiras). Retomar os exemplos de Senkata na Bolívia, os trabalhadores da saúde em Neuquén, ou a escala provincial, os bloqueios às praias com caminhões em Comodoro Rivadavia (Chubut) feito pelos docentes em 2019. São exemplos de que a classe trabalhadora tem que intervir com todo seu peso para colocar em xeque aos governos provincial e nacional e às multinacionais donas de tudo.

 
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