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Análise
O significado dos acenos de Lula para a China
Yuri Capadócia

Na política, é ingenuidade acreditar em coincidências. Não é mera coincidência que, num intervalo de uma semana, Lula deu uma entrevista para um dos principais canais chineses e Bolsonaro tenha se reunido com o diretor da CIA, William Burns. Acenando para Xi Jinping sobre as vacinas, sobre o 5G, sobre o papel dos BRICs, e a parceria estratégica Brasil-China, Lula subiu seu preço para negociar com o partido democrata.

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No dia 26/06, Lula concedeu uma entrevista ao jornal chinês Guancha, uma das principais mídias do país. Ocorreu pouco antes do encontro de Bolsonaro com o diretor da CIA, William Burns, em que a administração Democrata provavelmente fez duras indicações sobre possibilidades e limites para Bolsonaro no ano que o separa das eleições presidenciais, como viemos analisando. Além dos fortes interesses em torno do leilão do 5G, como analisamos aqui, a reunião pode ter sido uma ocasião para transmitir a mensagem anti-trumpista de Biden ao chefe do Palácio do Planalto: a Casa Branca não quer ver qualquer vestígio de “fujimorismo a la Bolsonaro” nas eleições presidenciais de 2022. Em outras palavras, Biden e o Partido Democrata advertiram Bolsonaro de que as eleições acontecerão, e que uma eventual derrota de Bolsonaro não deverá implicar em campanhas para invalidar os resultados, como Keiko Fujimori e a extrema direita fizeram recentemente no Peru, após o apertado triunfo do reformista Pedro Castillo. Isso atende aos objetivos dos Estados Unidos hoje. Ao mesmo tempo em que os Democratas não querem colocar o Brasil dentro da instável dinâmica da América Latina, aproveitando os ajustes econômicos antioperários que Bolsonaro tem a fazer, querem também uma transição eleitoral pacífica pós-Bolsonaro, um pilar do trumpismo latinoamericano que traria muitos riscos com o retorno de Donald Trump aos palcos dos comícios.

É importante diferenciar essas duas dimensões da mensagem Democrata, caída de paraquedas com o chefe da CIA: “máxima pressão” sobre Bolsonaro para enfraquecê-lo, ainda que não destituí-lo; enfraquecê-lo para preparar sua saída eleitoral em 2022. Isso não implica qualquer tipo de “preocupação” de Washington pela “democracia”, como vimos em seu apoio ao golpe de Estado na Bolívia em 2019, ou na sustentação direta por parte de Biden da repressão de Ivan Duque à rebelião na Colômbia, ou aos bombardeios do assassino Estado de Israel contra a Faixa de Gaza. No Brasil, por ora, a linha de destrumpização dos Democratas vislumbra a saída de Bolsonaro, e o disciplinamento de um novo governo, como uma eventual presidência de Lula - durante 13 anos de governos petistas o Brasil esteve devidamente subordinado aos interesses imperialistas dos Estados Unidos, apesar da importante relação comercial de Lula e Dilma com a China.

A fim de convocar a atenção de Biden e conseguir que voltasse à “mesa de negociação para 2022”, Lula fez insinuações aos chineses, a preocupação central de Washington, que quer frear a influência de Pequim na América Latina em geral, e no Brasil em particular (com Lula, a China em 2010 passou a ser pela primeira vez o principal parceiro comercial do Brasil). Na entrevista à imprensa Guancha, Lula começou por elogiar a Coronavac e toda a atuação chinesa no combate à pandemia, inclusive dizendo que tomou as duas doses do imunizante chinês, lembrando da experiência da cidade de Serrana, experiência piloto de imunização completa da cidade . Um primeiro fator fundamental num momento em que a geopolítica das vacinas ocupa papel bastante central nas relações internacionais (resultou em problemas entre Washington e Bolsonaro, que negou acordos com a imperialista Pfizer em nome dos negócios corruptos dos militares). Segundo Lula, a China conseguiu controlar a pandemia pela "existência de um partido forte e de um governo forte”. Uma declaração que foi muito bem recebida pelo PCCh às vésperas do centenário do partido, e que nega a mão de ferro da burocracia chinesa para ocultar o surgimento do vírus, que inclusive levou a morte do médico Li Wenliang (que relatou a doença), e no uso de instrumentos repressivos para conter a disseminação da doença.

Os afagos à burocracia reacionária chinesa servem de chamariz ao imperialismo norte-americano, já que Lula sabe ser possível ser ouvido pelos seus amigos Democratas se for visto como uma peça necessária para colocar limites à ambição chinesa. Basta lembrar que Lula celebrou publicamente a vitória de Biden (assim como a cúpula do PT, com Gleisi Hoffmann, Dilma Rousseff, etc.), dizendo ser Biden um “restaurador da democracia” (uma impostura, diante dos bombardeios terroristas de Israel na Faixa de Gaza, o apoio à repressão de Ivan Duque na Colômbia).

Lula veio dando consecutivos sinais de tentativa de repactuação com o Partido Democrata. As bravatas da época de sua prisão deram lugar para frases como: “Biden é um respiro de democracia no mundo”. Em abril na Folha de São Paulo, o ex-presidente Lula, junto à presidente do PT Gleisi Hoffmann publicaram um artigo elogiando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pela organização da Cúpula de Líderes sobre o Clima. Lula e Gleisi citam Biden nominalmente e afirmam que a organização do evento como seu 1º grande ato na Casa Branca “encerra um período de negacionismo científico e de isolacionismo político que ameaçava a todos”. Gleisi também fez inúmeros tuítes louvando o pacote econômico de Biden, com referências ao New Deal e depositando expectativas elevadas que o novo governo imperialista seria uma saída para a grave crise econômica e pandêmica. Amistosamente pediu a Biden que convocasse uma reunião do G20 para discutir uma atuação coordenada dos países no combate à pandemia, ou pedindo pela doação de vacinas. A recuperação semi-provocativa do histórico de intervenções dos EUA na América Latina serve ao objetivo central de chegar a um acordo com Biden. Como é o cabo de guerra da implementação do 5G, em que os EUA buscam barrar a participação da Huawei. Lula insinuou que não gostaria de ver a empresa chinesa vetada no Brasil, algo que, se de um lado inquieta Biden, por outro abre caminho para concessões mediante eventual apoio à sua candidatura. Tudo está aberto no mercado de comércio político para o PT, acostumado a equilibrar a balança entre distintos senhores internacionais que submetem o país ao papel de “fazenda do mundo”.

As relações de Lula e do PT com a China não começaram agora, e nem por isso deixaram de ser considerados “bons amigos” pelos Estados Unidos na década de 2000. Em 2006, Lula intensificou relações comerciais com Pequim, abrindo o país para investimentos chineses na área do petróleo, na agricultura e distintos nichos estratégicos. Em 2009 Lula conheceu pessoalmente Xi Jinping, ano em que Lula considerou a Sinopec chinesa a maior parceira petrolífera da Petrobras no exterior. Em 2010, Hu Jintao, então presidente da China, veio ao Brasil encontrar Lula e aprimorar os acordos de importação de grãos e matérias primas brasileiras. Dilma Rousseff recebeu Xi Jinping oficialmente no Brasil em 2014, e no ano seguinte, após sua reeleição, assinou 35 acordos de cooperação com a China, no valor de US$53 bilhões, durante a visita do atual primeiro-ministro de Xi, Li Keqiang . As relações sino-brasileiras, portanto, tem longa data no currículo do PT. Lula se serve disso para levantar a atenção de Biden, já que nenhum setor sério da burguesia brasileira quer qualquer tipo de ruptura com a China, que é fundamental para a manutenção das exportações agrícolas brasileiras.

São inegáveis os interesses imperialistas dos EUA por detrás do golpe institucional. A Lava Jato foi um instrumento do imperialismo estadunidense para rebaixar o país e aumentar a entrega e submissão ao capital estrangeiro, obrigando a uma submissão ainda maior do que aquela professada pelo PT. Os global players nacionais avançavam em nichos secundários do mercado internacional, o que num contexto de crise econômica já foi o suficiente para o imperialismo atacar até essas pequenas margens de manobra. Isso, entretanto, de forma alguma significa que Lula seja um político “antiimperialista”, como a mídia petista faz crer, ou que não queira boas relações políticas com Biden, apenas significa que Lula aproveita os choques geopolíticos entre China e EUA, manobrando entre os dois países para conseguir regalias mútuas e se mostrar responsável na administração da agenda econômica do golpe institucional para a burguesia brasileira.

Entretanto, assim como internamente Lula acena com os anos dourados provenientes de um regime que não mais existe, em que militares, o judiciário, o centrão, todos esses atores reacionários se fortaleceram muito - todos nutridos debaixo das asas petistas aliás -, o discurso do presidente nessa entrevista à imprensa chinesa flerta com uma política externa cujas bases também se deterioraram. A crise econômica mundial e as disputas entre as potências deixam pouca margem para qualquer cenário parecido com o superciclo das matérias primas da década de 2000, o que deixaria uma eventual nova administração Lula com a política de reformismo sem reformas, e com ataques antioperários, como vemos com o peronismo de Alberto Fernández na Argentina.

Por isso, apesar de Lula denunciar em algumas ocasiões a intervenção imperialista dos EUA que acarretou até na sua prisão, sua denúncia não está a serviço de fortalecer uma luta anti-imperialista para livrar o país da crescente submissão ao capital estrangeiro, como um bom reformista sua perspectiva é meramente aumentar a margem de manobra do país dentro da geopolítica que o sistema capitalista permita. Somente a luta dos trabalhadores poderia oferecer uma resposta consequente ao domínio imperialista, batalhando para reverter as entregas das riquezas nacionais, assim como das privatizações ao capital estrangeiro. Por isso defendemos uma assembleia constituinte livre e soberana em que os trabalhadores possam lutar para reverter cada uma dessas entregas e privatizações.

 
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