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IDEIAS DE ESQUERDA
Aliar-se com a direita fortalece a luta contra Bolsonaro?
Gabriel Girão

Nas últimas semanas vimos o superpedido de impeachment, que reuniu desde a “extrema-esquerda” do PSTU, PCB, UP e PSOL até a extrema direita de Joice Hasselman e Kim Kataguiri. Logo depois o PSDB anuncia que participaria dos atos do dia 3, enquanto o MBL primeiro disse que avaliaria sua participação, depois chamou atos para setembro, com as cores verde e amarelo. Tentaremos mostrar aqui como longe de fortalecer, essa ampla união apenas enfraquece a luta contra Bolsonaro.

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Um dos principais teóricos sobre os fenômenos fascistas e bonapartistas é Trótski. Um dos processos que ele acompanha detidamente foi a Guerra Civil Espanhola. Logo no seu início, preconiza qual seria o resultado concreto da política de frente popular adotado por muitos partidos de esquerda da época, com o estalinista PCE, o POUM e até mesmo os anarquistas. Tal política consistia em, justificando a necessidade de se enfrentar o franquismo, se aliar com partidos burgueses supostamente “democráticos”. Nas palavras do autor:

Os teóricos da Frente Popular não vão além da primeira regra da aritmética: a soma. A soma de comunistas, socialistas, anarquistas e liberais é maior do que cada um de seus termos isolados. No entanto, a aritmética não é suficiente, precisa-se de pelo menos conhecimento de mecânica. A lei do paralelogramo de forças é verificada até na política. A resultante é, como se sabe, quanto menor, quão mais divergentes são as forças umas das outras. Quando os aliados políticos atiram em direções opostas, o resultado é zero. O bloco dos diferentes agrupamentos políticos da classe trabalhadora é absolutamente necessário para resolver as tarefas comuns. Em certas circunstâncias históricas, um bloco deste tipo é capaz de arrastar para si as massas pequeno-burguesas oprimidas, cujos interesses são próximos aos do proletariado, uma vez que a força comum deste bloco é muito maior do que as resultantes das forças que a constituem. Pelo contrário, a aliança do proletariado com a burguesia, cujos interesses, atualmente, nas questões fundamentais, formam um ângulo de 180º, só pode, em termos gerais, paralisar a força de protesto do proletariado.

A guerra civil, na qual a força da violência é importante, exige um compromisso supremo dos participantes. Os operários e camponeses são capazes de garantir a vitória somente quando lutam por sua própria emancipação. Nessas condições, submetê-los à direção da burguesia é garantir antecipadamente sua derrota na guerra civil.

Estas verdades não são de forma alguma o produto de uma análise teórica, pelo contrário, representam a conclusão irrefutável de toda a experiência histórica, pelo menos desde 1848. A história moderna das sociedades burguesas está repleta de Frentes Populares de todos os tipos, ou seja, das mais diversas combinações possíveis para enganar os trabalhadores. A experiência espanhola é apenas um novo e trágico elo nesta cadeia de crimes e traições. [1]

Como é sabido, o processo terminou com a derrota do proletariado espanhol e vitória do franquismo. O prognóstico de Trótski sobre o papel da frente popular se mostrou com toda sua força no processo. A Frente Popular espanhola unia na verdade várias organizações do movimento operário com os partidos burgueses da “Esquerda Republicana”. Trótski definiu que esses partidos atuaram apenas como “sombra da burguesia”, impedindo que a luta pudesse se dar até o final. Diferente do que muitos diziam, de que o proletariado espanhol “não teria lutado o suficiente” ou seria “imaturo”, Trótski mostra que o proletariado sim lutou, mas que suas direções oficiais, que atrelaram a luta do proletariado à sombra da burguesia na Frente Popular, atuaram como freio à essa luta:

Em julho de 1936 - para não nos referirmos a um período anterior - os operários espanhóis repeliram o assalto dos oficiais que haviam preparado sua conspiração sob a proteção da Frente Popular. As massas improvisaram milícias armadas e criaram comitês operários, os baluartes de sua futura ditadura. As organizações dirigentes do proletariado, por outro lado, ajudaram a burguesia a destruir esses comitês, a reprimir os assaltos dos operários contra a propriedade privada e a subordinar as milícias operárias ao comando da burguesia, além da participação do POUM no governo que assumira a responsabilidade por este trabalho de contra-revolução. (...) A linha de ação dos operários separou-se durante todo o tempo da linha da direção, em determinado ângulo. Nos momentos mais críticos, esse ângulo tornou-se 180º. A direção, então, ajudou, direta ou indiretamente, a submeter os operários pela força armada. [2]

A adesão dos Partidos Comunistas oficiais à política de Frente Popular no âmbito internacional se deu a partir do VII Congresso da terceira internacional em 1935, nessa época já estalinizada. Esse foi o último congresso antes da dissolução do organismo em 1943 como parte de um pacto com os países aliados. No entanto, apesar dos resultados desastrosos, os PCs estalinistas repetiram tal política por muitas vezes na história, levando a inúmeras derrotas. Em muitos casos essas frente se ampliaram multíssimo, como é o caso do Brasil atual.

Com essa introdução, é claro que o objetivo não é equiparar as duas situações. A situação no Estado Espanhol se tratava de uma guerra civil iniciada com uma tentativa de golpe abertamente fascista contra o governo da Frente Popular, que tinha como objetivo derrotar o processo revolucionário iniciado no começo da década. Os operários reagiram armados contra o golpe e tomaram o poder em 2/3 do país, ocupando e expropriando indústrias, comércio e diversos outros estabelecimentos e praticamente dissolvendo o Estado burguês. No entanto, a política da Frente Popular, à qual se subordinou quase todos os sindicatos e quase toda a esquerda, foi de atuar para restaurar as propriedades o aparato de Estado, com argumento de que o foco da luta deveria ser contra Franco. Tal política acaba por desmoralizar e desmobilizar os trabalhadores e abrir espaço para que o exército fascista vencesse a guerra civil.

A situação atual no Brasil é bem diferente. Após um período de lutas iniciado em 2013, passando pelo golpe de 2016 e pelas greves gerais contra Temer e as reformas em 2017, após a traição das centrais sindicais, que negociaram a desmobilização em troca da volta do imposto sindical, instala-se uma situação reacionária, que permite que o STF e a Lava Jato avancem na proscrição eleitoral arbitrária de Lula. Como fim, acaba se elegendo o representante da extrema direita Bolsonaro, um filho indesejado do golpe. Além disso, por mais que o discurso do presidente seja abertamente golpista e fascista, ainda não há no país uma situação de fascismo ou ditadura militar aberta, por mais que tenham aumentado os traços bonapartistas do regime, como vemos na utilização indiscriminada da Lei de Segurança Nacional.

Frente à vitória de Bolsonaro, a primeira resposta de boa parte da esquerda foi começar a buscar formar frentes amplas contra Bolsonaro. Argumentando que frente a Bolsonaro quaisquer diferenças anteriores eram menores, essa política foi se plasmando nos pedidos amplos de impeachment que vimos ano passado. Logo depois, vimos nas eleições de 2020 como PSOL, UP e PCB formaram alianças com partidos burgueses e até mesmo golpistas como Rede, PSB e PDT, sendo mais significativo a campanha de Boulos no segundo turno. O resultado dessa política é que vemos agora o prefeito de Belém, Edmilson do PSOL, buscando aprovar uma reforma da previdência municipal. Esse ano tal política se aprofundou. Durante as eleições da Câmara de Deputados, o PSOL se dividiu sobre a possibilidade de apoiar Baleia Rossi no primeiro ou no segundo turno.

No entanto, nos últimos tempos essa política atingiu seu ápice. O desgaste de Bolsonaro é cada vez maior com o desastre da gestão da pandemia, a situação da fome, desemprego em níveis históricos, somado a uma restrição orçamentária que impede políticas assistencialistas da magnitude do auxílio emergencial ano passado, com as denúncias de corrupção na compra de vacinas e a possibilidade de agravamento da crise energética com apagão no segundo semestre. Tal cenário, por um lado, busca ser aproveitado pela chamada “terceira via”, isto é, a direita opositora neoliberal, para buscar construir sua política que não seja Lula nem Bolsonaro, mesmo que Lula se proponha a perdoar os golpistas e seguir com ajustes e privatizações. Por outro, traz riscos de mobilizações mais disruptivas contra o governo, num cenário em que há rebeliões em vizinhos nossos como a Colômbia, ainda que o Brasil constitua um polo reacionário da região.

Vendo essas possibilidades, a direita e a extrema direta ex-bolsonarista começa a se movimentar, contando com a auxílio de uma parte da esquerda. No dia 30, foi apresentado o "superpedido de impeachment” em Brasília (cuja grande diferença dos outros 120 pedidos de impeachment é que pode ser “super-engavetado”). O ato de apresentação reuniu desde representantes de partidos como PSOL, PSTU, UP e PCB, o presidente da UNE e dirigentes das centrais sindicais até parlamentares de extrema direita como Joisse Hasselman e Kim Kataguiri. Para piorar, o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, ainda convocou o MBL e o PSDB para ir aos atos do 3J. Diferente da Frente Popular espanhola, que só incluía setores da chamada “burguesia democrática”, a frente ampla inclui até mesmo partidos que apoiaram o golpe de 2016 e ex-bolsonaristas. Apesar das diferenças entre as situações, qual paralelos e quais lições podemos tirar?

A primeira vista, alguns podem pensar “bom, quanto mais melhor”. No entanto, como diz Trótski, na luta de classes nem sempre as leis da aritmética são as melhores. Um dos exemplos gráficos disso é que enquanto a esquerda fazia esse palanque com figuras asquerosas da direita, o protesto de indígenas era reprimido logo ao lado. A manifestação fazia parte de várias mobilizações que eles têm realizado contra o PL490, que muda a demarcação das terras indígenas. Aliás, o rechaço a tal projeto de lei reacionário era uma das pautas dos atos que ocorreram. No entanto, o PL é apoiado tanto por Bolsonaro como por muitos integrantes que estavam no palanque do "superpedido de impeachment", como o MBL. Nesse sentido, como é possível mobilizar os indígenas junto à essa direita?

Outros exemplos são vastos. Um dos antecedentes aos atos antibolsonaristas foram os atos em repúdio à chacina de jacarezinho. No entanto, como pensar qualquer mobilização nesse sentido em aliança com o PSDB de Doria, que promoveu diversos massacres da polícia como o Massacre de Paraisópolis? Ou mesmo em aliança com o PSB, que foi responsável pela repressão do ato do dia 29M no Recife, que arrancou os olhos de 2 trabalhadores?

Pensemos mais. Hoje, a forma de mobilização que poderia ser mais eficaz seria uma greve geral. Uma greve geral atingiria diretamente o lucro da burguesia e teria capacidade de questionar não apenas Bolsonaro, mas também Mourão e todo esse regime golpista, além de todos os ataques, como as privatizações, o teto de gastos, as reformas trabalhistas, da previdência e administrativa, pautas que são defendidas por toda a direita que estava no "superpedido de impeachment". Uma greve geral também poderia incorporar nas suas pautas o rechaço ao PL490 e à violência policial. Vimos como as paralisações gerais contra Temer em 2017 tiveram um impacto em impedir a reforma da previdência e de desestabilizar o governo.

No entanto, essa direita não apenas é contra todas essas pautas acima, como também é brutalmente contrária a qualquer tipo de organização dos trabalhadores. O PSDB em São Paulo se especializou em reprimir todo o tipo de greves e pouco antes dos atos estava tentando desalojar a sede dos sindicatos dos metroviários, que foi um dos setores que se mobilizaram durante essa pandemia. Como esquecer por exemplo do integrante Gabriel Monteiro do MBL, que atua sistematicamente em universidades para provocar o movimento estudantil e chegou até mesmo a invadir o enterro da menina Ágatha, brutalmente assassinada pela polícia, apenas para fazer provocações?

Poderia passa páginas listando exemplos de como essa direita é asquerosa. Além disso, não possuem nenhum objetivo de “somar” na luta contra Bolsonaro. Pelo contrário, seu objetivo, por um lado, é tentar abrir espaço para uma “terceira via” em 2022, que não seja nem Lula nem Bolsonaro. Algo que a queda da popularidade do governo tornou mais viável que há alguns meses atrás. Não à toa, vimos a declaração golpista de Fux falando que ainda vê caminhos para barra Lula nas eleições de 2022.

O segundo objetivo dessa entrada da direita na Frente Ampla é preventivo. É certo que nos últimos tempos não prima no Brasil mobilizações grandes e disruptivas. No entanto, o Brasil não está alheio ao cenário internacional. Estamos vendo revoltas e mobilizações em vários lugares do mundo, inclusive na Colômbia, onde se coloca em cheque o governo de Duque, aliado regional de Bolsonaro. Não à toa, a entrada da direita vem nesse momento. Tem como objetivo evitar que essas mobilizações saiam do controle e se radicalizem, tanto nos métodos (utilizando paralisações, greves e grandes manifestações radicalizadas) como nas demandas, levantando o questionamento aos militares, a todos os ataques e também a esse regime responsável pelo golpe de 2016, também responsável pelas mortes da pandemia, pela precarização de vida e perseguições, cúmplice de Bolsonaro. Estão também preparados para caso algo saia do controle, se prepare um desvio que preserve o regime golpista.

Nesse sentido, fica claro que a política de partidos da esquerda e de entidades sindicais e estudantis, movimentos sociais, entre outros, de se aliar com setores da direita não se trata de uma “aliança pontual”, como dizem alguns. Se não uma forma de subordinar as mobilizações à essa direita asquerosa. Tal política nefasta, além de embelezar esses setores ultra reacionários e dar eles uma roupagem “democrática”, enfraquece sistematicamente a luta contra o governo. Para piorar, correntes como PSTU e Resistência, saudam a entrada da direita nos atos. Tais correntes, apesar de se dizerem trotskistas, não podiam estar mais alheias a essa tradição, deturpando o legado do revolucionário dizendo que o mesmo defendia unidade de ação com setores da direita “democrática”, quando os textos expostos aqui mostram ao contrário. A independência política da classe trabalhadora sempre foi um princípio do trotskismo. Já os estalinistas da UP e PCB vêm dizer que são contrários a participação da direita nos atos. No entanto, tal posição é totalmente hipócrita, pois a participação da direita nos atos nada mais é uma consequência direta de sua política de manifestos, "superpedidos de impeachment” e palanques com esses setores. Mostram que apesar de toda a verborragia “comunista” defendem a mesma política frente populista/amplista de sempre, mesmo que o PCB tenha dito que “reviu os erros do passado”. Isso se soma toda adaptação à burocracia sindical, onde não falam um “ai” sobre sua paralisia. De nada adianta falarem em greve geral se aliando com à direita e sem fazer exigências da mesma às centrais sindicais.

Que aliança precisamos?

A aliança que realmente precisamos não é com a direita, e sim a aliança da classe trabalhadora da juventude, dos indígenas, do movimento negro, dos movimentos sociais na luta. Essa perspectiva corresponderia à batalha por superar o PT e seu projeto de conciliação de classes pela esquerda. Nesse sentido é necessário que as centrais sindicais devem convocar imediatamente uma greve geral. Essa greve geral devia ser construída democraticamente em cada local de trabalho com assembleias de base.

Também é importante discutir com que política nos mobilizar. Nesse sentido, nós do MRT defendemos que não basta apenas tirar Bolsonaro, é necessário enfrentar Mourão e todo esse regime. Nesse sentido defendemos uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana. Essa assembleia seria em base à dissolução do atual Congresso e da Presidência, com poderes soberanos sobre todas as instituições do regime político e mudaria todo o sistema político e judiciário. Seria conformada por novos representantes do povo eleitos por bairros pelo país, que poderiam ser 1 para cada 100 mil eleitores, conformando uma grande assembleia com 2100 representantes de todo o país. Qualquer trabalhador ou jovem poderia se candidatar sem ter que ser filiado a partido. Estes representantes deveriam ganhar o salário de uma professora e serem revogáveis pelos seus eleitores se não cumprem com a defesa da população. Ser livre e soberana quer dizer que não tenha os limites que teve a de 1988, que foi tutelada pelos militares e muitos direitos que estão no papel nunca viraram realidade.

A luta pela derrubada do regime e por uma constituinte livre e soberana imposta pela mobilização poderia fortalecer instâncias de auto-organização e acelerar as experiências de massas com a democracia burguesa, mostrando seu verdadeiro caráter, como também dos partidos burgueses e conciliadores e nesse sentido abrir espaço para um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

 
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