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52 ANOS DE STONEWALL
Stonewall: a revolta que esmurrou as portas para o movimento LGBT+
Matheus Félix
Mafê Macêdo
Psicóloga e mestranda em Psicologia Social na UFMG
Thaís de Paula

“Porque não fazemos alguma coisa?” Sobre a história da faísca que incendiou as ruas de Nova Iorque na década de 60 e as lições valiosas que podemos tirar dessa revolta que marcou o movimento LGBT+

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Em 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn localizado no bairro do Greenwich Village, em Nova York, Estados Unidos, se iniciou a revolta que abriu as portas para a consolidação do movimento LGBT+.

A comunidade, cansada de sofrer abusos policiais, revidou e organizou uma série de manifestações durante vários dias. Por conta desta rebelião, o dia 28 de junho é considerado o Dia Internacional do Orgulho LGBT+. Mais do que nos orgulhar de quem somos, Stonewall nos ensina que nós, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis quando nos organizamos temos muita força e podemos ser o combustível motor para a construção de uma nova sociedade.

Conhecer a história de Stonewall é tomar ciência do enorme potencial de uma revolta que o capitalismo LGBTfóbico tenta minimizar e esconder. E nesse sentido precisamos entender a dimensão ainda maior das nossas forças quando organizadas contra esse sistema de miséria.

Nos apropriar dos processos de luta históricos da nossa comunidade e da nossa classe em meio ao governo de Bolsonaro, Mourão e ao regime do golpe é imprescindível para sabermos como nos organizar e lutar contra todos os ataques que nos dirigem, contra toda a exploração capitalista que nos joga no subemprego e contra toda forma de opressão que aprisiona nossa existência e nossos sonhos.

A história da revolta: de um grito a rebelião

Nos anos 50, sob os impactos do pós II guerra, o conservadorismo burguês ganha força pelo mundo, baseado em crenças religiosas e na regularização e disciplina dos corpos e dos modos de vida. Assim, por exemplo, os papéis de gênero e a tentativa de romantização da vida doméstica eram cada vez mais fortificados, sendo estes instrumentos da burguesia para tentar falsificar que a vida tinha “retornado aos trilhos” após o período da segunda guerra mundial.

No princípio dos anos 60, como parte do processo de radicalização das massas, surgem questionamentos sobre as mais diversas esferas da vida. Esse movimento de reflexões e contestações subversivas ao modo de vida burguês conservador que se expressou com muita força no maio de 1968 francês, também incendiou as ruas de Nova York em 1969 e explodiu em várias organizações e grupos na rebelião que marcou de forma mais contundente o surgimento do movimento LGBT+.

Até 1962 qualquer prática homossexual era considerada crime nos Estados Unidos, e as punições variavam entre regime fechado, trabalho forçado e até mesmo pena de morte. A partir deste ano, deixa de ser crime apenas o ato sexual não reprodutivo. Durante toda a década de 60 o sistema judiciário dos Estados Unidos praticava LGBTfobia abertamente, perseguindo e agindo com total brutalidade contra as pessoas LGBT+ de então.

Um exemplo dessa perseguição é a proibição pelo Estado da venda e da comercialização de bebidas alcoólicas às pessoas homossexuais, o que fez com que fossem raros bares que aceitassem pessoas abertamente LGBT+. Aqueles recintos que os aceitavam eram, muitas vezes, localizados, atacados e fechados pela polícia. O que forçava a comunidade a buscar bares clandestinos para conseguir ter momentos de lazer.

O bar Stonewall Inn era o único bar gay em toda Nova York, controlado pela máfia da família Genovese que, para manter o negócio de família, pagava uma propina semanal aos policiais norte-americanos. O Stonewall Inn era um bar que não possuía licença para comercializar bebidas alcoólicas, não tinha condições sanitárias e nem saída de emergência, ou seja, se aproveitavam da perseguição judiciária às pessoas LGBT+ para lucrarem ao máximo sobre a vida dessas pessoas.

As batidas policiais nesse bar clandestino eram frequentes. Nessas ocasiões, funcionários e clientes sem identificação eram levados presos e eram realizadas revistas forçadas nos banheiros. Nessa época, a lei nova iorquina não permitia o uso de duas peças ou mais do “gênero oposto” e isso significava a criminalização e detenção de mulheres e homens trans e drag queens.

No dia 28 de junho de 1969, à 1h20m da manhã a música foi desligada e as luzes foram acesas indicando a presença de policiais no local. A policia foi, então, colocando de um lado os que estavam com "roupas adequadas para seu gênero", para conferir sua identidade, e do outro lado os que estavam com roupas femininas, para serem vistoriadas quanto ao seu sexo por policiais mulheres.

No que seria uma batida de rotina de quatro policiais que invadiram o local, bastou que uma mulher lésbica gritasse no momento em que era presa: “Porque não fazemos alguma coisa?” para que essa faísca incendiasse todo aquele bairro e a revolta de Stonewall desse seu primeiro passo.

Ao longo dessa ação, curiosos foram se reunindo do lado de fora do bar e em questão de minutos o número de pessoas na porta do recinto já chegava a dezenas. Antes mesmo da chegada do primeiro camburão, o grito de revolta começou o incêndio.

Bombeiros e outros policiais foram chamados para conter o levante e, enquanto pessoas eram presas, os manifestantes zombavam da cara dos policiais e bombeiros com danças e músicas. A revolta seguiu com os manifestantes confrontando os policiais e nesse dia, os protestos foram até às quatro da manhã.

No dia seguinte, mesmo em ruínas, Stonewall Inn reabre suas portas.

Como o sentimento de revolta estava ainda nos corpos LGBT+ que foram tão excluídos e perseguidos por tanto tempo, a multidão passou a crescer cada vez mais e, nesse cenário, casais homoafetivos demonstravam seu amor nas ruas.

Mais uma vez a polícia estatal chega para reprimir os manifestantes que reagem a essa perseguição com pedras, garrafas e o grito de que “não iremos nos esconder mais!”.

Mulheres Trans, bissexuais e negras que foram linha de frente na revolta de Stonewall

Na linha de frente dessa revolta estavam mulheres como, Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, que se lançaram contra a repressão policial. Mulheres trans que foram empurradas para a prostituição e que na rua lidavam diariamente com a repressão, o abuso e a humilhação policial.

Marsha percebe a importância das revoltas de Stonewall e passa a lutar “pelos irmãos e irmãs gays” que eram presas e perseguidas, foi também a responsável por impulsionar diversas organizações LGBT+, como, por exemplo, a primeira parada do orgulho.

Marsha P. Johson foi a primeira a atirar um copo de vidro contra o carro da polícia que estava parado em frente ao bar. Algum tempo depois, Marsha sofreu uma tentativa de expulsão do movimento que ajudou a criar. Com medo da força de uma mulher trans negra e se baseando em uma transfobia descarada, os organizadores da parada de 1978 tentaram expulsar as drag queens e pessoas transexuais como uma forma de higienizar as paradas. Acreditavam que Johson poderia “sujar” a imagem do movimento. Por isso, ela e suas companheiras foram barradas de participar da parada do orgulho em 78.

Nos anos 70, Marsha e Sylvia conseguem alugar um casa, e criam então a organização Streat Transvestite Action Revoluntionaries (S.T.A.R) - Revolucionárias da Doce Ação Travesti, que oferecia comida, abrigo e roupas para drag queens e pessoas trans que viviam em situação de rua Greenwich Village.

As lições deixadas por Stonewall

Assim como tentam passificar a história das mulheres, dos negros e da classe trabalhadora, também tentam com a história do movimento LGBTQIA+, que se expressa fortemente por uma revolta e hoje é usado pelos capitalistas e pela “burguesia gayfriendly” como mais uma forma de esvaziar o conteúdo de enfrentamento às forças repressivas do Estado e de amenizar a importância da nossa organização, para assim nos explorar e oprimir ainda mais.

Os capitalistas e a burguesia tentam esconder a verdadeira história de Stonewall para manterem seus lucros e conseguirem cooptar nossas pautas da forma mais suja . Contra esse movimento, é papel de todo revolucionário lembrar que a revolta de Stonewall e todas as movimentações daquela semana foram unidas por organizações de esquerda, incluindo setores do Partido dos Panteras Negras, dos Jovens Lordes e muito mais.

A Revolta de Stonewall marcou o nascimento posterior da Frente de Libertação Gay (GLF) e o nascimento de um movimento contra a força repressiva policial, contra a repressão estatal e contra a igreja e a família patriarcal. Mas o GLF não lutou apenas pelos direitos dos gays. Ele foi um grupo de homossexuais revolucionários com homens e mulheres que lutavam pela plena libertação sexual para todas as pessoas, mas sem perder de vista a abolição das instituições sociais existentes.

Mesmo que a revolta de Stonewall não tenha se desenvolvido para uma potencial unificação com a classe trabalhadora naquele momento, deixou marcas muito profundas no desenvolvimento posterior do movimento. Não podemos marchar separados da classe trabalhadora, pois ela é a única classe capaz de mudar a ordem da exploração e da opressão que nós LGBTQIA+ sofremos diariamente dentro desse sistema capitalista. Não podemos confiar nossas forças nas lutas que não são revolucionárias, pois dentro dessa ordem estabelecida o que sobra para nós é apenas a exploração e a ilusão de uma vida digna.

Não podemos também cair na armadilha de que apenas a representatividade por si só, ilusão neoliberal, é capaz de solucionar nossos problemas. O Brasil é o país que mais mata as pessoas LGBT+ e que empurra 90% da população trans para a prostituição. É o país que coloca como “oportunidade” para nós, LGBT+, os piores postos de trabalho, como por exemplo no telemarketing (em que nos tornamos fisicamente invisíveis), com os piores salários, dentre outras inúmeras explorações.

Stonewall é a faísca revolucionária que esmurra as portas para as LGBT+ e nos apropriando dessa experiência, nós precisamos nos colocar junto a classe trabalhadora, ombro a ombro, para a construção de um sociedade que emancipe todos, desde sua base econômica até o costume moral.

Preenchidas do espírito dessa luta, no Brasil precisamos erguer nossa voz contra Bolsonaro, Mourão e Militares, lutando contra o regime do golpe, batalhando por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana imposta pela luta, confiando unicamente nas nossas forças para que possamos construir uma verdadeira batalha para nossas demanda imediatas e rumo de sociedade sem classes, livre da herança patriarcal e religiosa.

Stonewall é um exemplo da forte combatividade daqueles que mais sofrem pelo velho, que são os que podem lutar por um mundo novo. Essa experiência gigantesca tem que ser apropriada por todo, toda e tode LGBTQIA+, para que não batalhemos apenas por respeito, mas por mudar toda a ordem vigente, para podermos ser e existir como verdadeiramente desejarmos.

 
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