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Expulsão da CCR do NPA na França: evento isolado ou consequência da trajetória política do mandelismo?
Juan Carrique

Uma contribuição retrospectiva ao debate sobre a crise do NPA. A concepção de democracia interna e sua conexão com a política da corrente mandelista no caso espanhol.

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Acontecimentos recentes no NPA, especificamente a decisão da direção nacional daquela organização de excluir a Corrente Comunista Revolucionária (CCR), nos levam a pensar sobre o real significado dessa atitude antidemocrática. O fato de tal expulsão ser encoberta pelo eufemismo de “exclusão da participação das assembleias preparatórias da Conferência Nacional”, não altera o sentido antidemocrático da ação: expulsão de fato de quase 300 militantes da CCR e adeptos a suas posições, alguns dos quais faziam parte do NPA há mais de 12 anos, proibindo sua participação em assembleias gerais comuns para debater democraticamente a política do NPA e os candidatos às eleições presidenciais de 2022.

Torna-se evidente que não cabe a continuidade na organização dos militantes que devem se submeter a decisões que foram adotadas sem a sua participação, quando se trata de questões de importância política substancial. E mais ainda quando, de antemão, era conhecida a oposição dos “excluídos” ao giro à direita da direção: a incorporação pelo NPA do papel de “setor radical” da França Insubmissa, do qual as listas regionais na Nova Aquitânia e na Occitânia são um exemplo; e com isso, a renúncia de uma candidatura operária e revolucionária claramente delimitada dessa Frente nas eleições presidenciais. Portanto, essas expulsões estão a serviço de facilitar a adoção artificial dessa política por parte da direção da antiga Liga Comunista Revolucionária (LCR), cujo peso na organização tem se tornado cada vez mais minoritário.

Para algumas pessoas, pode ser surpreendente que as controvérsias sobre questões políticas no seio do NPA tenham passado, por parte da direção, para o cenário da imposição de medidas antidemocráticas no terreno organizativo. Por trás delas, o que há é uma defesa de posições políticas. Mas as relações de força no interior da organização não permitem a vitória da antiga maioria do NPA na base militante. Por isso, recorre à imposição de medidas antidemocráticas encobertas para impor essas posições, como foi primeiro adiar indefinidamente o Congresso e, por fim, organizar uma conferência nacional sobre as eleições presidenciais privando quase 25% dos seus militantes dos direitos políticos.

Mas esse espanto não seria tal se se levasse em conta que tais comportamentos não constituem uma exceção no passado político dessa corrente, nem sequer na Espanha. Vamos ver.

A concepção de democracia interna e sua conexão com a política na corrente mandelista: o caso espanhol

A conexão entre o regime interno de um partido e a política que ele aplica tem sido levantada em inúmeras ocasiões no marxismo revolucionário, porque tem a ver com elementos de classe na organização. Um partido revolucionário necessita ser permeável aos diferentes estados de ânimo dos trabalhadores em que se baseia, especialmente nas situações em que a luta de classes se agudiza; um regime partidário que não facilite essa dinâmica pode muitas vezes aparecer nos momentos de crise como um obstáculo que desvie a iniciativa das massas.

Na Espanha, a corrente mandelista, que leva o nome de seu principal dirigente desde o pós-guerra, o já falecido marxista belga Ernest Mandel, levantou a questão do regime partidário em várias ocasiões, sempre relacionada ao contexto político em que se encontrava e à orientação política que levava a cabo. No final da década de 1980, quando a URSS desmoronava, setores da esquerda espanhola viviam uma profunda crise ideológica e política pela profunda identificação desse regime com o socialismo. Mesmo correntes como o mandelismo, que supostamente apoiava as análises de Trótski sobre a burocracia soviética e a alternativa a ela elaborada pelo revolucionário russo na década de 1930, foram afetadas por essa crise e desmoralização ideológica na esquerda.

A solução que a então LCR espanhola buscou para essa situação de crise e desorientação localizou-se no âmbito organizativo, mediante a confluência com uma corrente de origem ideológica maoísta, o Movimento Comunista (MC). Uma organização que partia de uma cisão operária da ETA, mas que se uniu a setores fragmentados pela esquerda do PCE, com marcadas tendências nacionalistas em várias regiões e nações do Estado espanhol.

A questão da unidade com essa corrente do maoísmo foi levantada desde o final da Transição, mas durante um longo período não foi forjada, sobretudo, porque não havia pontos de vista comuns sobre o regime do partido.

O MC não concordava que no marco das discussões dentro do partido pudesse haver agrupamentos e tendências circunstanciais em relação à política a ser proposta e votada no Congresso, para que houvesse uma ampla democracia interna dentro dele. Essas diferenças levaram a que existisse uma unidade de ação entre a LCR e o MC por anos, mas um processo de unificação não se materializava. Porém, após a queda do Muro de Berlim, espalhando uma forte desmoralização da extrema esquerda, a “unificação orgânica” de ambas as organizações foi proposta como uma forma de escapar desta situação de crise. E como não se chegava a um acordo sobre o regime partidário unificado, decidiram juntar os organismos de direção partidária e estabelecer o consenso como critério de resolução das divergências, ou seja, um método alheio a um regime revolucionário de democracia interna do partido. Além disso, essa organização unificada reproduziu uma política de subordinação à estratégia de conciliação de classes do movimento de independência basca, bem como a estruturação como uma federação de organizações das diferentes nações do Estado espanhol, desligando a atividade e orientação de cada uma das federações.

Seguindo esse “acordo”, a organização unificada teve uma existência de dois anos, para finalmente explodir em múltiplas rupturas e organizações. A política de buscar uma rápida unificação orgânica a serviço da superação da crise e da desmoralização produzida pelos acontecimentos do Leste determinou o abandono pela LCR de um regime democrático de partido. Isso resultou na liquidação daquela organização por muitos anos.

Os herdeiros da LCR não tiraram nenhuma conclusão revolucionária dessa experiência. Depois de passar quase uma década dentro da Esquerda Unida, eles formaram a Esquerda Anticapitalista (IA, pela sigla em espanhol - NdT) em 2009. Embora esta fosse uma versão menos ampla do que o NPA – ao contrário da França, na Espanha eles não permitiram a integração de nenhuma outra corrente que não fosse de sua própria vertente – em pouco tempo embarcaram na construção da organização neo-reformista Podemos. Um experimento cujo programa nunca foi além de meras reivindicações sociais limitadas – sem qualquer medida anticapitalista – e uma estratégia de regeneração democrática, aceitando como premissa a unidade do Estado espanhol.

Junto com a moderação do programa e o abandono explícito de uma estratégia revolucionária, a questão do regime partidário voltou a ser levantada, especialmente quando a homogeneização da organização foi colocada sob a subordinação dos “círculos” (as equipes de base do novo partido) à direção de Pablo Iglesias e Iñigo Errejón, e a imposição por parte de Iglesias da dissolução da Esquerda Anticapitalista como organização partidária.

Embora isso implicasse em uma imposição antidemocrática, a IA realizou um congresso onde aceitou a dissolução, pois de outra forma significaria o fim de sua participação no Podemos, já que estavam impedidos de ter candidatos. Foi expulso o setor da IA que se opôs à referida dissolução – logo em seguida formou um grupo andaluz denominado IZAR –, esse, sim, utilizando vários eufemismos para encobrir a natureza disciplinar da exclusão, sob fórmulas como “a atividade desses setores estava situada por fora da nova organização”, apenas por defender suas posições contra a maioria da direção que estava liquidando o partido.

Ironicamente, a organização-irmã da IZAR na França, Anticapitalisme et Revolution (A&R), endossou o uso desses mesmos métodos contra a CCR, agindo como cúmplice da mesma direção que expulsou a IZAR da corrente internacional do mandelismo, o chamado “Secretariado Unificado” (SU).

Em muitas ocasiões, para que uma política oportunista seja aceita pela militância de uma organização, só pode sê-lo por meio de medidas organizativas antidemocráticas contra os setores que as enfrentam, porque permitir a discussão livre e democrática pode levar à sua rejeição. Há, portanto, uma estreita conexão entre a política que se defende, e que concretiza a independência política da classe trabalhadora, e os canais organizativos para que os militantes discutam e a aceitem. Na trajetória política do mandelismo, cada giro à direita sempre foi precedido por um giro burocrático de seu regime interno. A crise do NPA não é exceção.

No NPA, dois projetos opostos de partido e métodos de organização revolucionária entraram em confronto. Hoje, depois de terem sido burocraticamente excluídos do NPA, os camaradas da CCR embarcaram na construção de uma nova organização revolucionária. Eles o fazem com base na defesa de um programa de independência de classe, contra o liquidacionismo da direção do NPA e com o objetivo de lançar as bases para a constituição de um grande partido revolucionário das e dos trabalhadores na França. Esperamos que cada vez mais trabalhadores e jovens se juntem a essa batalha estratégica que se inicia.

 
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