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C.L.R. James e o seu legado ao marxismo revolucionário
Renato Shakur
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

Há 32 anos de sua morte, o marxista negro C.L.R. James deixou grandes contribuições para gerações futuras que, assim como ele, lutaram contra o racismo e o capitalismo. Durante meados dos anos 1930 até início dos anos 1950, ele militou em correntes trotskistas nos EUA e na Inglaterra. Se afastou do SWP em 1940 e voltou a integrar as fileiras do partido em 1947. Deixou novamente suas fileiras definitivamente em 1953, quando fundou, junto a outros militantes da tendência Johnson-Forest, o Correspondence Publishing Committees, que não durou muito tempo. No mesmo ano foi deportado dos EUA. Sua contribuição ao marxismo seguiu ao longo da sua vida, como ele mesmo fez questão de lembrar em 1980, aos 80 anos de idade, numa entrevista onde foi questionado se era um artista em vez de marxista: “As contribuições que fiz ao movimento marxista são as coisas que mais importam para mim… Como um todo, eu prefiro me ver como um marxista que fez sérias contribuições ao marxismo em variados temas. Eu quero ser considerado um dentre os marxistas importantes”. [1].

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Ilustração: Juan Chirioca | @macacodosul

Introdução

Nos anos 1930 a NAACP, dirigida por Du Bois, paulatinamente se separou das massas, sobretudo num momento onde as leis de segregação racial e as revoltas contra negros exigiam um passo à frente pela libertação negra, enfrentando-se nas ruas e organizando a autodefesa das comunidades negras, especialmente contra a Ku Klux Klan. O pacifismo pequeno burguês dessa organização o fez se afastar dos trabalhadores negros, em vez de orientar uma luta contra esses setores supremacistas, a NAACP equivocadamente, orientava-os a não saírem às ruas.

Garvey e a UNIA tinham uma orientação política completamente diferente, estimulavam a radicalização da luta, onde os negros tomassem as ruas contra os supremacistas brancos e os ataques em curso. No entanto, a estratégia que defendia do “De volta para África”, na qual a saída para combater o racismo nos EUA seria construir um Estado e uma burguesia negra na África foi se mostrando um grande erro. O capitalismo negro que defendiam fez com que Garvey capitulasse aos setores mais reacionários dos EUA. Por supor que a saída para o combate ao racismo seria a formação de uma burguesia com sua própria raça, Garvey defendia que não haveria a necessidade de lutar contra as leis que segregavam os negros e que os negros deveriam se inspirar na maneira como a KKK reivindicava sua raça. Voltar para África, na estratégia do capitalismo negro, significou não lutar contra as leis Jim Crow e sua frase “De pé raça poderosa” era, na verdade, a senha para a adaptação ao setor que mais odiava os negros nos EUA, o que debilitou fortemente Garvey e a UNIA. Além disso, o objetivo de levar os negros norte-americanos para a África foi parecendo, aos poucos, mero charlatanismo, pois sua empresa Black Star Line nunca sequer mandou um mísero navio para a África.

Nesse período o PC norte-americano ganhou um número grande de militantes e simpatizantes entre trabalhadores e intelectuais negros politicamente mais avançados. O PC conseguiu organizar o que tinha de melhor na vanguarda do radicalismo negro e no movimento operário em suas fileiras, sobretudo porque manteve até 1934 as resoluções sobre questão negra, as quais foram votadas no quarto congresso da III Internacional. A orientação da I.C. estalinizada para que os PC’s entrassem nas frentes populares, fez o PC cobrar um preço bem caro por essa orientação de conciliação com as burguesias nacionais. Na prática, isso significou que o PC deveria se aliar com uma burguesia racista dos EUA e se subordinar ao partido de Roosevelt. Um retrocesso profundo nas batalhas que os revolucionários deram contra o racismo e o imperialismo, o que resultou também em 80% dos militantes negros da sessão de Nova York deixarem o partido [2].

O trabalhador negro via de novo com desconfiança o trabalhador comunista branco. O stalinismo e sua estratégia de conciliar com a burguesia destruiu essa importante unidade e os laços entre negros e brancos na vanguarda do movimento operário. Como James explica:

“o PC agora é um partido estadunidense, e os partidários pequeno-burgueses da democracia não tem nada em comum com o negro, e por se achar estranho, simplesmente deixou o partido”. [3]

O PC estadunidense, com a orientação de formar a frente popular e seu programa de colaboração de classes, interrompeu a continuidade da tradição bolchevique na luta negra e no radicalismo negro norte-americano. Isso significou um grande retrocesso na vanguarda. A partir desse balanço, seguiram dentro do SWP debates importantes sobre como organizar os setores mais precários da classe trabalhadora, majoritariamente negros; de como superar a desconfiança dos trabalhadores negros com os trabalhadores brancos e de como colocar de pé um movimento capaz de levantar demandas democráticas e a luta pela revolução socialista.

Os jacobinos negros e a Revolução do Haiti

Uma de suas principais obras, Os jacobinos negros, segue essa perspectiva estratégica. James narra a história de uma das mais brilhantes revoluções, organizada e dirigida por negros ex-escravizados. Uma revolução que abalou o mundo inteiro, a qual começou aterrorizando os donos de terras em São Domingos e impôs medo nos senhores de engenho e traficantes de escravizados no mundo Atlântico. A revolução do Haiti que pôs fim à escravidão na ex-colônia francesa mostrou que havia uma saída revolucionária para o desenvolvimento capitalista mundial que necessitava do trabalho negro, de todo seu suor e sangue para enriquecer os capitalistas na Europa.

James mostrou que, ao contrário do que a própria classe de senhores queria fazer passar por verdade a respeito dos negros e sobre a inferioridade de sua raça, os negros eram capazes de colocar abaixo o sistema escravista. As condições degradantes e os extremos castigos físicos aos quais os escravos eram submetidos, a má alimentação, as doenças, jornadas de trabalho extenuantes, estupros, açoites até a morte, a separação de escravizadas de seus maridos e filhos, a baixíssima expectativa de vida de um escravizado numa plantation escravista, colocava no horizonte do negro a luta pela liberdade. E não foram poucas vezes que eles batalharam ativamente por ela.

“Era devido a sentimentos como esses que eles procuravam justificar as crueldades abobinaveis que praticavam e tomavam muito cuidado para que o negro permanecesse a fera bruta que eles queriam que fossem” [4].

A tentativa de construção dessa imagem de “fera bruta” que James menciona também ajudou a construir os próprios coveiros, negros, dessa elite senhorial escravista. Suicídios, fugas, abortos, envenenamentos coletivos, todos esses métodos foram utilizados par pôr fim ao cativeiro. À medida que se rebelavam contra o sistema escravista, também iam tirando importantes lições políticas e de organização.

“Pela dura experiência aprenderam que esforços isolados estavam condenados ao fracasso, e nos primeiros meses de 1791, dentro e nos arredores de Le Cap, eles estavam se organizando para a revolução. O vudu era o meio da conspiração. Apesar de todas as proibições, os escravos viajam quilômetros para cantar, dançar, praticar os seus ritmos e conversar; e então, desde a Revolução escutar as novidades políticas e traçar os seus planos” [5].

O desenvolvimento das lutas pela liberdade parciais e restritas a alguns setores que ora eram vitoriosos ora não, onde os próprios escravizados iam fazendo sua experiência de método, organização e direção, os levou a tirar conclusões revolucionárias. Os negros lutaram com total independência dos imperialismos em disputa pelo domínio da colônia de São Domingos. Para derrubar o regime escravista e acabar com sua condição sub-humana de escravizado era necessário derrotar numa luta revolucionária seu inimigo de classe, os proprietários de terra e escravos, tomar não uma parte da ilha Espanhola, mas colocá-la toda sob domínio dos negros. Esse era o único destino estratégico para os que lutavam pela liberdade, a luta contra o sistema escravista.

Os debates com Leon Trótski

“Os negros são uma raça, e não uma nação.” Foi assim que Trótski iniciou o debate sobre se o SWP deveria ou não defender a consigna do direito à autodeterminação do povo negro nos EUA. A população negra na década de 1930 era de aproximadamente 10% da população norte-americana, algo em torno de doze milhões de pessoas. Dois terços moravam no Sul, sendo que no Norte e Leste eram apenas uma pequena minoria. Apenas no Mississípi os negros eram maioria, no Alabama eram metade da população e em vários condados no Sul eram maioria [6].

Esses estados faziam parte do que era chamado Cinturões Negros, no sudoeste dos EUA, e eram profundamente marcados pelo passado escravista, pela extrema pobreza e desigualdade política. Trótski defendeu, nas discussões sobre o tema da autodeterminação, que os revolucionários não obrigariam os negros, em nenhuma hipótese, a formarem uma nação, mas caso este fosse seu desejo, lutariam até a última gota de sangue contra o imperialismo por esse direito dos negros. Estariam lado a lado das populações desses Cinturões Negros caso exigissem um estado dos negros.

O PC também agitou a consigna de autodeterminação dos Cinturões Negros, eles viam essa luta com uma etapa democrática na luta pelo socialismo. A visão etapista da revolução socialista também fazia o PC enxergar o proletariado negro de forma distorcida: os stalinistas acreditavam que eles não passavam de um aliado dos trabalhadores brancos. Não via o potencial revolucionário dos negros e o papel na vanguarda que poderiam desempenhar com o desenvolvimento da luta por autodeterminação. Não passava de uma orientação oportunista.

Trótski também defendeu a posição de que o direito à autodeterminação é uma “demanda democrática”. A luta pela defesa do direito à autodeterminação dos negros não se restringiria apenas a essa dimensão da luta, os negros quando se colocassem em movimento por ela, ficariam frente a frente com seu inimigo de classe. A burguesia imperialista norte-americana necessitava da exploração dos Cinturões Negros, não abriria mão deles a favor de um estado negro, onde não pudessem explorar ou oprimir com as Leis Jim Crow.

Por essas ideias, Trótski tentou convencer James e outros militantes do SWP. A luta por um estado dos negros significaria, na prática, um desenvolvimento político interno à própria luta por autodeterminação, isto é, os negros consistentemente romperiam o jugo histórico e psicológico criado por anos de escravidão e opressão racial. C.L.R. James, nas resoluções sobre a questão e autodeterminação dos negros escritas para o SWP, assimilou a importância da estratégia da teoria da revolução permanente na luta contra o racismo:

“A demanda por um estado negro é uma realização revolucionária, com o encorajamento entusiasmado e assistência dos brancos vai criar uma tão criativa energia em cada sessão dos trabalhadores e camponeses negros na América, tal como constituir um grande passo para integrar o negro nos Estados Unidos Socialistas da América” [7].

Os diálogos com Trótski acerca deste debate foram fundamentais para chegar nessa síntese escrita por James, parte fundamental das resoluções sobre questão negra do SWP. Mas eles não param por aí, James defendia que a teoria da revolução permanente deveria estar amplamente conectada às massas negras afro-americanas [8], se não a revolução seria apenas uma ficção.

Conclusão

Essas lições que C.L.R James pôde extrair do marxismo revolucionário e também diretamente nas discussões com Leon Trótski são chave para o debate de estratégia nos movimentos sociais e no movimento operário nos dias de hoje. A teoria revolução permanente é a arma que os trabalhadores negros e brancos precisam tomar em suas mãos para pôr fim ao racismo e ao capitalismo.

A luta por uma demanda democrática como a dos negros pelo direito a ter seu próprio estado colocaria em marcha um movimento revolucionário. Segundo Trótski, isso significaria na prática que a realização da palavra de ordem de autodeterminação dos negros só poderia ser conquistada “se treze ou quatorze milhões de negros sentirem que a dominação dos brancos está acabada”, e isso seria um “grande despertar moral e político”, um “grande passo revolucionário” [9].

As lutas movimentistas que se restringem a levantar uma outra demanda mais sensível a crueldade sofrida pelos negros no capitalismo, e que se esbarram nos limites impostos pela propriedade privada e ali ficam, não passam de lutas parciais que não podem acabar com o racismo. O que os revolucionários do Haiti mostraram é que, na medida em que iam fazendo experiência na luta de classes, em suas lutas parciais, o desenvolvimento interior da própria luta, das revoltas, dos quilombos, os levou a derrubar o sistema escravista. Nas palavras de James: “Antes da revolução eles pareciam sub-humanos [...] A revolução os transformou em heróis” [10].

 
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