www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
Pinkwashing
O que há por trás das empresas diversas e inclusivas?
Pablo Herón

Programas de não discriminação, logotipos pintados com a bandeira do orgulho, diretores e gestores LGBTIQ+ ou mulheres, fazem parte de uma política de setores das grandes empresas que defendem a “inclusão”, em um mundo onde a desigualdade é a norma.

Ver online

Foto: iStock/carterdayne

Publicado originalmente no La Izquierda Diario Argentina em 10 de maio de 2021

Em 2016, a principal organização LGBTIQ + dos Estados Unidos, a Human Rights Campaign (HRC), entregou ao proprietário da Amazon Jeff Bezos, o Prêmio Nacional da Igualdade. Um uso estranho para a palavra "igualdade", para quem é hoje o homem mais rico do mundo com uma fortuna estimada em US $ 177.000 milhões.

O HRC realiza anualmente um índice de igualdade nas empresas, onde mede em que nível e que tipo de políticas de inclusão são levadas a cabo pelas empresas que se oferecem para participar do ranking. O resultado de 2021 mostrou que 94% das empresas na lista Fortune 500, as mais ricas dos Estados Unidos, "estão provocando uma mudança profunda na adoção de políticas de não discriminação, incluindo a ’identidade de gênero’ ".

Na entrega do prêmio, Bezos chegou a dizer que “na Amazon, a igualdade é um grande valor para nós, é simplesmente a coisa certa a fazer. No entanto, a desigualdade persiste em muitas formas em nossas comunidades, e nunca devemos simplesmente olhar para além dela, devemos expô-la, entendê-la, questioná-la e resolvê-la. E nós, me refiro a todas as pessoas nesta sala, estamos consertando isso."

Com logotipos oficiais pintados com a bandeira do orgulho nas redes, protagonismo de mulheres e pessoas LGBTIQ + na publicidade, programas de inclusão e não discriminação de funcionários, até mesmo CEOs gays ou lésbicas, as grandes empresas pretendem mostrar um novo paradigma empresarial e trabalhista. Parte importante nas últimas décadas buscou mostrar uma nova cara, agregando às suas agendas medidas de inclusão de diversos setores sociais de acordo com seu gênero, raça, nacionalidade ou orientação sexual.

Porém, do discurso aos fatos há um grande abismo e desigualdades que parecem não ser questionáveis. Há um mês, em um armazém da Amazon no Alabama, onde 85% dos trabalhadores são negros e 65% são mulheres, a empresa lançou uma furiosa campanha de intimidação contra eles porque estavam tentando construir um sindicato para defender seus direitos em um contexto atravessado por a crise econômica e o mundo pós-pandêmico.

Na Booking, renomada empresa de hotelaria e turismo, você também pode ver esse duplo discurso. Seu ex-CEO e agora presidente, Gillian Tans na conferência Pride Workplace 2016 (orgulho nos locais de trabalho) disse: “Queremos ter certeza de criar grupos que fazem essa inovação com diferentes origens, culturas, experiências, e que tudo isso junto cria a melhor inovação que você pode pensar para o seu produto. Estou muito orgulhoso do que a Booking fez se você olha para a diversidade nos últimos anos”.

Em setembro do ano passado a empresa anunciou que reduziria sua fábrica em 25%, demitindo mais de 4 mil funcionários em todo o mundo, muita “diversidade” mas os lucros não são negociados e os prejuízos são socializados com demissões. Só em 2016, Tans ganhou em seu cargo 17,1 milhões de dólares, foi a diretora de plataformas online mais bem paga para vender serviços de turismo e hotelaria naquele ano.

Os exemplos de Amazon e Booking são uma amostra de que os diferentes processos que surgiram na sociedade durante a década de 1970, como o originado pelo movimento de libertação sexual que questionava a ordem do capitalismo, puderam ser transformados e subsumidos na lógica do lucro empresarial, precisamente produto de separar a luta contra a opressão da crítica à sociedade de classes como um todo. Nas palavras de Nancy Fraser, o feminismo não deveria propor que um pequeno número de setores oprimidos ascendesse às hierarquias corporativas, mas deveria objetivar sua abolição.

Hoje, as empresas podem propor levantar uma agenda LGBTIQ +, em um mundo onde a maioria deles são trabalhadores, e depois demiti-los, negar-lhes a possibilidade de sindicalização ou sustentar condições desumanas de precarização do trabalho. Levantar um discurso de inclusão, tomando as demandas dos setores empresariais dos movimentos, permitiu-lhes dar-se uma máscara progressista (o que se denomina pinkwashing) para implementar políticas neoliberais junto aos grandes partidos e governos, com medidas econômicas e sociais que implicaram importantes retrocessos para a maioria trabalhadora e pobre.

Nesse caminho pavimentado pelos setores que abandonaram a luta contra a opressão da maioria e aceitam uma igualdade "simplesmente", que as condições de vida da maioria LGBTIQ + sigam empobrecidas, é que avançam os setores de extrema direita que também se apresentam como gay-friendly, promovem políticas severas e o ódio por raça ou nacionalidade.

Em dezembro passado, a CEO e presidente da Bolsa de Valores Nasdaq, Adena Friedman, promoveu uma resolução para impor como condição que em cada diretoria das empresas que querem fazer parte da bolsa de valores haja pelo menos uma diretora que seja mulher e outre que seja LGBTIQ + ou de uma minoria sub-representada, como população negra, latina, asiática ou nativa americana.
"Acreditamos que esta regra de listagem é um passo em um caminho mais amplo para alcançar representação inclusiva nas empresas dos Estados Unidos", afirmou Adena Friedman. Desde os altos mandos corporativos, eles propõem como progresso que haja mais CEOs e gerentes diversos. Uma inclusão que não modifica em nada o papel que as empresas desempenham na sociedade, pelo contrário, antes legitima com uma cara diversa que existe uma minoria que vive à custa do trabalho da maioria.

Na bolsa de valores Nasdaq, lugar por excelência da especulação financeira, nem mais nem menos, estão listadas nem mais nem menos que grandes empresas de tecnologia como Amazon, Alphabet (Google), Facebook, Microsoft ou Apple. São as mesmas corporações que financiam marchas do orgulho em cidades como Nova York e organizações como a Campanha pelos Direitos Humanos.

Os altos mandos prestam muita atenção às mudanças culturais e processos sociais em função de suas próprias necessidades e interesses. Em um artigo recente da revista Forbes intitulado "Chegou uma nova força de trabalho LGBTQ: ela deve seguir a cultura inclusiva", analistas do Boston Consulting Group (BCG, uma das consultorias mais importantes) desenvolvem o fenômeno que observam nos Estados Unidos. Por um lado, afirmam que “os empregados LGBTQ representam uma proporção maior da força de trabalho em geral” em relação a períodos anteriores, segundo estimativas de 4,5% da população norte-americana se identifica LGBTIQ +, cerca de 11 milhões de pessoas. E, ao mesmo tempo, garantem que "os funcionários heterossexuais da Geração Z e da geração dos millennials, que logo formarão a maioria da força de trabalho, também se preocupam profundamente com a inclusão e são mais propensos a defendê-la em comparação com as gerações anteriores."

Não é apenas uma questão de análise. Enquanto a discriminação persistir, e de fato o percentual de pessoas LGBTIQ + que já foram discriminadas em seu trabalho é alto, as grandes empresas continuarão a usar a bandeira da inclusão para mostrar um lado progressista e tentar satisfazer e apaziguar as críticas que surgirem pelas suas respostas à crise em curso. A questão é desmascarar aquela divisão artificial onde as demandas dos setores oprimidos, que em sua maioria trabalham para sobreviver, aparecem separadas dos ataques vividos por toda a classe trabalhadora, que está cada dia mais pobre e sofre a degradação de cada aspecto da vida.

Por isso mesmo, é necessário assumir essa crítica radical das barricadas de Stonewall, por uma luta ao lado da maioria trabalhadora, com a qual a maioria oprimida compartilhamos as mesmas condições de vida, e fundamentalmente por um mundo onde não haja opressão de qualquer tipo. Algo que se provou impossível pela tão defendida ideia de progressivo avanço na igualdade com a conquista de alguns direitos que prevaleceram por décadas, em uma sociedade cada vez mais desigual.

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui