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CRÔNICA
"Jovem demais, negro demais...": violência e suicídio na USP
Yuna Ribeiro, trabalhadora da USP

Crônica de uma trabalhadora da USP sobre o suicídio de mais um jovem negro da moradia estudantil. "Escrevi esse texto triste e violento, talvez ele só fizesse sentido se lido para o Reitor, pra alta e fria burocracia da USP. Mas não quero falar com essas pessoas. Elas não se constrangem com nada."

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Foto: Alessandra Haro

Aviso de gatilho: esse texto pode gerar angústia, pois fala de violência e suicídio

Queria poder colocar uma indicação segura de atendimento psicológico, mas por observação e prática, o atendimento psicológico no SUS ainda é precário e insuficiente (mas, por favor, não desista de tentar, alguns postos de saúde e os Caps podem ser um bom local para receber orientações). Na estrutura da própria USP o que oferecem é um escritório virtual ou ficcional para atendimento emergencial de estudantes, muito provavelmente bastante insuficiente também. O Instituto de Psicologia da USP tem aberto um atendimento pontual para apoio durante a pandemia.

Escrevi esse texto triste e violento, talvez ele só fizesse sentido se lido para o Reitor, pra alta e fria burocracia da USP.

Mas não quero falar com essas pessoas. Elas não se constrangem com nada. Fazem reunião enquanto a polícia dá cacetada, chute e tira sangue de mulheres, trabalhadoras e estudantes, na porta, do lado de fora, simultaneamente, enquanto fazem seu teatro de democracia e civilidade grotesco e podre.

Senti essa coisa, essa raiva e tristeza, pensei na mãe desse estudante, no tamanho da dor e perda, e em como não sabemos quanto sofrimento cabe numa vida humana, intangível e particular.

E ao mesmo tempo tem um impacto que é coletivo, as modulações e envolvimentos são gráficos, passam pelas mãos e corpos, a fúria contida escapa aqui e ali.

Um jovem estudante de geografia, jovem demais, negro, se atirou do Crusp, a moradia universitária, da maior? Melhor? Universidade da América Latina, 2a., 3a. ou sei lá qual lugar, classificação, de algum ranking desses acadêmicos mundiais, que consideram anuários e relatórios Capes, que não contam a existência de alunos que adoecem gravemente e chegam ao suicídio, não contam a quantidade de trabalhadoras terceirizadas negras sem direito trabalhista algum, não contam as trabalhadoras da limpeza do HU demitidas no pior momento da pandemia, não contam os números de alunos negros ou o número de trabalhadores negros nos postos dos mais baixos salários, não contam as mães do Crusp, nem a falta de luz, internet, água, comida na moradia universitária.

Um jovem aluno negro se jogou do alto de um prédio, da Universidade que não parou na pandemia, são quase 500 mil mortos, mas as notas e avaliações são essenciais.

Um menino, jovem, desses que a gente ainda vê os traços da adolescência teimando em ficar um pouco mais, numa transição demorada pra um rosto adulto, um jovem que escolheu encerrar ali, no gramado, de uma queda alta e aguda, tão dolorida, quanto curta, no chão da Universidade de São Paulo. R., 25 de maio de 2021.

Um jovem menino, muito... muito...

* Segundo uma pesquisa do Ministério da Saúde, entre os anos de 2012 a 2016, o risco de um jovem negro até 29 anos se suicidar aumentou 12%, enquanto que de pessoas brancas manteve-se estável. A pesquisa ainda revela que, em 2016, a cada 10 suicídios cometidos por adolescentes e jovens brasileiros, 6 foram realizados por negros.

Essa estatística numa Universidade como a USP, com baixo acesso de estudantes negros ainda, aumenta a proporção da gravidade dessa diferença.

 
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