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HISTÓRIA
Trótski: ‘O suicídio de minha filha’
Gabriela Liszt

Em 5 de janeiro de 1933 se suicidou a primeira filha de Leon Trótski, Zina. Publicamos a carta onde, desde o seu exílio em Prinkipo (Turquia), responsabiliza o Partido Comunista da URSS. Já em 1928 havia perdido a sua segunda filha Nina também por política do stalinismo. Seus dois filhos (com Natália Sedova) homens tiveram o mesmo destino em 1937-1938

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A todos os membros do Comitê Central do Partido Comunista da URSS
Ao Presidium do Comitê Executivo Central da URSS
A todos os membros da Comissão de Controle Central do Partido Comunista da URSS

Considero necessário informar-lhes como e por que minha filha se suicidou.

Em fins de 1930 vocês autorizaram, por pedido meu, minha filha, Zinaida Volkova, doente de tuberculose, a vir por um tempo à Turquia, acompanhada de seu filho Vsevolod [Stevan], de cinco anos de idade, para submeter-se a um tratamento. Não suspeitei que por de trás desta atitude liberal de Stalin se ocultava uma intenção ulterior. Minha filha chegou aqui em janeiro de 1931, sofrendo de pneumotórax em ambos os pulmões. Após dez meses de estadia na Turquia, conseguimos obter – apesar da oposição constante dos representantes soviéticos no estrangeiro –permissão para que ela fosse se tratar na Alemanha. A criança ficou conosco na Turquia, para não incomodar a paciente. Após algum tempo, os médicos alemães consideraram possível remover o pneumotórax. A paciente começou a se recuperar e sonhava apenas com a volta à Rússia junto a seu filho, onde estavam sua filha e seu marido - um bolchevique leninista exilado por Stalin.

Em 20 de fevereiro de 1932 os senhores publicaram um decreto em virtude do qual, não somente minha esposa, meu filho e eu, mas também minha filha Zinaida Volkov, eramos privados de cidadania soviética. No país estrangeiro ao qual os senhores lhe permitiram viajar com um passaporte soviético, minha filha se ocupou unicamente de seu tratamento. Não participou da vida política, não podia fazê-lo devido a seu estado de saúde. Evitou qualquer coisa que pudesse lançar “suspeitas” contra si. Privar-lhe de sua cidadania foi apenas um miserável e estúpido ato de vingança contra mim. Para ela, esse ato de vingança pessoal significava estar separada de sua filhinha, seu marido, seu trabalho e tudo que constituía sua vida normal. Sua condição mental, já abalada pela morte de sua irmã mais nova e pela sua própria doença, sofreu um novo golpe, tanto mais atroz, tendo sido totalmente inesperado e de nenhuma maneira provocado por ela. Os psiquiatras declararam unanimemente que somente o retorno a seu ambiente normal, com sua família e seu trabalho, poderia salvá-la. Mas o seu decreto de 20 de fevereiro cerceou precisamente esta possibilidade de salvá-la. Todas as demais tentativas foram, como os senhores sabem, em vão.

Os médicos alemães insistiam em que, ao menos, seu filho fosse trazido a ela o quanto antes; nisso, viam ainda uma possibilidade de restaurar o equilíbrio moral da mãe. Mas, uma vez que a criança de seis anos, estava igualmente privada de cidadania soviética, as dificuldades de sua ida de Istambul a Berlim se multiplicaram. Meio ano se passou em constante, mas infrutíferos esforços em diversos países europeus. Apenas minha inesperada viagem a Copenhagen nos brindou a oportunidade de levar o menino à Europa. Com a maior dificuldade, ele realizou a viagem a Berlim em seis semanas. Ele mal havia estado com sua mãe a sequer uma semana, quando a polícia do general Schleicher [1], em conluio com os agentes stalinistas, resolveu expulsar minha filha de Berlim. Para onde? Para a Turquia? Para a ilha de Prinkipo? Mas o menino precisava ir à escola e minha filha tinha necessitava de atenção médica contínua e condições de vida familiar normais. Este novo golpe superou a capacidade de resistência da enferma. No dia 5 de janeiro ela se asfixiou com gás. Tinha trinta anos.

Em 1928, minha filha mais nova, Nina [Nevelson], cujo marido está mantido encarcerado em solitária por Stalin há 5 anos, esteve encamada e foi hospitalizada por um curto período após meu exílio para Alma-Ata. Foi diagnosticada com tuberculose aguda. Uma carta puramente pessoal, sem sequer a menor relação com a política, endereçada a mim foi retida pelos senhores por setenta dias, para que minha resposta não chegasse a ela ainda viva. Ela morreu aos vinte e seis anos.

Durante minha estadia em Copenhague, onde minha esposa iniciou um tratamento para uma doença grave, e onde eu mesmo me preparava para iniciar um tratamento, Stalin, por intermédio da agência [de notícias] TASS, enviou uma caluniosa denúncia à polícia europeia de que uma “Conferência Trotskista” se reunia em Copenhagen! Isso foi suficiente para o governo socialdemocrata dinamarquês prestar a Stalin o favor de me expulsar com uma pressa febril, interrompendo os tratamentos de que minha esposa necessitava. Mas neste caso, como em tantos outros, a unidade de Stalin com a polícia capitalista ao mesmo tinha objetivos políticos. A perseguição de minha filha não teve nem um traço sequer de sentido político. Tirar-lhe cidadania soviética – perdendo a única esperança retorno a um ambiente normal e se recuperar – e, finalmente, sua expulsão de Berlim (sem dúvidas um serviço prestado a Stalin pela polícia alemã) foram atos sem objetivo político, para uma vingança miserável e estúpida, e nada mais. Minha filha conhecia perfeitamente sua situação. Sabia que não podia estar segura nas mãos da polícia europeia, que a perseguia a pedido de Stalin. Consciente disso, sua morte se deu em 5 de janeiro. Tal morte é chamada “voluntária”. Não, não foi voluntária. Stalin impôs a ela tal morte. Limitou-me a informar, sem tirar conclusões. O momento chegará para isto. O partido regenerado o fará.

Leon Trótski
Prinkipo, 11 de janeiro de 1933

 
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