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Não ao PL 3729!
Golpe no licenciamento ambiental no Brasil: aprovado PL para passar a boiada
Comitê Esquerda Diário DF/GO
Jéssica Schüler
Doutoranda em Ecologia pela UnB
Marina Cangiano
Engenheira ambiental, mestranda em Geociências pela UnB
Paulo Carvalho
Biólogo e professor de Ciências

O PL 3729/04, tão desejado pelo agronegócio, Bolsonaro, o centrão ruralista e golpista, conseguiu aprovar, na calada da noite do dia 12 de maio de 2021, com 300 votos a 122, o texto-base da PL que acaba com o Licenciamento Ambiental no Brasil.

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Foto: Ramon Aquim

Desde 2004, o Projeto de Lei (PL 3729/04) que prevê mudanças no processo de licenciamento ambiental tramita pelo congresso. O licenciamento, em geral, é um processo lento e cheio de etapas com avaliações técnicas da magnitude dos impactos ambientais na área de interesse e como esses impactos podem ser evitados, reduzidos e mitigados. Contudo, no capitalismo, tempo é dinheiro e acelerar esse processo em detrimento dos nossos recursos naturais é de interesse direto dos empresários e do agronegócio. No meio do caos sanitário e econômico, com uma política anti-ambiental, a bancada ruralista, da grilagem, da mineração, dos empresários das concessionárias de saneamento e companhias elétricas, conseguiu aprovar, na calada da noite do dia 12 de maio de 2021, com 300 votos a 122, o texto-base da PL que acaba com o Licenciamento Ambiental no Brasil.

A relatoria da proposta ficou a cargo do deputado Neri Geller (PP-MT), que é integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida também como a bancada ruralista da Câmara, a principal interessada na aprovação do texto. A proposta flexibiliza indiscriminadamente as regras para a liberação de obras, com o objetivo de favorecer o agronegócio, especialmente a pecuária extensiva e grandes empreendimentos como mineração, construção de rodovias, estações de tratamento de esgoto e linhas de transmissão de energia elétrica. É escancarar as porteiras para a boiada passar, como Salles já declarou abertamente.

Discutimos os principais destaques do PL abaixo:

1. Dispensa de licenciamento para diversas atividades que notoriamente geram impacto negativo ao meio ambiente tais como obras para geração e distribuição de energia, manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes que podem incluir as de uso de água e sistemas de saneamento básico, ampliação ou manutenção de estradas, cultivo de espécies de interesse agropecuário, entre outros;

2. O licenciamento ambiental será conduzido por uma única esfera do governo: preferencialmente os Estados e o Distrito Federal. Os Municípios para serem os licenciadores precisarão de uma legislação ambiental própria, plano diretor, conselho municipal de meio ambiente com caráter deliberativo e equipe técnica multidisciplinar capacitada - o que nos leva ao estabelecimento de um ambiente de disputa entre municípios, onde aqueles controlados pelos interesses da bancada ruralista pressionam seus prefeitos e vereadores a condicionar critérios de licenciamento mais brandos, levando esses empreendimentos a se concentrarem cada vez mais nessas áreas controladas pela boiada;

3. Para empreendimentos considerados de baixo impacto, a licença será autodeclaratória (chamada de Licença por Adesão e Compromisso - LAC), emitida simplesmente ao apresentar “exame técnico feito pelos órgãos seccionais e locais do SISNAMA”, deixando apenas na condição de “quando couber” o parecer dos demais órgãos federativos. Esses estudos não foram especificados, mas fica a cargo do licenciante local “definir os estudos ambientais necessários para subsidiar o processo simplificado de licenciamento ambiental”. Isso significa que na prática o licenciamento vira uma exceção ao invés da regra. De acordo com Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, o texto não considera a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico Ecológico e a análise integrada de impactos e riscos, afetando diretamente as políticas públicas de recursos hídricos e unidades de conservação.

4. Grave restrição à participação popular no processo de licenciamento, inclusive das pessoas diretamente impactadas pelos empreendimentos - os povos indígenas e quilombolas basicamente perdem o poder de vetar tais obras;

5. Ameaça a territórios indígenas e quilombolas, pois o texto prevê o licenciamento apenas para territórios já homologados, ou seja, com demarcação já concluída, desconsiderando para efeitos de avaliação, prevenção e compensação de impactos socioambientais de empreendimentos econômicos as áreas com processos de demarcação abertos na Fundação Nacional do Índio (Funai) - 41% do total - e as de quilombos com oficialização em âmbito federal no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - 84% dos mais de 1.770 processos já iniciados.

6. O mesmo vale para as unidades de conservação: impactos diretos e indiretos nessas áreas apenas são manifestadas pelo órgão gestor caso estejam na Área Diretamente Afetada pelos empreendimentos econômicos pretendidos;

7. Limitação da participação de outros órgãos fundamentais como ICMBio, Funai, Iphan e Ministério da Saúde, pois a simplificação de requisitos retira a possibilidade de uma análise mais profunda e por vezes certamente necessária por parte de diferentes competências;

8. Fica a cargo de decreto presidencial determinar o prazo máximo para resposta a um licenciamento ambiental, não podendo ser superior a seis meses. Em outras palavras, sabemos que para o atual presidente seu imenso interesse vai ser estabelecer um prazo impraticável para que os trabalhos não possam ser feitos de forma competente e assim os licenciamentos então saiam a toque de caixa;

9. A Licença de Operação (LO) poderá ser concedida por prazo determinado ou indeterminado, fazendo com que o empreendimento não tenha que se sujeitar a novos licenciamentos nem renovações, ficando a critério apenas da fiscalização. Isso até poderia ser suficiente caso tivéssemos recursos materiais e humanos para tal, mas com o sucateamento do IBAMA, falta de concursos e perseguição a servidores que vêm ocorrendo nesta gestão, fica difícil acreditar que este dispositivo signifique algo que não seja apenas carta branca para que tragédias como a de Mariana e Brumadinho ocorram novamente, sem controle algum.

Esse PL significa a devastação da natureza e o extermínio das comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas e de seu modo de vida dependente do uso sustentável e harmônico dos recursos naturais. É uma guerra declarada contra esses povos, assim como aos camponeses e pequenos produtores. Nas cidades, teremos mais rios ‘Tietês’ e um aumento de doenças transmitidas pelo esgoto lançado nos corpos hídricos como por vetores como os mosquitos, comprometendo a saúde pública. Sem as outorgas de direito de uso dos corpos hídricos mais crises hídricas ocorrerão, sem o controle dos poços ilegais para captação de água mineral subterrânea.

Bem ao modo neoliberal de “livre mercado”, uma guerra de quem libera mais a quem pagar mais vai ser estimulada por esta lei, quando municípios com critérios mais favoráveis atraírem os empreendimentos em prol de um “progresso” ao custo da preservação ambiental que é direito de todos.

A justificativa dos setores interessados é a falácia de que o licenciamento ambiental no país é demasiado burocrático, caro e demorado. De acordo com o próprio Geller: “Temos hoje um procedimento demorado, custoso e, ao mesmo tempo, ineficiente em termos da garantia da proteção ambiental. Somos o país com a legislação ambiental mais complexa do mundo, sem estarmos entre aqueles que desempenham os mais efetivos resultados”. Gostaríamos de perguntar: que resultados são esses? Pode parecer que visam o progresso e desenvolvimento das forças produtivas nacionais, mas não se engane. O que ele e todos os capitalistas querem dizer é o mesmo de sempre: lucros exorbitantes às custas da qualidade de vida e direitos básicos da maior parte da população, a classe trabalhadora.

Uma auditoria realizada em 2019 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) demonstrou que o IBAMA atua de forma “tempestiva” na maioria dos casos de licenciamento analisados. Das mais de 14,4 mil obras paralisadas no país naquele ano, apenas 1% estavam nessa situação por questões ambientais. Em 1/4 dos casos os empreendimentos haviam sido abandonados pelos próprios empreendedores e os atrasos ocorrem em sua maioria devido à demora por parte dos interessados em fazer as devidas correções solicitadas nos estudos. A estratégia por trás dessa culpabilização do licenciamento ambiental é clara: sucatear os serviços públicos e depois oferecer de mão beijada à iniciativa privada, afrouxando os órgãos regulatórios.

A lição que podemos tirar dessa tramitação toda é uma só: apenas a organização da classe trabalhadora, em união com os povos originários indígenas e quilombolas, em uma integração do campo e da cidade, pode resolver os problemas ambientais como uma saída e superação dos problemas ambientais que enfrentamos.

Uma reforma agrária radical seria a expropriação de todo o latifúndio, sem nenhuma indenização para os latifundiários grileiros e genocidas. A partir de uma aliança da classe operária urbana com os camponeses pobres, as nações indígenas e quilombolas, poder-se-ia impor a distribuição de terras para todos aqueles que queiram nela trabalhar, incentivando assim a agricultura familiar, a agrofloresta, técnicas de permacultura e produção de alimento limpo e barato, livre do veneno que visa o lucro no lugar da saúde e independência alimentar da população.

Além da defesa das terras dos pequenos proprietários, se torna imprescindível a demarcação imediata de todos os territórios indígenas, quilombolas e tradicionais, avançando no apoio incondicional das nações indígenas se autodeterminarem e terem sua organização independente e soberana.

Diante disso, defendemos a luta por uma Assembleia Constituinte livre e soberana, que seja livre para que todo líder indígena, camponês e sindical possa ser votado para defender até mesmo uma reforma agrária radical; soberana para que tudo que se decida lá seja referendado sem nenhuma interferência dos poderes antigos do estado burguês. Essa assembleia poderia ser um espaço para debater com toda a sociedade que o capitalismo é um sistema por si só podre e insustentável, sendo incompatível com a preservação ambiental pois seu objetivo é a acumulação infinita nas mãos de poucos. Assim, podemos potencializar a luta por um governo de trabalhadores em ruptura com o capitalismo e abolindo então a devastação deste planeta que chamamos de lar.


Nota Editorial Esquerda Diário:

Este é um texto escrito por colaboradores do Esquerda Diário, dentre eles professores de biologia e pesquisadoras da área do meio ambiente na UnB. Nós do Esquerda Diário deixamos aberto nosso diário para toda a comunidade científica que se coloca contrário aos absurdos anti-ambientais desse regime de Bolsonaro, Mourão, militares, centrão e todos os golpistas que, desde o golpe institucional de 2016 que teve o agronegócio como base fundamental de apoio, vem atacando a classe operária e os povos originários ainda mais do que o PT já estava fazendo em seu governo.

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