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ESQUERDA CHILENA
O que a esquerda brasileira precisa saber sobre as eleições no Chile?
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Nesse final de semana, o Chile viveu um processo eleitoral que definiria os representantes da nova convenção constituinte, responsável por redigir a nova constituição, além dos cargos para governadores regionais, prefeitos e vereadores.

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Como debatemos no Esquerda Diário, a convenção constituinte foi convocada pelo próprio governo direitista de Piñera, em profunda crise, como forma de canalizar para o interior das instituições do regime herdeiro de Pinochet a raiva das ruas em 2019. O caráter antidemocrático da convenção se desenhava desde o início: garantia a impunidade de Piñera pelos crimes cometidos, vetava a participação da juventude chilena menor de 18 anos, que foi a vanguarda que iniciou a explosão social de outubro de 2019; e permitia que 1/3 dos votos fosse suficiente para vetar toda iniciativa fundamental, o que privilegiava as forças da direita e de todo o regime. Não se tratou, portanto, de uma convenção nem livre, nem soberana: sua função é apenas redigir a nova constituição, e os poderes constituídos é que supervisionariam e teriam o direito de chancelá-la, ou não.

Derrota da direita e da ex-Concertación

Na votação, os partidos tradicionais, que nas últimas décadas alternaram o poder em La Moneda e coabitaram no Parlamento, foram os grandes derrotados nestas eleições de desvio institucional da rebelião popular de 2019. A coalizão da direita recebeu sua pior votação histórica. Não chegou nem perto de alcançar o objetivo de obter um terço da convenção que redigirá a Constituição, com pouco mais de 20%. Vai tentar alcançar poder de veto aliando-se com os “progressistas neoliberais” da ex- Concertación, também derrotada, que obteve pouco mais de 14%. Composta pela Democracia Cristã e pelo Partido Socialista de Michelle Bachelet, a ex-Concertación foi chave em toda a política destes 30 anos e continuadora de toda a herança da ditadura pinochetista.

As direções reformistas saem vencedoras

Nas eleições, surgiu a “novidade” representada por líderes independentes e cidadãos (Listas del Pueblo), que em múltiplas chapas colheu 40% dos votos, um indício do rechaço aos partidos do regime. Tratou-se de um dos principais fenômenos das eleições chilenas, expressando desconfiança dos partidos políticos identificados com a administração da herança social neoliberal da ditadura. Também expressa uma rejeição da forma como "os políticos" exercem o poder, da "cozinha parlamentar", do qual é parte não apenas a direita e a ex-Concertación, mas também a Frente Ampla.

O Partido Comunista e da Frente Ampla (Apruebo Dignidad) também saem vencedores, apesar do papel auxiliar que cumpriram como salvavidas de Piñera desde a rebelião de 2019. Junto às burocracias sindicais fizeram todo o possível em buscar dividir a classe trabalhadora dos setores populares e da juventude.

A Frente Ampla chegou a votar a favor das leis criminalizantes de Piñera contra as manifestações, depois de assinar um “Acordo pela Paz” que permitia que o assassino Piñera seguisse na presidência. O Partido Comunista, através da central sindical da CUT, deteve a continuidade da poderosa greve geral do 12N de 2019, e foi o responsável por colocar freios nos portuários chilenos após a forte paralisação nacional do 30 de abril de 2021. O "fenômeno" dos candidatos independentes, e em particular da Lista del Pueblo, possuem um programa semelhante ao da coalizão reformista do PC com a Frente Ampla.

As candidaturas revolucionárias dos trabalhadores tiveram grande resultado

O Partido de Trabajadores Revolucionarios (PTR), que participou das eleições com a chapa “Trabajador@s Revolucionari@s para la Convención Constitucional” conquistou 52.340 votos a nível nacional. Trata-se da única esquerda no país que apresentou um programa de independência de classes, revolucionário e socialista, para denunciar a armadilha da convenção constituinte, e batalhar contra a ilusão de que ela colocaria abaixo a constituição de Pinochet, quando os próprios partidos do regime querem usá-la para preservar a herança pinochetista. Ao contrário do que diz Sâmia Bonfim, do MES/PSOL, que simplesmente ecoa a propaganda de toda a imprensa liberal de que a herança pinochetista "sumiu" com as eleições. A classe dominante agradece.

Por isso, as candidaturas encabeçadas pelo PTR defenderam retomar as mobilizações nas ruas para derrubar Piñera, para atacar os interesses dos capitalistas e impor pela luta uma verdadeira Assembleia Constituinte, Livre e Soberana, contra a farsa do regime com a convenção antidemocrática. O companheiros da corrente internacional da CST/PSOL (MST) estiveram junto ao PTR na frente de independência de classe.

O Partido de Trabajadores Revolucionarios, organização irmã do MRT brasileiro no Chile, promove a Rede Internacional La Izquierda Diario e faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional.

Com destaque, o dirigente sindical da fábrica de explosivos Orica e candidato a governador, Lester Calderón, obteve 21.387 votos em Antofagasta (coração da produção mineira no Chile e centro operário do país), o que corresponde a 12,78%. A chapa de candidatos constituintes do PTR daquela região, encabeçada por Daniel Vargas, obteve 10.677 votos, representando 6,87%. Na mesma cidade de Antofagasta, Natalia Sánchez, médica do Hospital Regional de Antofagasta, que foi a organizadora das brigadas de saúde da cidade durante a rebelião de 2019 e do Comitê de Emergência e Resguardo, foi eleita vereadora da comuna de Antofagasta, com 7.430 votos, ganhando um assento municipal a serviço da luta da classe trabalhadora e do povo.

Na categoria de vereadores, a chapa do PTR obteve 13.356 votos considerando as comunas de Antofagasta, Santiago e San Miguel. Obtivemos um total de 87.083 votos e superamos partidos como o Partido Humanista de Pamela Jiles e a União Patriótica, entre outros candidatos.

Lester Calderón

Em Antofagasta, Lester Calderón surgiu como um dos principais referentes políticos do movimento operário na região. Disputando o cargo de governador da região, superou a Federação Social Verde Regionalista (parte da coalizão reformista entre o Partido Comunista e a Frente Ampla) e se posicionou como a quarta força política regional com mais de 13% dos votos, alguns pontos atrás do candidato da oficial da Frente Ampla.

Lester foi apoiado por trabalhadores de diferentes setores, tais como portuários, mineiros, industriais, da saúde e educação, de diferentes municípios, especialmente em Antofagasta e Calama. Mais de 50 dirigentes sindicais e 20 sindicatos apoiaram sua candidatura operária. Esse reconhecimento não é em fortuito: é fruto de uma construção orgânica no movimento operário, a luta pela auto-organização e coordenação das lutas contra a burocracia sindical, e a estratégia de hegemonia dos trabalhadores sobre seus aliados pobres e oprimidos. Lester foi uma das referências na construção do Comitê de Emergência e Resguardo (CER), um espaço de coordenação entre sindicatos, organizações territoriais, profissionais, estudantes, ativistas sociais, entre outros setores, que desempenharam um papel fundamental na explosão social de 2019. O CER foi capaz de impor à burocracia da CUT uma mobilização unitária com mais de 25.000 pessoas no contexto da greve geral de 12 de novembro de 2019, com um programa que abrangeu as demandas sociais de outubro, a luta pelo "Fora Piñera" e a exigência de uma Assembléia Constituinte Livre e Soberana.

A votação de Lester marca a irrupção de uma nova força no cenário político regional, representante da classe trabalhadora e da rebelião de outubro de 2019.

Outros resultados significativos obtidos por nossa chapa no distrito 23 (Temuco, Tolten, Villarrica, Freire, etc.), com 3.580 votos, no distrito 12 (Puente Alto, La Florida, La Pintana, Pirque, San José de Maipo) com 5.413 votos, no distrito 8 (Cerrillos, Colina, Estación Central, Lampa, Maipú, Pudahuel, Quilicura e Tiltil com 5. 938 votos, no distrito 9 (Cerro Navia, Conchalí, Huechuraba, Independencia, Lo Prado, Quinta Normal, Recoleta, Renca) com 8.008 votos e no distrito 13 (El Bosque, La Cisterna, Lo Espejo, Pedro Aguirre Cerda, San Miguel, San Ramón) com 6.467 votos.

Com mais de 52 mil votos, a chapa encabeçada pelo PTR, embora não tenha eleito constituintes, teve bons resultados e apresentou uma alternativa operária e socialista com importante adesão na vanguarda dos combatentes de 2019. Os companheiros do PTR participaram destas eleições com um grande esforço militante, sem o dinheiro dado pelos grandes empresários a seus partidos, coletando milhares de assinaturas em plena pandemia para conseguir a legalidade e com somente 1 segundo na propaganda eleitoral. Foram os portavozes do combate não apenas aos partidos tradicionais, mas à estratégia de conciliação de classes dos reformistas do Partido Comunista e da Frente Ampla, colaboradores na manutenção de Piñera, odiado pelas massas. Chegaram com um programa operário, socialista e revolucionário, a centenas de milhares de trabalhadores. Organizaram centenas de companheiros e companheiras que colaboraram com o PTR nas fábricas, minas e portos, escolas e bairros populares, para defender neste terreno adverso a única perspectiva realista para acabar com o regime dos 30 anos, herdeiro da ditadura. Mais importante, batalharam por retomar a luta de 2019 para acabar com este regime que levou milhões de trabalhadores e trabalhadoras aos piores sofrimentos.

Bloco do PTR no 23 de outubro de 2019

Trata-se de uma base substancial para fazer emergir uma grande organização revolucionária no Chile, que não tem receio de combater de frente os reformistas do PC-FA, batalhando para que não levem à frustração e resignação a nova geração de lutadores que surgiu em 2019 e que busca um instrumento para enterrar o regime burguês herdeiro da ditadura, algo impossível de se conquistar por fora da luta de classes.

A LIT/PSTU se dissolve num programa reformista da Lista del Pueblo

Como dissemos, a chapa encabeçada pelo PTR tinha como norte estratégico a defesa de um programa de independência de classe, que se enfrenta com as direções reformistas e burocráticas. Não se pode dizer o mesmo, nem de longe, da candidatura apresentada pela LIT/PSTU.

O Movimento Internacional de Trabalhadores (organização irmã do PSTU brasileiro) somou-se de forma oportunista à maré “independente” e “contra os partidos”, finalmente entrando na Lista del Pueblo cujo programa não possui qualquer delimitação de classe (qualquer coisa longe do socialismo), que convidava seus eleitores a “respeitar cabalmente a constituição chilena” (a constituição de um Estado burguês, também redigida por todos os partidos direitistas e neoliberais!) e “respeitar o regime democrático e a ordem pública (sic!), já que consideram lutar por um “Estado ativo no enfrentamento da pobreza”. Esse programa incrivelmente frentepopulista, de respeito ao Estado capitalista, foi o que elegeu a candidata convencional María Rivera da LIT/PSTU.

O respeito sagrado à constituição, é claro, vem com a adaptação às direções reformistas e burocráticas que bloquearam as tendências expansivas da rebelião de 2019: seu programa não se diferencia das propostas das defendidas pela chapa Apruebo Dignidad (do PC e Frente Ampla). Estranha "vitória da classe trabalhadora", quando se faz com um programa que objetiva desorganizar os trabalhadores.

Esta adaptação a listas frentepopulistas também foi o caso da corrente chilena da Alternativa Socialista/PSOL (parte da Liga Internacional Socialista), que depois de discussões para o impulso de uma frente de independência de classe com o PTR, terminou lançando duas candidaturas independentes.

A verborragia “esquerdista” que o PSTU tem no Brasil se descobre do outro lado da cordilheira: aqueles que dizem “não se contaminarem pelas eleições”, se dissolveram num programa frentepopulista que propõe “um novo constitucionalismo” (burguês?), sem deixar nada a desejar aos reformistas Frente Ampla. É um complemento compreensível diante da política do PSTU no Brasil, que defende um impeachment de Bolsonaro (“com a mais ampla unidade de ação”, e sendo fiéis à palavra, se juntam numa live até mesmo com a extrema direita de Kim Kataguiri e Joice Hasselmann) junto a uma “alternativa socialista” em 2022. A política do impeachment, que compartilha com o PSOL, leva o PSTU a defender um programa cujo resultado é o general Mourão na presidência, em acordo com todo o regime golpista (já que todo impeachment significa um refortalecimento das instituições do Estado).

No Chile, as “favas estavam contadas”, porque o PSTU antecipava suas capitulações ao defender a própria convenção constituinte aprovada por eminentes figuras da direita, como Joaquín Lavín e Pablo Longueira, da Unión Demócrata Independiente (UDI), e pela coalizão reformista do PC com a Frente Ampla. Diante da batalha por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, e a armadilha do governo Piñera (com a “cozinha” parlamentar, que vai da direita até a Frente Ampla), o PSTU adotou a mesma política da oposição burguesa que promove o engano difundido pelos poderes constituídos.

Assim como no Brasil adota a política da oposição liberal (impeachment) contra as consignas democrático radicais como a Constituinte Livre e Soberana, no Chile faz o mesmo, defendendo “a constituição e a ordem pública” permitidas pelo regime herdeiro de Pinochet. Uma vergonha.

Que há de independente na política da LIT/PSTU no Chile? Nada, como em praticamente nenhum dos poucos lugares do mundo em que atua. Em geral, os morenistas sempre dizem, partindo de uma posição supostamente de “esquerda”, que não é preciso levantar a consigna democrático-radical da Assembleia Constituinte, porque esta geraria “ilusões na democracia burguesa”, ou seja, seria “democratizante” em si mesma. Debatemos em outros artigos sobre a situação no Brasil porque grupos como o PSTU, assim como várias correntes do PSOL, não entendem a força das consignas democrático-radicais para erodir a hegemonia burguesa, quando articulada em dinâmica transicional numa estratégia permanentista. Ora, basta algum governo burguês convocar uma Convenção Constituinte NÃO Livre NEM Soberana (como ocorre com os governos burgueses na época imperialista) e as correntes que se reivindicam morenistas correm afobadas a participar dela incondicionalmente, adaptando-se às armadilhas da reação democrática.

Ir às eleições com bandeiras claras e sem esconder nossa perspectiva de construir um partido revolucionário da classe trabalhadora é fundamental para preparar as lutas que estão por vir. Não é a virtude dos morenistas do PSTU.

 
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