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O luto das mães de Jacarezinho e a morte de policiais, um debate com Boulos
Flávia Telles

Em recente artigo publicado na Folha de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), ao tratar do luto das mães de Jacarezinho, comparou as vítimas da chacina com o policial morto na operação, dizendo que é “outra face” do mesmo problema. Mas é possível comparar a polícia do Estado capitalista, que existe para reprimir e massacrar trabalhadores e o povo negro, com as vítimas dela?

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imagem: José Cícero da Silva/Agência Pública

Na quinta-feira, uma operação da polícia civil do Rio de Janeiro realizou um verdadeiro banho de sangue na favela do Jacarezinho, levando à morte 28 pessoas e se configurando como a segunda maior chacina da história do Rio de Janeiro. Mães relatam que ouviram de policiais que “20 mães chorando era pouco”. Jacarezinho é a expressão da brutal violência policial que acomete negros e pobres no país e que tem sua expressão mais aguda no Rio de Janeiro e tem Bolsonaro, Mourão e Claudio Castro como responsáveis.

A partir disso, governos e a polícia trataram de dar suas versões. Bolsonaro disse que não poderiam ser tratados como vítimas, porque “roubam, matam e destroem famílias” e prestou homenagem ao policial que foi morto na operação. Mourão disse que eram “tudo bandido”, e o delegado de polícia Rodrigo Oliveira declarou que “a única execução que houve foi a do policial, infelizmente”. A única, os outros 27 mortos, todos negros, não são considerados nem mesmo vítimas pelos governos e polícia.

Diante da ideia de que existem corpos negros que podem ser tranquilamente descartáveis, sem direito nem mesmo a julgamento, o papel da esquerda deveria ser o de dizer que Jacarezinho foi uma verdadeira chacina de uma instituição racista que só serve para reprimir e que tem Bolsonaro e todo regime do golpe como responsáveis. Mas Boulos, na denúncia que fez do caso na Folha de São Paulo, dizendo corretamente que o dia das mães foi de luto para as mães de jacarezinho, colocou num mesmo patamar as vítimas da chacina policial com um policial que morreu na operação, como se fosse fruto de uma mesma política que “expõe” policiais à morte.

“É a outra face da desastrosa política de "segurança pública" para as comunidades do Rio e do país, batizada de guerra às drogas. Temos no Brasil a polícia que mais mata e mais morre. O mesmo modelo que promove a barbárie nas favelas expõe policiais, muitos deles também pobres e negros, à violência.”

Mas uma pessoa quando ingressa na força policial, deixa seu caráter de trabalhador/a, negrx, faveladx, de oprimido, para ser parte de uma força armada a serviço da burguesia, dos patrões e os latifundiários. A polícia é uma instituição armada pelo próprio Estado para cumprir essa tarefa. Por tanto, os policiais não são nem pobres, nem negros, nem oprimidos. São assassinos.

As mães de Jacarezinho sabem disso, porque os policiais queriam vê-las chorando a morte de seus filhos. A tia de João Pedro, menino morto há um ano em uma operação no RJ, também disse que “eles chegam atirando”, ou a mãe de Marcus Vinicius, de 14 anos, morto em 2018 pela polícia, que disse: “É um Estado doente que mata crianças com roupa de escola”. Portanto, a morte de um policial que entrou na favela para massacrar os jovens de Jacarezinho não pode ser comparada ao banho de sangue que promoveram e promovem, não por um “excesso”, ou um por uma “política” específica de segurança pública, mas porque essa é a função da polícia.

O exemplo internacional do Black Lives Matter e a luta por justiça a George Floyd abriram fortes debates da necessidade de abolir a polícia, justamente porque se defrontava com os limites de reformar uma instituição que só existe para reprimir e matar. Além disso, o exemplo atual da Colômbia, onde as forças repressivas de Ivan Duque se colocam para sufocar a resistência contra os efeitos da crise capitalista e pandêmica aos trabalhadores e a população, é mais uma expressão de que é impossível ter qualquer ilusão nessa instituição.

Mas além de comparar as vítimas com quem reprime e mata, Boulos ainda coloca que a saída é que a polícia tenha mais “inteligência e investigação”. Mas o que é “inteligência”? Melhores armas, melhores aparelhos de monitoramento, melhores munições? Mais “inteligência” para a polícia significa aprimorar os mecanismos de controle e repressão, se reverteria imediatamente em mais monitoração, perseguição e repressão dos movimentos sociais, aos trabalhadores e a juventude. Além disso, nenhuma investigação séria pode vir da polícia nesse caso. Não há como investigar seriamente Jacarezinho sem exigir, com a força da luta dos trabalhadores e do povo negro, uma investigação independente, que seja tomada pelos movimentos de direitos humanos, movimento negro, familiares e sindicatos, e não pelo Ministério Publico, como defende a ONU.

Uma luta que deveria também ser parte de dizer Fora Bolsonaro, Mourão e os militares, esses que tem as mãos sujas do sangue negro e que vieram aprofundando, junto ao STF e todo regime golpista, medidas autoritárias e repressivas ainda mais duras do que o próprio PT tinha. Um exemplo é a LSN, Lei herdeira da ditadura, que agora foi substituída por uma “nova LSN” do Congresso que mantém seu conteúdo autoritário com uma cara democrática, e que é um verdadeiro pano de fundo para esse tipo de repressão sumária da população.

Mas a política do PSOL e de Boulos vem se colocando cada vez mais sob o guarda chuva do PT, e portanto com um projeto que busca fortalecer não a independência de classe perante todas essas forças do regime, mas a busca por aliados dentro dele e assim conservar um regime que é cada vez mais ajustador e que busca despejar nas costas dos trabalhadores a conta da crise. Um exemplo é a própria defesa que fazem do impeachment de Bolsonaro, que deixa o caminho livre para Mourão assumir, um herdeiro direto da ditadura militar, se reunindo com figuras como Joice Hasselmann para isso, outro é que a “nova LSN” chegou até mesmo a ter apoio de figuras como Freixo.

A ideia de que é possível reformar a polícia, a herança da ditadura e o próprio Estado e suas instituições é o que permeia e avaliza essas políticas, em especial do PSOL. A chacina do Jacarezinho deveria ser um grande alerta de que esse caminho é impossível e só vai levar a mais derrotas, repressão e massacres. O único caminho é apostar na força da mobilização dos trabalhadores junto aos negros, mulheres e lgbts, por isso é preciso que o conjunto da esquerda exija que as centrais sindicais, como a CUT e a CTB dirigidas pelo PT e PcdoB, que dirigem centenas de sindicatos e movimentos no país rompam a paralisia e façam a força da luta negra se unificar com a classe trabalhadora brasileira que é majoritariamente negra no nosso país e possam arrancar justiça por Jacarezinho, por Marielle e por todos nossos mortos.

É levando essas ideias que nós do Quilombo Vermelho e do MRT vamos ser parte das manifestações desse dia 13 de maio, dia do aniversário da abolição da escravidão que foi conquistada com as revoltas negras e não com a benevolência do império. Somente com a nossa mobilização é possível impor justiça e assim estar lado a lado das mães de Jacarezinho.

 
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