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PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
O laboratório brasileiro
Iuri Tonelo
Recife
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Três experimentos têm sido realizados no Brasil.

O primeiro, anunciado há muito, mas revelado há pouco, é Manaus, que foi palco internacional da tentativa da imunidade de rebanho. Terminou numa das cenas mais tenebrosas da pandemia, com crise da falta de oxigênio para a população e corpos sendo empilhados nas valas.

O segundo, se refere à dimensão social, com a epidemia da fome. Segundo os últimos dados do final de 2020, já eram 20 milhões de atingidos. Hoje são, possivelmente, mais. A experiência sádica dos abutres do capital financeiro tem sido bem sucedida em conduzir o país aos velhos ares dos anos 1990, numa espécie de neoliberalismo pandêmico com militares no governo.

Essas duas experiências têm a batuta de forças do capital estrangeiro e das potências imperialistas, sobretudo os Estados Unidos. Forças que acompanham, detidamente, a evolução do cenário brasileiro. Enquanto isso, nos países vizinhos, se acumulam sintomas de que essa experiência possa vir a dar errado, haja vista a rebelião colombiana.

O terceiro experimento, para o qual queremos chamar a atenção, se localiza no mundo do trabalho. Parece que o Brasil se tornou um laboratório da precarização.

Para entender o caso brasileiro, falemos inicialmente das grandes concentrações da precarização laboral em âmbito internacional. Nas últimas décadas tem sido consensual que a economia chinesa se tornou locus fundamental da precarização do trabalho, cumprindo o papel de rebaixar o valor da força de trabalho internacional com o status de fábrica do mundo. No entanto, as pretensões de se tornar potência impõe ao país a necessidade de aumentar a produtividade do trabalho e, paulatinamente, a massa salarial. Assim, a pergunta que emerge é a seguinte: qual a nova “promessa” da devastação laboral capitalista?

Diante desta questão, a Índia, com sua população de 1,3 bilhão de pessoas, aparece como um local de evidente importância no continente asiático. Pelo enorme peso do proletariado indiano, uma das chaves da atual reconfiguração internacional do trabalho está nesse país. Mas os movimentos do capital parecem ter apontado, também, para outro oceano, o Atlântico. Analisando o relatório Global Wage Report 2020–21: Wages and minimum wages in the time of COVID-19 [1] da Organização Internacional do Trabalho, nos deparamos com a seguinte informação: no últimos anos, México e Brasil são os campeões do G-20 em tendência a manter ou rebaixar os salários.

Índice de salário real médio para os países do G20, 2008–19

A OIT divide o G-20 em economias avançadas e “emergentes”. Para isso agrupa, entre os considerados “emergentes”, 10 países com características bastante distintas, numa definição um tanto “forçada”, basta ver os traços imperialistas da China nos dias de hoje e as diferenças com os demais. No entanto, uma marca distintiva destes, para a qual queremos chamar atenção, é a forma de controle estatal e a existência de governos repressivos, alguns com características bonapartistas.

Começando por China e Rússia, dois países que viveram restaurações capitalistas e foram tornados baluartes da depressão salarial, imposta a ferro e fogo pela burocracia estatal chinesa com Xi Jinping à frente e por Vladimir Putin no caso russo. A Índia como apontamos é a nova promessa da espoliação laboral, não por acaso protagonizou em novembro de 2020 uma greve que foi considerada uma das maiores da história, com 200 milhões de trabalhadores paralisados.

A Indonésia é parte de uma das regiões de maior exploração laboral do mundo, de onde surgiram os chamados novos tigres asiáticos, em especial depois da crise asiática de 1997. No Oriente Médio, a Arábia Saudita vive baseada em uma ditadura de Salman al Saud que rege a imensa desigualdade com as riquezas do petróleo e Erdogan na Turquia entre primeiro-ministro e presidente está no poder desde 2003. África do Sul, devemos lembrar, foi onde ocorreu a repressão à luta dos mineiros de Marikana em 2012 resultando na morte de 34 deles, um massacre comparável apenas ao de Shaperville em 1960. É com ações como essa que se mantém a precarização laboral.

É chamativo, então, olhar para o contexto latino-americano à luz dessa questão. Os ataques à classe trabalhadora no caso mexicano são baseados numa repressão estatal extremamente violenta, que banalizou a perseguição sindical e aos movimentos e o assassinato de lutadores. O México merece uma reflexão a parte, uma vez que faz fronteira com a principal potência espoliadora internacional, no entanto os elementos repressivos são evidentes já numa primeira mirada, basta recordarmos do caso do assassinato de 43 estudantes normalistas em 2014 que, no contexto pós-2008, chamou atenção internacionalmente.

Olhando o conjunto desses casos não parece que a figura grotesca e ensandecida de Bolsonaro, apoiada nos militares, seja uma peça fora do lugar frente a esse laboratório da selvageria contra o mundo do trabalho. Não é possível desassociar o avanço das medidas repressivas e do governo permeado por militares dos ataques que o capital financeiro quis implementar no Brasil.

Não é novidade o status do Brasil como um país da desigualdade, marca que carrega há muito tempo. No entanto, no caso do mundo do trabalho, é preciso levar em conta que as elites escravocratas, latifundiários e o capital financeiro se assustaram com o que viram no ascenso operário do final dos anos 1978-80. Não foi uma revolução, mas mostrou a força de um dos proletariados mais robustos do mundo. Certamente o neoliberalismo no país foi intenso, mas distinto de outros países: alguns serviços públicos foram mantidos, como o SUS; não foi possível privatizar tudo, algumas importantes empresas seguiram estatais, como a Petrobrás; a precarização foi aumentada, mas não como o “projeto sudeste asiático”. Não era esse o projeto (ou a relação de forças não permitia ir além) até a recessão de 2014 pegar forte no país. A partir daí veio a pergunta do capital financeiro: por que não reeditar os ataques neoliberais e explorar mais as possibilidades desse imenso laboratório continental da precarização?

Por isso, parte dos aspectos mais essenciais da explicação do golpe de 2016 está na necessidade de se avançar a passos largos no experimento do laboratório da precarização, muito além do que os governos petistas haviam avançado com o avanço da terceirização do trabalho. Em 2017, ocorre a mudança da legislação trabalhista e o incremento do trabalho intermitente, agora legalizado. A ampliação das possibilidades de terceirização, agora irrestritas. Ampliou-se também a nova faceta da reestruturação pós-2008, com a uberização do trabalho atingindo 4 milhões de trabalhadores no país.

Não é muito difícil imaginar que colocar num laboratório os mais avessos à ciência, pode resultar em problemas importantes. Bolsonaro e militares estão jogando no mesmo caldeirão as mortes de milhares na pandemia, a fome de milhões e a precarização de dezenas de milhões. O que resultará dessa poção diabólica preparada com tanta covardia pelo capital financeiro?

Resolveram deixar Lula na porta do laboratório, de olho, criticando sutilmente e preparado para botar a mão na massa, consertar um pouco essa difícil mistura. Talvez a hora que perceberem o resultado, não será possível corrigir o feito com pitadas de conciliação.

Algumas vezes esses experimentos dão errado e o laboratório inteiro explode.

 
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