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POLÍTICA
O que expressa o voto de Ciro Nogueira para a presidência da CPI da Covid?
João Salles
Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP

As movimentações políticas geradas a partir da “CPI da Covid” tem servido para demonstrar que a estratégia e os posicionamentos eleitorais para a disputa de 2022 estão verdadeiramente por trás dos interesses da instalação da comissão, diferentemente do que tem dito setores da mídia e partidos políticos que enxergam uma suposta “revelação da verdade” por trás da catástrofe sanitária da pandemia no país. O “jogo duplo” de Ciro Nogueira (PP-PI) na CPI chamou atenção, e reforçou o discurso de setores do bonapartismo institucional de aproveitar o debilitamento de Bolsonaro para disputar sua base social no congresso em um projeto “alternativo”, a “Ponte para o Futuro II” nas palavras de Maria Cristina Fernandes. Para onde caminha a República do Golpe Institucional?

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Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

"Et tu, Brute?" ("Até tu, Brutus?") teria dito o romano Júlio César ao ser apunhalado por Marco Bruto, seu protegido e "filho adotivo" na política da Roma Antiga.

Desde antes de sua instalação a CPI que supostamente teria a intenção de investigar as ações e omissões do Governo em relação ao combate a pandemia já gerou certos abalos no regime político golpista. Longe de buscar escancarar o “todo da cena” - o que exigiria também questionar e investigar os próprios juízes e parlamentares a frente dessa comissão - é fato que tem aprofundado o desgaste da figura de Bolsonaro em especial, mas a CPI também ensaia um avanço em debilitar um setor proeminente no autoritarismo da política brasileira, os militares, visando as disputas eleitorais para 2022.

Veja aqui: Militares estarão no centro da CPI da Covid, para desgastar Bolsonaro?

Nesse marco é que se dá o tal jogo duplo de Ciro Nogueira, conhecido como "Zero Cinco" (em alusão a ser uma espécie de "filho adotivo" pela proximidade com Bolsonaro), e declaradamente aliado do presidente. Não à toa protagonizou a pressão para que os senadores “escolham a CPI que queiram integrar” (por regimento os parlamentares não podem integrar mais de uma comissão ao mesmo tempo) e nesse caso forçando a um rearranjo em outros flancos atacados do bolsonarismo como a “CPI das Fake News”. Bem como a bravata de denunciar Renan Calheiros (MDB-AL) para a relatoria da “CPI da COVID”, assim como fez Bolsonaro e seus filhos.

Acrescentemos também o lançamento de sua pré-candidatura para o Governo do Piauí em oposição a gestão atual de Wellington Dias (PT), onde Nogueira fez fortes acenos a Bolsonaro dizendo que esse é “O presidente mais bem intencionado desde que entrou na política” e que busca consolidar esse bastião para o Centrão e seu partido. Mas seria apressado concluir que isso se dá para necessariamente fortalecer a política de Bolsonaro para 2022, vejamos porque.

Ao mesmo tempo Nogueira declarou abertamente seu voto em Omar Aziz (PSD-AM) para presidir a comissão junto a setores da dita “oposição”, descentralizado do bloco governista no Senado que tentava emplacar Eduardo Girão (Podemos-CE) e acabou somando somente três votos dos quatro da base aliada do governo. Mesmo sem o voto de Nogueira era evidente que Aziz levaria a presidência da comissão, e que inclusive defenderia Renan Calheiros para a relatoria contra os protestos dos aliados de Bolsonaro. Mas então qual seria a razão de explicitar seu voto e correr o risco de se indispor com o bolsonarismo?

O fato é que a localização desse setor na política, herdeiros do Arena da ditadura militar, sempre foi de um fisiologismo profundo e longe de qualquer princípio que não a garantia de seus próprios interesses. Para se ter noção, desde que chegou ao Congresso, Nogueira foi base de todos os governos de turno, primeiramente pelo PFL e posteriormente pelo PP. Estamos falando dos governos de FHC (PSDB), Lula (PT), Dilma (PT), o golpista Temer (MDB) e agora de Bolsonaro (Sem partido). É evidente que Nogueira faz parte de um setor da política que busca vender seu apoio a quem garantir a melhor oferta. Mas seu jogo duplo nessa recente crise do governo pode ser um sinal de um movimento mais geral de reordenação de forças.

As tentativas de ingerência e entraves jurídicos para o andamento do processo, levados a frente por uma ala bolsonarista do bonapartismo judiciário, e a própria votação do presidente da comissão escancaram que o desenrolar da crise do governo está longe de seu fim. Bolsonaro está “nas cordas”, golpeado em muitos aspectos de sua política:

1- O imperialismo democrata de Biden, vendo o isolamento do presidente de extrema-direita no Brasil após a derrota de Trump, busca avançar em seu projeto de refundar o governo com sua política de “destrumpização” que mira os ministros ligados a ala ideológica de extrema-direita como Ernesto Araújo (que já caiu), Ricardo Salles e companhia. Para isso contam com o apoio de setores do Centrão no Congresso e outros atores do bonapartismo institucional.

2- Dentro dessa disputa, ainda que Bolsonaro siga sustentado não só pelas altas patentes militares, mas também pelo mesmo STF e Congresso que desferem contra ele golpes parciais e nada definitivos, é evidente que a linha negacionista descarada e nojenta do presidente e de uma ala dos militares representada por Pazuello não poderia seguir tal como era. A pressão forçou uma crise com a alta cúpula militar, uma reorganização dos ministérios e uma maior subordinação da política do governo aos interesses do Centrão, que cobra um preço caro para mantê-lo onde está.

3- O STF, alinhado aos interesses mais estratégicos de classe dos capitalistas, operou uma manobra política ao reabilitar os direitos de Lula, visando desviar e canalizar a revolta social gerada pelo agravamento da crise sanitária (a qual eles são tão responsáveis quanto) para o terreno das eleições. Evitando assim que processos disruptivos como no Paraguai e em outros países, e até mesmo as lutas embrionárias como a das trabalhadoras efetivas e terceirizadas da LG, se generalizarem e abalem mais radicalmente o regime do golpe. Para isso contam com a colaboração e disposição completa do PT em governar sob a tutela dessas forças.

É justamente neste terceiro ponto que se relaciona a questão da CPI e o fenômeno particular do Senador, definido como maior aliado de Bolsonaro na casa e que foi um dos principais articuladores da ida do Centrão para a base de apoio do presidente, Ciro Nogueira (PP-PI),

A colunista do Valor caracteriza o movimento como o pontapé inicial de um novo projeto de transição de governos, e faz referência, como parte da ala que fala no impeachment do presidente, a "Ponte para o Futuro”, o programa articulado por Temer com os setores do congresso para assentar as bases do golpe institucional de 2016, programa esse que contou com a participação de Nogueira que naquela época era base de Dilma e negociava com ambos os lados se preparando para os distintos cenários que dali discorreriam.

Mas o título assertivo expressa mais das intenções políticas desse setor do bonapartismo institucional do que de fato um movimento claro de Nogueira e sua ala em bancarem um impeachment de Bolsonaro. Importante lembrar que o presidente da Câmara dos Deputados e correligionário de Nogueira, Arthur Lira (PP-AL), já declarou que não há intenção de avançar com um plano desses e que a estratégia do centrão é portanto mais rebuscada. Se hoje se aproveitam desses elementos de desgaste do governo para avançarem em ocupar postos estratégicos e subordinar aos seus interesses o planalto (como indica o sinal amarelo de advertência de Lira a Bolsonaro), o fazem muito mais como manobra de posicionamento na corrida eleitoral do que um compromisso com a queda do presidente.

Nesse sentido um título desses também é um importante aceno de para onde aponta a política da frente ampla que encampa o “superimpeachment” hoje: frente a debilidade conjuntural do governo buscam disputar sua base social no Congresso para o projeto alternativo a Bolsonaro em 2022, e que se desenha cada vez mais claramente para uma chapa encabeçada por Lula (PT). O que não seria lá uma “novidade”, e está a depender do apoio que essa chapa irá angariar até lá, bem como as promessas realizadas a esse setor. E é aí que mora a armadilha dos capitalistas para os trabalhadores, o conjunto da população que sofre com a crise sanitária e inclusive de setores da esquerda que se reivindicam socialistas.

Veja também: "Superimpeachment": o outro nome para a política "Lula 2022"

É preciso batalhar por uma alternativa independente dos trabalhadores e oprimidos

Frente a calamidade social que estamos passando, com um nível próximo a 4 mil mortes diárias, escassez de vacinas e insumos no combate à pandemia, fome e desemprego que se alastram como o vírus pelo país, é compreensível que se expressem indignação, revoltas e protestos, não somente aqui. A questão é que as lutas em curso hoje, como a luta das trabalhadoras efetivas e terceirizadas da LG, das merendeiras sem salário no RJ, dos trabalhadores do metrô do DF, etc; não encontram nas organizações sindicais um ponto de apoio para unificar as lutas e defender o conjunto dos trabalhadores dos ataques capitalistas.

Isso fica claro quando em pleno 1° de Maio as centrais sindicais da CUT (PT) e CTB (PCdoB) resolvem chamar a direita para compor seu ato virtual enquanto seguem dividindo a luta das categorias. Podemos tirar valiosas lições da luta de hoje dos trabalhadores do Chile e da Argentina como exemplos para superar o entrave dessas burocracias traidoras!

O “superimpeachment” tem um efeito complementar na equação e serve como forma de lavar a cara da burocracia de sua paralisia em organizar os trabalhadores, dizendo que estão fazendo algo para se enfrentar com Bolsonaro “agora”. Mas também de ampliar o arco de alianças políticas em torno dessa chapa opositora, que agora conta nesse ponto com a convergência de setores da extrema-direita como Joice Hasselmann (PSL-SP), Alexandre Frota (PSDB-SP) e também de setores do PSOL, do PSTU e da UP.

É nesse projeto que aposta Maria Cristina Fernandes e sua coluna, e que nós do Esquerda Diário consideramos um erro grave depositar ilusão de que isso possa responder aos nossos interesses. Considerando também que quem assumiria seria Mourão, general saudosista da ditadura militar e cúmplice de Bolsonaro até aqui.

É por isso que a luta contra os ataques e a situação econômica deve estar vinculada a uma saída independente operária e popular, que articule essas lutas a demanda de vacina para toda população com a quebra das patentes e controle operário, bem como uma resposta política também independente das amarras da burocracia e sua frente ampla encoberta pela esquerda.

Lutemos por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, conquistada pela luta e pela auto organização dos trabalhadores em articular suas lutas em cada local de trabalho e estudo, levantando com força um movimento pelo Fora Bolsonaro, Mourão e os militares, mas sem confiar de que o STF, o Centrão e os governadores e essa frente ampla pra 2022 é a saída.

É preciso mudar não somente os jogadores, mas as regras desse jogo político hoje dominado pelos golpistas e fazer valer a soberania popular nos rumos do país. Que essas lições nos sirvam para escancarar de uma vez por todas que as contradições de interesse entre as classes que dividem hoje a sociedade só podem ser superadas com a conformação de um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

 
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