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SOBRE A GREVE DAS TRABALHADORAS DA LG
“Vamos trazer a vida ao piquete”: um pouco sobre a luta das terceirizadas da LG
Mateus Castor
Cientista Social (USP), professor e estudante de História
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Trabalhadoras em frente à fábrica terceirizada da LG

Durante a noite, um vendaval atingiu os piquetes das trabalhadoras da Suntech, Bluetech e 3G. A maior de todas as tendas, aquela que as protege do sol durante o dia e fornece o espaço para os almoços e jantares, foi tombada pela força a chuva. As barracas ficaram encharcadas e as trabalhadoras que passavam lá o seu turno noturno tiveram de correr para os carros. Na manhã seguinte, antes do sol surgir por trás das montanhas, a tenda já estava de pé, e o piquete seguiu, seguiu também a força e determinação das trabalhadoras que estão ameaçadas de demissão após seus patrões anunciarem o fechamento das fábricas da LG na região de Taubaté. O que a situação tem de difícil e dramática, essas trabalhadoras têm de determinação e garra.

Sobre a LG: 1.090.000.000 (1,09 bilhão) de reais. Esse foi o lucro da LG em 2020

A reestruturação produtiva da LG no Brasil é o que enfrentam essas guerreiras. “Reestruturação produtiva” são duas palavras frias e distantes das consequências terríveis para, pelo menos, 1000 trabalhadoras da LG - efetivos e das 3 fábricas terceirizadas. Como pode se chamar “restruturação produtiva” aquilo que destrói a fonte de renda para uma imensa maioria de mulheres operárias?

São elas justamente aquelas que produzem diariamente os lucros imensos desta multinacional, mas também são as primeiras a serem descartadas para a obtenção de lucros ainda maiores. Os impactos podemos ver nos relatos dessas operárias, como a seguir.

“Mas agora o reflexo daqui, com as companheiras, tem muitas que vai voltar a morar com a mãe. Tem muitas que vai terminar o casamento porque não aguenta, porque o dinheiro era seu, que você ajudava, as vezes da atrito, né (...). A vida de todo mundo aqui vai mudar, né. Tem criança em escola particular que já não vai ter mais. O padrão de vida vai cair. Quem faz faculdade vai trancar, quem não faz não vai fazer. Quem não tem, não conseguiu comprar casa, não vai comprar. Quem tem, vai ter que se virar, se não vai perder. Então é muito complicado."

Leia também: Carta das trabalhadoras terceirizadas para as trabalhadoras diretas da LG

O Esquerda Diário vem acompanhando e trazendo sua solidariedade às grevistas nas últimas semanas. Neste conflito entre patrões e trabalhadoras que perdura desde 6 de abril , tivemos a oportunidade de ouvir as suas histórias. Um pequeno comentário: há de se invejar a capacidade de misturar a situação dramática com o humor.

Foi neste sentido que, durante uma conversa, uma das piqueteras estimulou a sua colega de trabalho e luta a contar o seu relato, os pedidos se generalizaram entre as amigas. Uma delas afirmou que quase engasgou de rir enquanto almoçava e ouviu o que o filho de sua amiga havia feito e dito. "Tem que rir para não chorar" elas diziam. O tema tinha relação, justamente, com a comida. O motivo a trabalhadora conta, também rindo:

“Só porque eu contei que não tava comprando carne porque tava caro e quando eu comprei ele me abraçou. ’Obrigado, mãe’ (risos gerais). "Tava muito caro. A gente que tá empregada no momento, tá difícil pra gente. Imagina pra pessoas que não tá. Então a carne é uma coisa que não vai aparecer por muito tempo. Então a gente vê como vai ficar mais crítico pra todas nós e pra todos que ainda não entraram no mercado de trabalho.”

Todas estão enfrentando problemas semelhantes e se identificam em suas angústias e risadas. Nessa situação, a indignação se expressou pela inocência e necessidade de um filho, se expressou coletivamente pelas mães através do riso compartilhado diante de tamanho absurdo. Também se expressa coletivamente a luta destas trabalhadoras, que há dias seguidos lutam contra todas situações absurdas como esta, que passam diariamente nesta crise econômica e agora também com a ameaça de desemprego.

"Eu não vou gastar 100 reais num ovo de páscoa, sabendo que vai fazer falta. O gás tá 90 pau. Eu com o meu filho, sozinha, vou comprar um ovo de 90, 100 reais? Ele tem que se acostumar a ser feliz com pouco. Porque aqui a gente não tem mais por onde proporcionar tanta coisa pras crianças hoje em dia”

Em defesa de seus direitos mínimos e empregos, essas trabalhadoras e mães estão há 3 semanas, 24 horas por dia, piquetando a frente de suas fábricas terceirizadas da LG. Se não o fizerem, os patrões iriam retirar todas as máquinas, equipamentos e produtos das fábricas e, por isso, elas passam noites e dias, em turnos revezados, na frente de suas fábricas. Os proprietários das fábricas negam o pagamento e os direitos delas porque afirmam que é responsabilidade da LG, já a multinacional diz que a responsabilidade é dos patrões terceiros. Nesse empurra empurra, vidas de mães e seus filhos vêm sendo impactadas. Outra trabalhadora também nos contou a sua situação.

"O reflexo na minha vida tá bem complicado. Eu chego cedo, vou embora tarde. As vezes eu tenho revezamento com outros companheiros. Tenho um filho de 7 anos que praticamente eu nem tô nem vendo. Tarefa tá se acumulando. Só que eu tenho minha mãe que mora próxima então ele tá lá com ela. Ele toma banho, ele almoça e janta. Eu chego e ele praticamente já deita, dorme e eu também. As vezes não, porque eu tenho que fazer mais tarefa no celular e eu acabo dormindo mais tarde também. Mas praticamente não tô nem vendo ele e as menina aqui também, tem bastante menina que também tem filho pequeno, que também ta vindo pro piquete e as vezes quando estoura uma coisa que a gente tem que tá urgente as meninas trás os filho. A gente vê uma união muito grande”.

A intensa solidariedade e companheirismo destas operárias é tão grande quanto sua força e determinação. Por todo o Brasil, vemos que muitos estão desesperançosos, tristes e céticos com qualquer mudança, e motivos não faltam para que esses sentimentos surjam. Contudo, flores indomáveis sempre rasgam a rua e desafiam o poder aparentemente infinito do asfalto. As mães e trabalhadoras terceirizadas continuam a sua luta, seus sacrifícios e suas esperanças. Elas confiam na sua força, e a classe trabalhadora de conjunto também deve confiar, pois não há alternativa que não seja a luta. Que nos sirvam de exemplo e espalhem suas sementes.

“A fábrica como qualquer outra vai ficar usando a justiça contra nós e a gente vai ficar usando nossa força contra eles”

 
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