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PROFESSORAS E CRISE SANITÁRIA
Ao abate patronal, de Bolsonaro e também de Fátima Bezerra e Álvaro Dias
Marie Castañeda
Estudante de Ciências Sociais na UFRN

Existem momentos na pandemia nos quais nós professoras de escolas particulares nos sentimos uma vaca a caminho do abate. Ontem no Rio Grande do Norte retomamos as aulas presenciais e a sensação não poderia ser outra, enquanto ainda não engolimos as mortes da Teacher Gabie e Riquelle França pela COVID-19.

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Hoje dou aula à tarde e à noite, então ainda estou em casa. Em poucos minutos vou tomar meu banho e me ajeitar para ir pra escola e enfrentar uma sala de aula presencial depois de duas semanas de pausa. Meu amigo vem bater na minha porta pra avisar que a avó de uma amiga em comum faleceu pela COVID neste fim de semana, acabei de ver os stories de outro amigo de fotos com o pai, que faleceu na fila por leito semana passada, fotos embaladas por Naquela Música de Nelson Gonçalves

Naquela mesa ’tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim

Só na última semana passaram a faltar 19 mil pessoas nas mesas da sala de todo o Brasil. É impossível falar de todos seus bandolins, trava a garganta cada um que deixou de ser tocado. Penso naquele relato do operário gráfico que contava do seu colega que foi trabalhar sem mal conseguir se levantar. Dois dias pro peão se recuperar da COVID, mais não. Penso na minha amiga trabalhadora de farmácia, linha de frente da pandemia, cujo chefe obriga a colega a trabalhar mesmo com o teste de COVID positivo no bolso. Penso na outra amiga que é da sala dela e estagiária de Serviço Social, estagiário não tem direito a EPI. E arde. O ódio de classe que arde em mim precisa arder em você e precisa ser contra todos os responsáveis desta barbárie sanitária que vivemos, inclusive dos administradores supostamente sensíveis.

Comecemos por Bolsonaro, que aproveita férias de R$ 2,4 milhões de reais enquanto a fome se alastra no Brasil. De execrável a pequi roído nada parece suficiente, talvez a enxurrada de bosta que os coletes amarelos derramaram em frente à prefeitura de Paris corresponda mais. Bolsonaro tem em Álvaro Dias um representante local em Natal, que deixou os trabalhadores da saúde largados à própria sorte na Via Costeira em busca de ônibus pra voltar pra casa. Este desgraçado demitiu 1000 rodoviários no primeiro ano da pandemia. Temos também a “única governadora mulher do país”. Nos marcos de que repudiamos cada ataque machista que a direita e extrema-direita potiguar colocam, simplesmente Fátima Bezerra ser mulher não nos isenta de sermos entregues à serviço do lucro. Sigo esperando com outras 4 mulheres trabalhadoras na parada de ônibus depois do horário do toque de recolher porque foi a hora que o patrão liberou, enquanto este só serve para aumentar a repressão nas periferias. Somos centenas de milhares as que pegam ônibus lotado todos os dias para garantir o lucro patronal, primeiro consultado para qualquer medida, e a maioria nestes ônibus sempre são majoritariamente negras e indígenas. Quando seguimos lutando por justiça por Geovane Gabriel.

Bolsonaro, Fátima Bezerra e Álvaro Dias não são homogêneos, isto é óbvio e se intensifica quando o negacionismo de Bolsonaro recusa e quer ameaçar com poder militar as medidas de distanciamento social adotadas pelos governadores, as que abandonam os trabalhadores informais à própria sorte, permitem demissões aos milhares e são pífias, pois quarentena racional ninguém nunca nem viu. A real é que os lucros estão acima das vidas trabalhadoras pra todos aqueles que governam. Não busco um debate moral, mas um debate que parta da materialidade do que vive a população norte-rio grandense.

A composição de entidades que são consultadas para as diretrizes dos decretos pode não surpreender, mas desnaturalizemos a contínua entrega do nosso pescoço por aqueles que deveriam nos defender, se após um ano de pandemia é tão natural quanto a luz do dia que medidas exclusivamente midiáticas e notas de repúdio sem auto-organização não são efetivos, escandalizemos que junto à Fátima Bezerra (PT) estavam as Centrais Sindicais, fundamentalmente a CUT e a CTB, dirigidas respectivamente pelo PT e pelo PCdoB, partido do seu vice, que seguem em quarentena enquanto a classe trabalhadora enfrenta demissões e morte. Escandalizemos também que no movimento estudantil potiguar, onde setores de oposição à majoritária da UNE (Juntos-PSOL e Correnteza-UP) dirigem os DCEs da UFRN e da UERN afirmam que é irresponsável convocar manifestações de rua para exigir EPI para os estagiários da saúde, que seguem sem EPI e sem vacina e apostam em um Impeachment de Bolsonaro para responder à política nacional, que colocaria o General Hamilton Mourão, defensor intransigente da Ditadura Militar, na presidência.

Mais do que nunca, enfrentar o abate de Bolsonaro, Fátima Bezerra e Álvaro Dias não pode se dar por fora da auto organização dos trabalhadores e da juventude para lutar. As trabalhadoras da saúde e os garis em Minas Gerais demonstram isso, paralisaram suas atividades para exigir seus salários no primeiro caso e vacinação no segundo. A burguesia não se vê ameaçada por nada que não seja luta de classes. A crise de Bolsonaro é evidente, sua desaprovação chegou a níveis inéditos de 60%, existiram crises entre as Forças Armadas para definir como seguir sustentando o governo e não se queimar, a tentativa de incitar motins da polícia militar de Bolsonaro como aconteceu na Bahia. Bolsonaro está acuado e as fissuras de cima nos favorecem. Por isso, precisamos ter claro que somente por meio de mobilização poderemos arrancar um plano de emergência que responda à pandemia. A fila de leitos no RN zerou, a ocupação segue acima de 90% e automaticamente os comércios reabrem e as professoras das escolas e cursos particulares voltam pra sala de aula, os trabalhadores de serviços e as professoras, em meio ao medo da infecção, comemoram que existirá salário. É esta a miserável disjuntiva na qual nos encontramos. Por isso clamamos: Só a luta organizada da classe trabalhadora, mulheres, negras e negros, LGBTs indígenas e estudantes pode dar uma resposta e impor a liberação dos trabalhadores de serviços não essencial com remuneração garantida paga pelos patrões, a abertura imediata de leitos de UTI e contratação e capacitação não precária de trabalhadores de saúde, vacina para todos com a quebra das patentes, auxílio emergencial de pelo menos 1 salário mínimo para informais e desempregados e tomar os resorts e hotéis para abrir leitos e garantir isolamento racionais dos infectados. Impossível? Com luta de classes não é.

Viemos de uma semana na qual havia outra disjuntiva colocada, no campo da política, muitos afirmavam que ou Bolsonaro cairia, ou estaríamos frente a um Golpe Militar. Na terça-feira seguinte, vemos que nem um, nem outro. Houve um rearranjo que localizou o Centrão na Secretaria do Governo com a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), do bolsonarismo com André Mendonça agora na AGU, substituído pelo militar Anderson Torres no Ministério da Justiça e os militares seguiram bastante bem posicionados, com mais de 6.000 militares da ativa dentro do governo federal, entre eles a vice-presidência, Braga Netto no Ministério da Defesa, General Ramos na Casa Civil, etc. No dia anterior ao começo desta dança das cadeiras, o STF anunciava que queria suprimir partes da Lei de Segurança Nacional herdada da Ditadura Militar, utilizadas por Bolsonaro para perseguir os que o chamam de genocida e que então possa ser utilizada apenas quando exista ameaça às instituições, na medida do bonapartismo judiciário, parte estrutural do Golpe Institucional, das eleições manipuladas e de cada um dos ataques econômicos, e também da gestão da pandemia. Os militares e o judiciário carregam consigo parcela de culpa das 330.000 mortes.

Impeachment de Bolsonaro nos salvaria então? Definitivamente não. É necessária mobilização de massas real, que lute por mudar radicalmente as regras do jogo e inverter as prioridades, e imponha uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana onde se votem e definam os interesses e necessidades das grandes maiorias populares contra as instituições deste regime apodrecido que defendem uma minoria parasitária. Seria o que existe de mais democrático neste Estado burguês, para avançarmos em medidas anticapitalistas no sentido de um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo. É este o meu ódio e lhe convido a dividir ele comigo, para tratar parcialmente a dor e poder homenagear os nossos que ficaram, pela defesa intransigente do lucro capitalista, no caminho, batalhemos para sair deste mundo de faltas até de oxigênio para o reino da possibilidade. Para minha tia Nini também, sigo tocando seu bandolim.

 
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