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AGRONEGÓCIO E MEIO AMBIENTE
Amazônia: a demagogia verde de Biden e o negacionismo de Bolsonaro
Yuri Capadócia

A diplomacia de Biden já conquistou o troféu da cabeça de Ernesto Araújo. Agora é o ministro Ricardo Salles e a sua política negacionista ambiental que estão à prêmio.

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A relação Biden-Bolsonaro ainda está em conformação, com muitas variáveis ainda em aberto. Entretanto, já é possível captar alguns sinais que desde Washington vem sendo emitidos. Ainda que sem um clamor direto, a demissão do trumpista Ernesto Araújo foi um primeiro fruto evidente. Como vassalo maior de Trump sua cabeça era condição imprescindível para qualquer vislumbre de relações entre os governos Biden e Bolsonaro. Outros vassalos menores, como Ricardo Salles e Damares, estão ainda em risco. Salles, aliás, comanda a área que desde as eleições norte-americanas é o alvo preferencial da política externa estadunidense em relação ao Brasil, a questão ambiental.

O imperialista Democrata na Casa Branca tenta posar de progressista na contenda com Bolsonaro. Lembramos o contrário: Biden é um velho conservador, chamado pelo próprios analistas burgueses como "o mais próximo de Reagan dentro do Partido Democrata". A indisposição com Bolsonaro se refere a conveniências políticas, e conflitos bem reais em determinados ramos da economia, especialmente no agronegócio.

No processo de “destrumpização” do governo Bolsonaro, após a queda de Araújo, a política ambiental se torna agora prioridade. Tanto por ser uma das vitrines do governo Biden, pela facilidade com que pode demagogicamente reverter o negacionismo climático, como fez em uma de suas primeiras ações ao recolocar os EUA no Acordo de Paris.

Em entrevista ao jornal Valor, um membro do governo Biden, descrito apenas como um "funcionário do Departamento de Estado", expressou as expectativas do governo Democrata para a futura Cúpula de Líderes sobre o Clima e de forma mais velada às intenções mais estruturais em relação ao Brasil nesse terreno. Se por um lado, o convite a Bolsonaro mostra a disposição a dialogar, os termos da conversa ficam bastante claros ao longo da entrevista.

"Gostaríamos de ver na Cúpula de Líderes um compromisso claro com o fim do desmatamento ilegal. Gostaríamos de ver medidas tangíveis para aumentar a efetividade da fiscalização. Queremos ver um sinal político de que o desmatamento ilegal e as invasões não serão tolerados. Gostaríamos de ver uma queda real neste ano. Não esperar por 5 anos ou 10 anos ou um compromisso para 2050, mas este ano.”

"Queremos ver um esforço explícito do governo brasileiro de não tolerar a ilegalidade. É óbvio que este será um esforço conjunto, não exclusivo do governo federal, mas apoiado nos níveis estadual e local. Podemos ter alguma capacidade sendo fornecida às comunidades estaduais e locais para isso. Também gostaríamos de ver alguma pressão sobre os que estão fazendo o desmatamento. Há penalidades que gostaríamos de ver aplicadas e fortalecidas, assim como incentivos para quem está na legalidade."

Para um governo que defende com todas as letras “passar a boiada da flexibilização das leis ambientais”, a adoção dessas medidas pelo governo Bolsonaro marcaria um duro golpe. Basta ver que ao mesmo tempo que essa entrevista era publicada, o ministro da devastação ambiental chiava contra a realização de uma operação que apreendeu um recorde de madeiras extraídas de forma ilegal no Pará. Salles tomava o partido das madereiras preocupado com a possibilidade de quebra - curiosamente a operação foi comandada por um delegado da PF que já foi cotado para substituir o ministro e que mostra seu jogo muito mais alinhado à politica desejada pela diplomacia norte-americana. As advertências da diplomacia norte-americana são uma ameaça não apenas a Salles, mas aos interesses materiais que ele representa, ligados ao agronegócio, às madeireiras e ao garimpo.

Além de se demarcar do discurso negacionista trumpista, a demagogia ambiental de Biden tem o interesse material de conter a expansão da fronteira agrícola do agronegócio brasileiro, especialmemte para o plantio de soja e milho, e impedir o crescimento da produção de soja brasileira que tem como destino os mercados da China. Mercados que são também disputados pelos produtores agrícolas dos Estados Unidos.

Nessa estratégia, até o momento, parece distante o recurso às sanções econômicas com que o imperialismo norte-americano gosta de fustigar seus competidores. Isso pelo menos de forma direta, pois, no discurso do funcionário do Departamento de Estado será o próprio mercado quem punirá o Brasil caso não se enquadre nas metas esperadas. O imperialismo tem à sua disposição diversas formas para punir os países dependentes e semicoloniais que se atrevam a competir mesmo que em algum setor, as políticas de “compliance” que tem o pretexto de fomentar práticas sustentáveis de produção são aplicadas por agências via de regra dos próprios países imperialistas.

“Se há desmatamento ilegal é preciso ter consequências, mas é o governo brasileiro que verá como fazer isso. Não estamos procurando impor pressões externas porque o mercado fará isso. Isso não significa que nunca consideraremos sanções. Mas não é aí que estamos começando nossa conversa."

"Os mercados globais estão olhando para produtos que não são sustentáveis. Isso é verdade na Europa, que tem um forte conjunto de leis para evitar produtos que tenham origem em desmatamento. Mas a China também está considerando mudanças nas políticas domésticas em relação a produtos de importação que venham de fontes sustentáveis. Isso é algo a que o Brasil é sensível, e deveria ser, como acontece com todos os países exportadores."

Uma briga entre o chefe imperialista, de um lado, e um reacionário cão de guarda do capital agrário brasileiro (e internacional), de outro.

A estratégia dos EUA é bastante clara fazer pressão no governo Bolsonaro e no agronegócio brasileiro, ao menos o setor ruralista mais bolsonarista, para frearem seu apetite voraz pelas terras da floresta amazônica. A saída de Salles seria um começo. Caso não contem com essa “cooperação voluntária”, e pela entrevista no Estado de São Paulo o ministro não pretende sair sem resistência, podem se apoiar nos demais atores do regime brasileiro.

A operação do exército brasileiro, Verde Brasil 2 sob comando do vice o general Mourão, está terminando no local, de maneira fracassada sem conseguir apresentar qualquer resultado na redução do desmatamento na região, já que os militares lucram muito com o avanço do agronegócio. Essa é uma questão apontada pelo funcionário dos EUA: “O que significa, em termos de capacidade, os militares saírem da região e o Ibama entrar?”. Mas a via da cooperação com governadores e prefeitos seguirá a disposição, como mostra recente encontro entre o governador do Pará, Helder Barbalho, e o embaixador estadunidense Todd Chapman, que entre o assunto do auxílio na questão das vacinas, também teve a apresentação do Plano Amazônia Agora para o desenvolvimento sustentável da região.

Como dito pelo funcionário do deep state norte-americano, de fato, o agronegócio brasileiro é sensível não só as vontades de seus compradores. Existem frações diferentes no agronegócio como foi visto à época da "Amâzonia em chamas", com uma parcela do setor mais ligada ao capital financeiro e dependente dos capitais europeus, sendo porta-voz dessa política de fachada da preservação ambiental. Como o caso do senador Blairo Maggi, dono da maior companhia brasileira de trading no comércio internacional de soja, que ressoava muito mais a linha de Macron do que de Bolsonaro.

A Amazônia segue no centro tanto dos projetos do regime golpista - das pretensões do agronegócio, de Bolsonaro, de militares -, como do xadrez geopolítico global nas disputas imperialistas. Segue necessária a formulação de um novo projeto de desenvolvimento da região, não o projeto predatório do agronegócio em contraposição à sua imensa biodiversidade, tampouco o discurso oco de um "capitalismo verde", demagogicamente defendido por Biden, mas de uma nova alternativa pensada a partir de suas populações indígenas, e de suas comunidades locais, como dos milhares de operários do Pólo Industrial de Manaus. Uma alternativa socialista que empregue todo o domínio da técnica, das forças produtivas da humanidade, para uma produção harmônica com a natureza, que só pode ser feita sobre as ruínas do capitalismo.

Nessa briga, só há inimigos da classe trabalhadora e do povo pobre. Uma política de combate ao bolsonarismo e ao regime do golpe precisa envolver sua dimensão antiimperialista.

 
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