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COLUNA
Restauração chinesa, exploração global
Seiji Seron
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A camarada Rosa Vertov publicou, há cerca de um mês, uma síntese dos debates da Fração Trotskista – Quarta Internacional (FT-QI) a respeito da caracterização da China. A coluna da camarada referencia, entre outros artigos, o que eu escrevi no início do ano passado, antes da declaração oficial de pandemia da covid-19, mas que só pôde ser publicado muito tempo depois, no suplemento teórico-político Ideias de Esquerda. Naquele artigo, eu argumento que “o caráter capitalista da China é evidenciado pela pressão depreciativa que exerce sobre o valor da força de trabalho à escala mundial, o que torna um erro continuar caracterizando-a como um Estado operário.”

O processo de restauração capitalista da China foi crucial para o estabelecimento das cadeias globais de valor e para possibilitar, assim, o que os economistas burgueses chamaram de “arbitragem global do trabalho”, ou seja, o rebaixamento geral dos salários e das condições de trabalho através da constante ameaça de deslocamento da produção para outro país, onde tais custos sejam menores. A este respeito, Richard Freeman assinala:

“Em 1980, a força de trabalho mundial consistia em trabalhadores dos países avançados, de parte da África e da maior parte da América Latina. Nestas economias, trabalhavam aproximadamente 960 milhões de pessoas. O crescimento da população, principalmente nos países mais pobres, fez com que o número de empregados nestas economias aumentasse para 1,46 bilhões no ano 2000. Mas, nas décadas de 1980 e 1990, entraram no mercado de trabalho mundial trabalhadores da China, Índia e do ex-bloco soviético. Evidentemente, estes trabalhadores já existiam antes disso. A diferença, contudo, consiste em que, de repente, suas economias se somaram ao sistema de produção e consumo mundial. No ano 2000, estes países contribuíram com 1,47 bilhões de trabalhadores à força laboral mundial, de fato duplicando o tamanho da nova força de trabalho que está inter-relacionada.” (cit. Chingo, p. 32 – tradução minha)

Se a oferta de força de trabalho de cada país for ponderada pela proporção das exportações no PIB, o resultado é uma quadruplicação da força de trabalho global entre 1980 e 2005, segundo duas economistas do FMI, Florence Jaumotte e Irina Tytell. “O leste asiático contribuiu com a metade deste incremento, [...] enquanto o sul da Ásia e os países do ex-bloco oriental dão conta de aumentos menores.” (idem, p. 34) Embora o stalinismo tenha sido um aparato burocrático responsável pela derrota de inúmeros processos revolucionários ao longo do século XX, a existência da URSS e dos demais Estados operários era um fator que, na correlação de forças mundial entre o capital e o trabalho, pesava em favor deste último. O mesmo não pode ser dito do atual Estado chinês.

Evidentemente, a agência dessa reestruturação produtiva global não foi da China, e sim do imperialismo. Porém, a burocracia chinesa sempre foi pragmática na defesa de seus interesses nacionais e, em mais de uma ocasião, alinhou-se aos EUA contra a URSS, mesmo antes da viagem de Nixon à China, em 1972. Esta burocracia soube, então, aproveitar-se desse movimento de “mundialização” do capital que se segue à crise internacional da década de 1970 para se reinserir no capitalismo global de um modo controlado. Talvez a ascensão da China tenha diminuído a desigualdade entre os países, mas há de se perguntar: em que medida isto não foi feito às custas do aumento da desigualdade no interior dos países, resultante da arbitragem global do trabalho, e às custas, portanto, dos trabalhadores do resto do mundo?

Nos últimos anos, o custo da mão de obra chinesa tem aumentado a ponto de o país estar perdendo essa vantagem competitiva para outros países asiáticos. Isto se explica, em parte, pelo aumento da intensidade tecnológica das exportações chinesas, o que gera uma demanda maior de trabalho qualificado, e também, em parte, pela necessidade de compensar a severa retração do comércio mundial provocada pela crise de 2007-8. O consumo privado chinês ainda é inferior a 40% do PIB, contra cerca de metade, no caso da União Europeia, entre metade e dois terços, nos demais BRICS, e mais de dois terços, nos EUA. Ademais, o poder de compra distribui-se de maneira bastante desigual nesse relativamente estreito mercado interno.

O PIB chinês, em 2019, era de US$ 14,28 trilhões, ou aproximadamente dois terços do PIB dos EUA e 16% do PIB mundial. Em paridade de poder de compra, o PIB chinês já é, contudo, o maior do mundo desde 2017. No entanto, o PIB per capita da China, de aproximadamente US$ 10 mil, supera por pouco o da Argentina e do México e é inferior ao de países como Costa Rica, Romênia, Chile, Croácia, Polônia, Panamá, Venezuela, Uruguai, Hungria, Letônia e Lituânia. E, se a China foi capaz de se tornar a segunda maior economia do mundo e está mudando seu papel na divisão internacional do trabalho, é somente porque, a despeito da restauração do capitalismo, uma das conquistas da Revolução de 1949 foi conservada, qual seja, a independência em relação ao imperialismo. É por causa desta autonomia do Estado chinês que a atração de investimentos estrangeiros através da oferta de mão de obra barata pôde resultar em um certo “catching-up”, que ainda não significa, entretanto, uma superação da dependência tecnológica do país. Essa mesma particularidade é o que torna o “modelo chinês” incopiável.

 
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