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53 anos do assassinato de Edson Luís: as lutas de 1968 e suas lições para hoje
Simón J. Neves

O ano de 1968 foi de diversas lutas e mobilizações dos trabalhadores e da juventude por todo o mundo. No Brasil, o assassinato de Edson Luís, em 28 de março, abre um período de contestação da ditadura militar. Como forma de homenageá-lo, buscamos resgatar aqui as lutas desse ano, e também os ensinamentos que ficam para o presente.

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Em 28 de março de 1968, às vésperas de se completar 4 anos do golpe militar, estudantes protestavam por melhorias na comida do restaurante estudantil Calabouço, no Centro do Rio de Janeiro. A polícia reagiu atirando na manifestação. O estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, de apenas 18 anos, foi morto com um tiro no peito, a queima-roupa. Os estudantes não permitiram que a PM levasse seu corpo, e eles mesmos o levaram até a Assembleia Legislativa (Alerj), em passeata. Ali se iniciava um período em que o movimento estudantil e operário iriam protagonizar fortes mobilizações questionando a ditadura.

Nos dias que se seguiram, ocorreram fortes manifestações, com 50 mil pessoas no enterro de Edson Luís, e as próprias missas em sua memória se tornando manifestações de repúdio à ditadura, que terminariam sendo reprimidas pela Polícia Militar deixando dezenas de feridos. Também em São Paulo milhares de estudantes foram às ruas.

As greves operárias

Mas não só o movimento estudantil se ativou. Depois de 4 anos de arrocho salarial e repressão, os operários voltavam a se levantar. No dia 16 de abril, pouco mais de 2 semanas depois do assassinato de Edson Luís, metalúrgicos de Contagem (MG) ocuparam a fábrica em que trabalhavam e iniciaram uma greve, que rapidamente se espalhou por toda a cidade, importante polo industrial de Minas Gerais. Apesar da prisão de lideranças do movimento, o governo foi obrigado a conceder um reajuste salarial de 10%, que valeria para todo o país.

No ato de Primeiro de Maio de São Paulo, na Praça da Sé, 20 mil trabalhadores expulsaram a pedradas o governador Abreu Sodré, eleito pela ditadura. Em julho daquele ano, os operários de Osasco (SP) iniciaram uma forte greve, com a ocupação da Cobrasma, maior indústria da cidade, no dia 16 e a paralisação se estenderia para 6 das 11 maiores fábricas. Ao contrário da greve de Contagem, no entanto, os militares prontamente responderam ocupando Osasco com soldados e tanques, reprimindo a greve e prendendo centenas de pessoas. Após 4 dias, a greve acabou, derrotada.

Apesar da derrota, a greve de Osasco teve traços importantes da aliança entre operários e estudantes, fundamental para o enfrentamento à burguesia e que mostrou sua potencialidade no Maio Francês, apesar da sabotagem da direção stalinista do Partido Comunista. Muitos operários das fábricas de Osasco eram estudantes secundaristas, alguns muito jovens e outros de até 30 anos, que dividiam as mesmas salas. Esta composição levou a trocas importantes, como mostra Bianca Coelho:

Em meio a esse grupo tão heterogêneo de estudantes, os jovens eram submetidos a todo tipo de discussão política. Com o aprofundamento da ditadura, Espinosa diz que começam a se interessar por marxismo e “a brigar com os caras do Partidão [PCB] dizendo que eles não entendiam o Marx”. Afirma então que a ditadura foi uma das principais responsáveis pelo surgimento do “Grupo de Osasco”, que concorreu às eleições de 1966 da Associação dos Estudantes do Curso Clássico do Ceneart [Escola Estadual Antônio Raposo Tavares] contra o Partidão (PCB), que estava com uma orientação contra revolucionária vinda do stalinismo que defendia a “revolução num só país”. O grupo de Osasco ganhou e começou a liderar os movimentos, mesmo fora do Ceneart, substituindo a antiga UEO (União dos Estudantes de Osasco). [...] Esses estudantes-operários tinham então essas experiências a partir das escolas e as levavam para dentro da fábrica onde, para burlar a repressão da ditadura, começavam a surgir comissões de fábrica, espaços de organização dos trabalhadores pela base através dos quais discutiam suas reivindicações e organizavam paralisações, greves etc.

Os estudantes-operários também participavam da organização da Vanguarda de Fábrica, que tinha por objetivo dar formação política a operários, discutindo marxismo, para que se tornassem lideranças em seus setores. Essa Vanguarda teve um papel importante em organizar as comissões de fábrica.

Em Osasco e em Contagem, desde antes de 1968 se organizavam oposições sindicais que questionavam os sindicalistas pelegos que apoiavam a ditadura, mas também a direção do PCB, que desde 1964 tinha uma linha de recuo perante aos militares. No caso de Osasco, essas oposições tiveram um peso importante das comissões de fábrica que os estudantes-operários ajudaram a construir. E resistindo à repressão e às prisões da ditadura, organizaram as primeiras grandes contestações operárias do regime.

As lutas estudantis

A partir do assassinato de Edson Luís, o movimento estudantil também irá se reativar, oxigenado pelas lutas dos estudantes e operários franceses, dos jovens dos Estados Unidos, das vitórias do Vietnã contra a agressão imperialista americana.

Desde 1964, as direções do movimento estudantil, principalmente a Ação Popular (AP) e o PCB, adotavam uma política de recuo, apesar das lutas que surgiram em 1966 contra o acordo MEC-USAID, que iria culminar na invasão da Faculdade de Medicina da UFRJ, no “Massacre da Praia Vermelha”.

Após os atos nos dias seguintes ao assassinato de Edson Luís e de manifestações ao longo de abril e maio, em junho o movimento estudantil voltou a apresentar grande força. Neste mês, se desencadeou uma série de ocupações de universidades e de manifestações por todo o país, como mostram Antunes e Ridenti:

“A primeira de uma série de ocupações de escolas ocorreu no dia 22 de junho, na tradicional Faculdade de Direito de São Paulo, vinculada à USP (Universidade São Paulo), seguida pela Faculdade de Filosofia da mesma universidade. Protestos, manifestações, ocupações e passeatas ocorriam também em Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza, Porto Alegre, João Pessoa, Florianópolis, Natal, Belém, Vitória, São Luís e outros centros universitários.” (Antunes e Ridenti, 2007)

No Rio de Janeiro, fortes manifestações e enfrentamentos com a polícia aconteceram em 19 de junho, e depois no dia 21, quando 4 manifestantes foram mortos. No dia 26, acontece a famosa Passeata dos Cem Mil, no Centro da cidade, liderada pelo movimento estudantil, junto com artistas e intelectuais, questionando a ditadura e a perseguição política.

Em julho, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na rua Maria Antônia, também foi ocupada pelos estudantes. Esta ocupação iria terminar na célebre Batalha da Maria Antônia, no dia 2 de outubro. Neste dia, estudantes da USP se enfrentaram com membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) da Universidade Mackenzie, e também com a PM. Um secundarista foi morto, com um tiro, disparado pelos direitistas. A USP terminou incendiada neste dia.

Também entre os secundaristas havia luta. No Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, os estudantes já vinham lutando desde os anos anteriores contra projetos de ataque ao colégio, e se organizavam para recriar os grêmios e jornais estudantis, e também para refundar a Associação Municipal de Estudantes Secundaristas (AMES). Farão uma greve em julho de 1968, e irão participar das lutas da juventude daquele momento, sendo reprimidos pela Direção-Geral, que irá fechar os grêmios, ao que os estudantes respondem com mais uma greve, em outubro, durando 10 dias. Ao final do ano letivo, 100 estudantes serão expulsos do colégio por participar do movimento estudantil. Muitos deles irão passar, então, a clandestinidade e alguns, como Marcos Nonato da Fonseca e Alex de Paula Xavier, serão mortos pela ditadura.

Ainda em outubro, poucos dias depois da Batalha da Maria Antônia, a ditadura iria dar um mais um forte golpe no movimento estudantil. O Congresso da UNE, que ocorria em Ibiúna (SP), foi invadido pelos militares, e terminaria com com mais de 700 estudantes presos, incluindo várias lideranças. Isto marcaria o início de um período onde o movimento estudantil iria se afastar de suas bases, e também dos operários.

No dia 13 de dezembro, virá o golpe dentro do golpe, o Ato Institucional número 5 (AI-5), fechando de vez o regime e ampliando a repressão. Foi a resposta dos militares para a efervescência operária e estudantil que apareceu naquele ano, questionando a repressão, o arrocho salarial, as reformas educacionais e o projeto de modernização econômica que se baseava em atacar os direitos dos trabalhadores e prender e torturar aqueles que se opunham.

Lições para o presente

Mais do que fazer um compêndio das diversas lutas que ocorreram naquele ano, o que demandaria um texto bem maior que esse, se trata de tirar as lições destas lutas. Apesar de vitórias parciais, como a dos operários de Contagem, todas estas fortes movimentações irão resultar no fechamento do regime, aumento da repressão, com prisões, torturas e assassinatos, e em um refluxo dos movimentos operário e estudantil.

É preciso ver qual foi a resposta da vanguarda e das organizações políticas ao AI-5. Muitas delas, como o PCdoB, ALN ou o MR-8, iriam adotar a estratégia da guerrilha contra os militares, inspirados por Mao-Tsé Tung, Fidel Castro e Che Guevara. Esta estratégia, no entanto, será uma separação da vanguarda de suas bases. Na guerrilha rural, principalmente, os dirigentes se encontram afastados das universidades, fábricas e das cidades, onde poderiam organizar a juventude e os trabalhadores para, a partir dos postos-chave que ocupam na produção e circulação capitalistas, atacar a burguesia e a ditadura.

Esta estratégia, portanto, não tem seu foco na classe trabalhadora, mas sim em um partido-exército que iria levar a frente a tomada do poder por fora da auto-organização da classe. Ficando isolados das massas, os focos guerrilheiros, apesar da abnegação de seus militantes, se tornou presa fácil para os militares, que massacraram a Guerrilha do Araguaia. Organizações como a ALN, que praticavam atos de guerrilha urbana como sequestro de embaixadores, não conseguiram mobilizar amplos setores, e terminaram destruídas pela ditadura, com seus líderes mortos, presos ou exilados.

Isto mostra a importância da estratégia soviética de enfrentamento ao regime, baseada na auto-organização dos trabalhadores para se insurgir. Neste sentido, se fortalece a importância da aliança entre estudantes e operários, como a greve de Osasco mostra. Trótski dizia que a juventude é uma “caixa de ressonância”, sendo a primeira a se mobilizar nos momentos de luta, por não carregar o peso das derrotas anteriores. Por isto, pode cumprir um papel fundamental de “ressoar” sua energia, indignação e luta nos trabalhadores mais velhos, os moralizando e fortalecendo para que se ponham em movimento.

Os estudantes universitários, por ter um acesso maior ao conhecimento científico acumulado pela humanidade, devem cumprir um papel de colocar este conhecimento à serviço da luta da classe operária, auxiliando-a.

Esta aliança, se colocada em prática, pode ter uma força imparável na luta contra Bolsonaro, Mourão e os golpistas de hoje. Os militares da ditadura sabiam disso, e por isso tomaram medidas para isolar as universidades e constituí-las enquanto espaços separados da sociedade. Quem finge não ver este potencial é a atual direção da UNE, a UJS (PCdoB), PT e Levante Popular da Juventude.

Em 2019, depois dos fortes atos estudantis de maio, a UNE, com o apoio das centrais sindicais, não se unificou aos dias de luta chamados por estas contra a Reforma da Previdência, e fez apenas uma passeata pelas ruas de Brasília 2 dias depois que a Câmara havia aprovado a Reforma.

Em 2021, a história se repete. Em meio ao pior momento da pandemia e o avanço da repressão, inclusive contra estudantes e professores, por meio do uso da Lei de Segurança Nacional (LSN), as centrais sindicais, como CUT e CTB, convocaram (porém não construíram...) um “dia nacional de luta” para 24 de março. A UNE convoca o seu próprio “dia de luta da juventude” para o dia 30, sem construir reuniões, assembleias e plenárias nas faculdades para que se torne um verdadeiro dia de enfrentamento ao governo de Bolsonaro, ao STF e as medidas dos governadores, que não levam a frente um combate real à pandemia.

Se vê a importância das lições daquele movimento de 1968. Os estudantes se inspiravam fortemente nos movimentos da luta de classes internacional, e que desde 2019 voltou a varrer o mundo e a América Latina, com as lutas no Chile, Bolívia, Peru, o Black Lives Matter nos Estados Unidos, a luta contra o golpe em Mianmar. A direção da UNE se mostra impassível frente a isso, mas devem servir para inspirar, ensinar e fortalecer os estudantes para que se organizem e questionem a burocracia e a passividade de suas direções.

No momento em que o presidente reivindica abertamente os torturadores de 1964, e avança na repressão usando a Lei de Segurança Nacional para intimidar, indiciar e censurar, é se enfrentando com todo esse regime podre que se pode honrar a memória de Edson Luís e daqueles que morreram enfrentando a ditadura militar.

 
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