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COLUNA
Sobre uma operária na pandemia, a tristeza e a revolta
Douglas Silva
Professor de Sociologia
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Os dias não são fáceis. A crise econômica, política e social encontraram na pandemia terra fértil para crescer e prosperar. O cotidiano, que antes já era a materialização da música de Chico Buarque, hoje parece ainda mais penoso. Como a música em que o personagem se encontra encarcerado no círculo de seu dia a dia, a operária sobre a qual pretendo tecer essas poucas linhas também se encontra presa aos dias que parecem sempre os mesmos, se não fosse o crescente número de mortos que a burguesia empilha em seu caminho.

Todos os dias ela faz tudo sempre igual. Da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Como se já não fosse difícil e maçante o trabalho de uma operária têxtil na Manchester mineira, a pandemia e o medo recorrente de ser contaminada, do qual sempre fala, parecem tomá-la por inteira.

Levantando da cama às 5 horas da manha, ela sempre derrama algumas lágrimas, pelos mortos, agora mais de 300 mil, e pelo medo de algum dia encontrar entre os números o nome de algum de seus entes queridos (ou que encontrem o seu).

A saída para o trabalho às 6 horas não parece mais com o velho ritual anterior a pandemia, agora parece ainda mais com uma caminhada fúnebre, em que, fazendo o mundo girar com seu trabalho, recebe em troca o aprofundamento da precarização e da exploração de seu trabalho. Sem carteira assinada, sem vacina e sem nunca ter podido ficar em casa, ela segue para mais um dia.

Semana passada comemorava a vacina do pai, um senhor de quase 90 anos. Mas a comemoração saia engasgada em meio aos soluços provocados pela tristeza de não poder abraçá-lo. Com o choro, um grito de revolta: TODOS DEVERIAM SER VACINADOS. Um grito que ela dispara contra Bolsonaro, mas que também a faz se perguntar sobre o que falam aqueles outros políticos, a saber, governadores e prefeitos, quando dizem que o lockdown é necessário, entretanto fecham os olhos para a fome e desemprego provocados por um agravamento da crise pela qual todos são responsáveis.

Enquanto sua cidade permanece em lockdown, ela continua, como sempre, trabalhando. Mês passado sua amiga se contaminou com a covid-19 e no dia em que voltava para o trabalho o que a esperava era a demissão. Demissões que fazem muitos dos trabalhadores, sob suspeita de estar com a doença, seguirem trabalhando enquanto resta alguma força, pois para o patrão, assim como para toda a burguesia brasileira, seus corpos são substituíveis por outras pilhas de corpos pertencentes a um exército industrial de reserva que, sugados até a última gota, são usados e descartados.

O autor dessas poucas linhas não consegue, hoje, continuar a escrever. Não existem palavras que possam expressar toda a tristeza e dor que escapa pelos olhos. Hoje, enquanto eu escrevia, ela, a operária, a trabalhadora que pode ser sua mãe, irmã, esposa, tia ou amiga, segue trabalhando. Ela, como você meu caro leitor, também não aguenta mais e, não aguentando, chora. Mas as lágrimas que escorrem pelo seu rosto são a materialização de uma tristeza que todos os dias ganha ainda mais ar de revolta. Revolta por aquele conhecido que morreu de covid, pela amiga demitida, pela vacina em massa que segue impedida pelo negacionismo de Bolsonaro, pela ganância das grandes indústrias farmacêuticas e pela demagogia de quem, falando de lockdown, não fala sobre auxílio. Hoje, soltamos um grito de alerta: a tristeza irá se transformar em revolta e nossos mortos serão vingados!

 
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