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ANÁLISE NACIONAL
A chantagem de Lira e a ofensiva de “destrumpização” do governo
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
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As ameaças de Arthur Lira, que tinham destino certo em sua vagueza, perambulam pela grande imprensa. Deu-se no mesmo dia do surgimento do comitê anti-COVID, entre o governo Bolsonaro e os chefes dos poderes Legislativo e Judiciário. “Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo se, fora daqui, erros primários, desnecessários e inúteis continuarem a serem praticados”, disse Lira.

O alerta foi feito, e na prática isso implicou colocar Bolsonaro no centro dos holofotes, não tirá-lo: a mensagem é que o comitê anti-COVID deve ser encabeçado pelo presidente.

Obrigando Bolsonaro a mostrar serviço, o Centrão se posicionou num lugar vantajoso. Arthur Lira, seguindo a linha do presidente do PP, Ciro Nogueira, indicou mais uma vez que está com Bolsonaro (“e estará em 2022, apesar dos erros que cometeu”, dizia Nogueira). Desse ângulo, é um movimento de sustentação do governo. Mas exige que Bolsonaro se aprume e revogue sua conduta anterior quanto à pandemia, cujos efeitos catastróficos foram nutridos pela coordenação de poderes (Executivo, STF, Congresso, militares, governadores) que agora deveria controlá-los. A política do Centrão é que o governo se identifique com a imagem de supostos esforços do regime pela vacinação em massa e o uso de máscaras. Se pensava em não aderir ao disciplinamento vindo do Congresso, Bolsonaro foi lembrado por Lira que os “remédios políticos no parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns fatais, muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros se torna uma escala geometricamente incontrolável”.

Essa é a cara da política de “auto-reforma”, ou “refundação”, do governo Bolsonaro – nos termos da Jovem Pan, portavoz de setores mais radicais da burguesia. O Centrão continua na base de sustentação do governo, mas exigindo os preços em dinheiro e em termos políticos. Disciplina Bolsonaro, e mostra que o Executivo precisa se apoiar como uma muleta nas lideranças parlamentares do Centrão, em primeiro lugar no presidente da Câmara. Ao mesmo tempo, mostra que está ouvindo o descontentamento de setores da burguesia (não só financeira, como na “carta dos 500”, mas produtiva e industrial) que, responsáveis pelas mortes tanto quanto o conjunto do regime golpista que atende a ela, se irrita com o desgaste da imagem do Brasil internacionalmente.

Essa é uma mudança importante no arranjo dos poderes, indicativo das preocupações que atazanam o regime golpista. Os fundamentos dessa política de “refundação” do governo Bolsonaro estão na decadência econômica graúda que deixou 14 milhões de desempregados com a queda de 4,1% do PIB em 2020, junto ao agravamento da cattástrofe sanitária que ceifa diariamente a vida de 3000 pessoas. Mas um ingrediente a mais entre nessa equação: a pressão do imperialismo estrangeiro, em especial da administração Biden, que viu a oportunidade perfeita para destrumpizar o gabinete bolsonarista, ocultando-o sutilmente por trás das necessidades de colaboração internacional pela pandemia.

Dito em poucas palavras, se depender do Congresso, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, está com os dias contados no Itamaraty. O diagnóstico das principais lideranças do Legislativo é claro: o chefe do Itamaraty inviabilizou a interlocução com diversos países e é, hoje, um obstáculo no esforço pela busca por insumos e vacinas. O pelotão de fuzilamento da reputação do trumpista Araújo foi montado pelo próprio Centrão, no Senado.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, alçado ao cargo com ajuda de Bolsonaro, se valeu da ideia de que “Bolsonaro é meu amigo, mas Washington o é ainda mais”. Disse que o pobre Ernesto cometeu "muitos erros", e “um deles foi o não estabelecimento de uma relação diplomática, de produtividade, com diversos países que poderiam ser colaboradores desse momento agudo de crise que temos no Brasil”. O tucano Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou que o Brasil se tornou um pária internacional. A presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PP-TO), questionou a capacidade de fazer interlocuções do ministro, após diversos ataques aos chineses. Simone Tebet (MDB-MS) disse que Araújo "é unanimidade no Senado Federal, coisa que eu nunca vi. Unanimidade de rejeição e de incompetência". E assim o calvário do trumpista seguiu, com cinismos e omissões.

Lira e Pacheco haviam ouvido da boca de empresários paulistas, preocupados em preservar de pé a agenda econômica do golpe institucional, a exigência da cabeça de Araújo. Seguem de perto as ameaças já realizadas pelo presidente da comissão de Relações Exteriores do Senado norte-americano, o democrata Robert Menendez, que pediu a cabeça do chanceler em fevereiro. “Esses eventos foram atos de terrorismo doméstico que resultaram em várias mortes e não foram, como disse o ministro Araújo, atos de ‘bons cidadãos’”, diz o senador na carta. “O ministro Araújo está essencialmente priorizando a relação do governo brasileiro com uma facção radical do espectro político americano”, o que mostraria como “ele é desconectado da realidade atual nos Estados Unidos”.

A pressão aumentará, e dificilmente se estanque apenas com a queda de Araújo. O objetivo parece ser destrumpizar os ministérios centrais, como forma de dobrar o Palácio do Planalto aos Democratas. “Ou sai a ala ideológica ou a guerra está declarada”, disse o deputado Fausto Pinato (PP-SP), aliado de Arthur Lira. “A ala ideológica interferiu e vem interferindo na política externa do Brasil e no combate à Covid-19. O Supremo Tribunal Federal, o Senado e a Câmara declararam guerra à ala ideológica. Bolsonaro vai ter pela frente uma escolha difícil: ou a ala ideológica ou quem dá sustentação ao seu governo. A desculpa do presidente da República era que ele não tinha sustentação. Hoje tudo o que ele manda para o Congresso é aprovado, mas não vamos aceitar caminhar com essas loucuras ideológicas. Parece que o recado em relação à prisão daquele deputado [Daniel Silveira] não foi suficiente”, afirmou Pinato.

Bolsonaro vai provavelmente ter de largar a mão de Araújo. O imperialismo norte-americano, sob o comando de Biden e dos Democratas, pode aproveitar o momento para ser menos pragmático com o Brasil, e mais agressivo em suas imposições ao governo. Destrumpizar o Planalto levaria a uma submissão maior de Bolsonaro. O regime do golpe institucional vai se adequando. Nenhum dos dois tem qualquer preocupação com as vidas de milhões. As reacomodações internas para a suposta auto-reforma do governo ("estratégia seria governar daqui para a frente sem olhar o passado", diz José Maria Trindade) são para melhor preservar as conquistas econômicas do golpismo e os ataques aos trabalhadores, e fazer malabarismos para evitar explosões sociais fruto da iminência do desespero em setores de massas – Lula sendo reabilitado, ademais, para atuar como eventual válvula de contenção do descontentamento social, no melhor estilo da conciliação de classes petista.

As pressões do imperialismo e as manobras do regime do golpe não podem ser combatidos com a política de “esperar 2022” de Lula e do PT, cuja política é se ligar com a direita como vem fazendo com o PSDB, num pacto de frente ampla através de seus governadores. As brechas entre os poderes, que friccionam as relações do Congresso com o Executivo, do STF com militares, abrem espaço para que os trabalhadores resistam aos ataques, o que implica enfrentar a paralisia das centrais sindicais, que não organizaram seriamente a paralisação desse último dia 24.

As batalhas contra os efeitos da pandemia do coronavírus, o desemprego e os ataques econômicos dos golpistas devem andar lado a lado com a defesa dos nossos direitos democráticos, levantando uma campanha para por abaixo a Lei de Segurança Nacional. Essa batalha exige um programa emergencial contra a crise sanitária que ataque os capitalistas e envolve para nós a imposição pela luta de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana como saída independente de todas as alas desse regime golpista, imposta pela força da mobilização que dê à população o direito de decidir sobre os rumos do país, enfrentando os escombros da ditadura que seguem vivos na impunidade de assassinos e torturadores, enfrentando os capitalistas que querem arrancar nosso sangue e enfrentando todas as instituições do regime que aprovam reforma atrás de reforma pra que trabalhemos até morrer.

 
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