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COLUNA
Biden, o suposto “mal menor” e as crianças nas fronteiras
Vitória Camargo
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Donald Trump, aquela figura nojenta, grotesca, racista, artificialmente alaranjada, separava famílias de imigrantes e mantinha crianças enjauladas. Essa foi uma das faces mais podres dentre incontáveis escândalos que marcaram seu governo, um exemplo dentre muitos que nos fizeram pulsar de ódio contra a extrema direita. Mas, justamente por isso, esta coluna é para que não passe despercebido que a versão norte-americana do suposto “mal menor” (sic) contra Trump, os Democratas Biden e Harris, após bombardearem a Síria, estão multiplicando prisões e utilizando campos de concentração no Texas, como resposta à crise migratória.

Há muito sabemos que o capitalismo e, mais ainda, sua vertente defensora da globalização neoliberal exalta um discurso mentiroso de liberdade “sem fronteiras” - cada vez mais colocado em xeque pelas próprias tendências nacionalistas do sistema fortalecidas pela crise de 2008. É óbvio que, como tudo no capitalismo, as fronteiras têm classe, estão a serviço da exploração e dos governos. Por exemplo, a Amazon, que hoje enfrenta uma forte luta pela sindicalização no Alabama, precariza e rebaixa as condições de vida da classe trabalhadora de norte a Sul, de Bangladesh, passando pela Alemanha ao Brasil. Sua exploração é internacional. Mas as famílias mexicanas, os imigrantes nos barcos da morte e a xenofobia nos países europeus seguem espremidos entre a fome, a pandemia, a violência e o sonho impossível de uma vida digna.

O termo “dreamer”, utilizado frequentemente para se referir a eles nos EUA, diz respeito ao sonho de vivenciar um império construído onde há muito seu território foi roubado e transformado em caricatura de faroeste, como no México, não esqueçamos, um império construído com suor e sangue de negros forçados a deixarem sua terra, um império construído com o saque de riquezas de todo o globo. Nesse império, famílias latino-americanas estão sendo detidas mais uma vez. A elas, nenhum “direito de ir e vir”, nenhum direito de sonhar, nenhuma “reparação histórica”.

E Biden, que, convenhamos, esbravejou contra as medidas migratórias de Trump, mas também formulou abertamente que não mudaria fundamentalmente nada do establishment norte-americano, tem dado continuidade a esse drama. Uma política migratória repressiva, que movimenta o comércio de armas e companhias carcerárias privadas, é parte do regime. Não à toa, embora Trump lidere em encarceramento, Obama foi campeão em deportações. Para a possível surpresa dos que apostaram no partido imperialista mais antigo do mundo como saída, a chegada de Biden significou um aumento em prisões por tentativas de cruzar a fronteira ilegalmente, responsabilidade que ele busca jogar nas costas do governo anterior.

Segundo o El País, em Fevereiro houve 100 mil prisões, um aumento de 28% em relação ao mês anterior. Em Março, estamos na marca de 4 mil prisões diárias, podendo bater o recorde mensal de 130 mil. Enquanto o mundo agoniza pandemia e fome, no Texas centenas de crianças e adolescentes estão dormindo em colchões de ginástica, aglomeradas, passando dias sem tomar banho em ginásios. Esses são os campos de concentração, que a imprensa Democrata até tentou pintar como um acampamento de verão, disfarçando que lembram fortemente a política trumpista.

Algumas crianças dizem que não viram o ar livre por dias a fio. São ao menos 3,2 mil crianças imigrantes desabrigadas. Várias foram detidas por mais de 72 horas, o máximo que permite a Lei Federal. É uma crise humanitária, afirmam. É uma crise causada pelo imperialismo, dizemos, afinal, suas fortalezas, mesmo que decadentes, sustentam-se na exploração e disseminação da miséria nesses países em que a população somente almeja viver dignamente. Lopez-Obrador, presidente do México, responsabilizou-se pela militarização das fronteiras na era Trump e agora é cúmplice de Biden, é preciso dizer.

Analistas, preocupados, estão escrevendo que esse é o tema que pode romper a chamada “lua-de-mel” de Biden no governo. Biden desfila pelo país com os louros de seu novo pacote econômico e da campanha de vacinação. Enquanto isso, há pressão por parte do “centro Republicano”, aproveitando-se eleitoralmente, e da ala esquerda Democrata, que busca responder (e conter) a base social que fez tremer o coração do império contra o racismo numa rebelião que Biden buscou com todas as forças desviar. E há também uma base xenófoba da extrema direita de milhões, que Biden busca governar, conciliando, com um discurso de pacto nacional, a mesma que invadiu o Capitólio. Esse é um entre os primeiros episódios da série que pode demonstrar aonde leva lógica do mal menor na vida de milhões.

Sempre vale dizer: imperialismo é imperialismo; não se derrota o projeto da extrema direita conciliando e apostando nas eleições. Queria saber o que tem a dizer a esquerda brasileira que chamou voto em Biden.

Nosso internacionalismo também tem classe, e é contra todas as fronteiras.

 
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