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O patriarcado não vai cair sozinho, nós temos que derrubá-lo
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG
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Algumas semanas atrás minha mãe me contava toda contente, em uma chamada de vídeo, que naquele dia ela não tinha feito o almoço, quem tinha cozinhado era meu padrasto. Na mesma ligação ela também comentava como agora ele às vezes lavava a louça e limpava a casa. Fiquei pensando o significado dessa mudança, meu padrasto que sempre foi criado numa lógica patriarcal, que naturalizava como “tarefas das mulheres” os afazeres de casa e agora compartilhava com minha mãe algumas dessas chatas obrigações domésticas.

Essa passagem me fez voltar no tempo, quando entrei na faculdade em 2013 eu não era feminista. Para aquele jovem de 18 anos o feminismo era uma vaga ideia de mulheres contra homens, que parecia não se encaixar muito bem com meus dilemas pessoais. Naquele mesmo ano a juventude saiu aos milhares nas ruas para questionar problemas estruturais como o direito à educação, a saúde e ao transporte. Foi assim que despertei para política. Alguns meses depois, em meio a uma greve universitária, eu conhecia um tipo de feminismo que faz meus olhos brilharem, um feminismo que queria emancipar também as trabalhadoras negras terceirizadas.

A USP não tinha cotas, eu era uma das poucas estudantes negras em um universo de aproximadamente 800 calouros do meu curso. Aliás, eu só fui me afirmar enquanto mulher negra depois de conhecer melhor esse feminismo marxista, depois de ler sobre a história daquelas mulheres, que no processo de luta contra os patrões também viram a necessidade de tomar em suas mãos os rumos das suas histórias. Eu reconheci nelas a história da minha mãe, da minha avó, das minhas tias. E eu decidi que queria lutar com elas e por elas.

Nunca foi fácil, mas eu tinha ao meu lado companheiras que me fortaleciam todos os dias nessa batalha contra o racismo, o patriarcado e o capitalismo. Porque nós também entendemos que para acabar com a opressão é necessário travar uma dura batalha contra o capitalismo. Foi sempre a partir dessa perspectiva que lutamos também pelo direito às creches, contra os estupros e a violência que era tão naturalizada e arrancamos as cotas étnico-raciais.

O feminismo ganhava força internacionalmente. Milhares saíram às ruas pelo mundo. Como sempre dentro do capitalismo, tentaram tirar qualquer possibilidade de radicalidade do nosso questionamento. Agora tenho uma infinidade de produtos feitos especialmente para meu cabelo e minha pele, tem várias atrizes, cantoras e apresentadoras negras todos os dias na mídia burguesa. Mas as trabalhadoras terceirizadas, aquelas mulheres que foram parte essencial da minha decisão de lutar contra esse sistema, essas seguem sendo exploradas com ainda mais intensidade e com menos direitos.

Em meio a esse processo, houve um golpe institucional. Em nome da família, da propriedade privada e da religião, uma maioria de homens héteros e brancos iam decidindo que o melhor para nosso país era a reforma trabalhista, a terceirização, a reforma da previdência e tantos outros ataques. Não bastava somente os acordos e concessões que o PT vinha fazendo com as igrejas, o agronegócio ou o fortalecimento das forças repressivas, empoderando os generais que hoje são parte do governo Bolsonaro, quando decidiu enviar tropas para comandar a invasão militar no Haiti. Para a outra classe, era preciso ir por mais.

A contradição principal, era que apesar do enorme potencial de questionamento que o movimento de mulheres levantava, isso se dava de forma muito separada das lutas da classe trabalhadora. Enquanto o feminismo avançava, avançava também as reformas e o projeto golpista, abrindo espaço para o crescimento de uma extrema-direita que se enfrenta frontalmente com as ideias da luta pela emancipação das mulheres e negros.

O bolsonarismo veio como uma resposta reacionária ao fortalecimento das lutas das mulheres. E diante do fracasso cada vez mais evidente das ideias liberais que não resolvem o básico, como o fato de que nós mulheres negras ganhamos até 60% a menos que os homens brancos. Todos esses elementos mostram como apesar das mudanças, o patriarcado jamais vai cair sozinho. E nós precisamos estar organizadas ao lado da nossa classe, essa maioria negra e feminina, se quisermos derrubá-lo. Por isso, o feminismo socialista é aquele que melhor pode responder aos anseios das milhares de jovens, meninas e mulheres que diante da crise capitalista, da pandemia, do desemprego e da fome não veem outra alternativa a não ser lutar.

Então voltando ao início, que hoje muitos homens, até mesmo aqueles que sempre viveram imersos na lógica patriarcal, comecem a questionar isso e mudar pequenos hábitos tão naturalizados é parte de um avanço. Mas nossa aspiração não pode se reduzir ao desejo de comandar grandes empresas, enquanto as mulheres e meninas são 70% entre os mais pobres no mundo. Nossa aspiração não pode ser que uma mulher negra seja a vice-presidente do principal país imperialista para que seja ela a ordenar o bombardeio contra as mulheres do Oriente Médio. Nossa aspiração não pode ser apenas uma busca por um novo senso comum feminista, não queremos somente dividir o trabalho doméstico entre homens e mulheres, lutamos para que ele seja retirado do âmbito privado e possa se tornar uma responsabilidade do estado.

Hoje tem toda uma nova geração de jovens, que mesmo tão novas despertam para a política pela via do feminismo, especialmente para combater essa extrema direita asquerosa. Uma nova geração ávida por mudanças, inquieta com o fato de que a perspectiva do futuro é tão sombria. Meu desejo é apresentar a cada uma delas a paixão que nos move todos os dias. Meu desejo é que diante da raiva por cada mulher vitima da violência de gênero, de cada mulher que perde sua vida ou fica mutilada por abortos clandestinos, a gente busque transformar nosso luto em luta. Quero que essas meninas possam conhecer a história de Rosa Luxemburgo, a maior dirigente revolucionária da história, que com apenas 15 anos decidiu entrar no movimento socialista e dedicou toda sua vida a essa luta, afinal “a revolução é fantástica, todo resto é besteira”.

E é por isso que termino essa coluna, convidando vocês a participarem da plenária do Pão e Rosas, no próximo sábado dia 6 de março, às 16:30h, pelo zoom. Um convite que não é apenas para mais uma reunião online, pois como lindamente colocou minha camarada Letícia Parks, esse é um convite que quando a gente aceita, nos transforma em sujeitos da nossa própria história, em mulheres que no combate contra as misérias da vida no capitalismo encontram um sentido tão profundo, que querem convencer muitas outras a trilharmos juntas esse caminho, porque “precisamos ser muitas!”

 
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