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EXPLORAÇÃO
A vida nunca foi tão evidentemente trabalhar, pagar contas, comer mal e dormir
Anônimo

Publicamos o relato de uma jovem professora da rede particular de Belo Horizonte, enfrentando a precarização do trabalho na educação em plena pandemia.

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Sou professora da rede privada de Belo Horizonte e me formei em Letras no segundo semestre de 2020. Eu trabalhei em cursos de idiomas durante todo o tempo que fiz faculdade, mas também fiz vários tipos de freelas, principalmente como garçonete. Nunca tinha trabalho como professora de carteira assinada. No meu último emprego, em uma escola de idiomas bem conhecida em Belo Horizonte, o meu ex-chefe além de não assinar minha carteira, se recusou a assinar um simples termo que declarava unicamente que eu trabalhava lá, para que eu pudesse apresentar na minha faculdade e cumprir com horas obrigatórias de atividade extracurriculares. Seu argumento foi de que ele já teve problemas e processos com professores por não assinar suas carteiras. Tenho vários amigos e ex-colegas de trabalho que continuam trabalhando em escolas de línguas e que estão sempre me relatando situações de exploração similares nesse tipo de empresa, são práticas muito comuns.

Esperei muito por esse momento na minha vida em que eu achei que teria mais estabilidade financeira, mais tempo para desfrutar do dinheiro que eu ganhasse, mais oportunidades de viajar e conhecer pessoas. O que ocorreu enquanto eu estava prestes a me formar foi a pandemia causada pelo vírus da Covid e, desde então, eu continuei trabalhando remotamente como professora particular, e me mantendo com o dinheiro das aulas e do auxílio emergencial. Finalmente, em Janeiro desse ano fui contratada pela escola que trabalho atualmente. A escola que eu leciono adotou o modelo bilíngue de ensino como parte do seu sistema e método educacional. Portanto, os alunos do ensino infantil e fundamental que optaram por essa modalidade, frequentam o ensino regular durante a manhã e aprendem português, matemática, inglês, artes, música, etc, e durante a tarde, eles ingressam em aulas de matemática, ciências e artes, realizadas em língua inglesa. O programa funciona como uma prática de imersão e exposição do idioma. Eu sou professora do ensino bilíngue para uma turma de dezenove alunos de 8 a 9 anos.

Apesar de muito feliz com o fato de estar trabalhando com o tão esperado vínculo empregatício, a vida de trabalhadora da educação em meio à pandemia, em menos de um mês, já tem me desgastado tanto física como psicologicamente. Mesmo que em vantagem em relação aos professores da rede pública estadual, mesmo que trabalhando também apenas meio período na escola, e principalmente, mesmo que (por enquanto) eu não esteja sendo obrigada a trabalhar presencialmente, a sobrecarga de trabalho tem sido degradante. Os pais e a coordenação da escola fazem contato comigo o dia inteiro pelo whatsapp, sempre fora do meu horário de trabalho, exigindo que eu esteja disponível literalmente o dia inteiro, durante o horário de almoço, cedo na manhã ou em qualquer horário que necessitem de esclarecimento ou orientação sobre qualquer coisa.

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Os alunos estão abalados, cansados de ficar das 7h da manhã até às 14h30 da tarde na frente de um computador. Ficam frustrados com o modelo limitado de escola que vivenciam, e seus pais, também exaustos com sua rotina de trabalho e com a assistência que necessitam de dar aos filhos durante a aula, transmitem frequentemente sua ansiedade para a coordenação da escola, que exige diariamente um retorno satisfatório do desempenho dos alunos. Reuniões online são marcadas com apenas minutos antes de antecedência quase todos os dias, às vezes mais de uma vez ao dia, e naturalmente, fora do horário designado para que elas aconteçam.

Além disso, como o salário que a escola me paga é insuficiente para que eu me mantenha, eu não tenho outra opção, senão continuar com as aulas particulares durante a noite. Portanto, contando com o tempo que preciso para preparar as aulas que eu leciono, eu tenho trabalhado de nove a dez horas por dia, e tenho tido menos tempo para fazer qualquer outra coisa, do que quando eu trabalhava e estudava ao mesmo tempo e gastava duas horas diariamente no transporte público. Na semana passada precisei sair da “sala de aula”, que agora é o meu quarto, para ir ao banheiro vomitar e depois continuar a aula, porque tive que comer às pressas antes da aula. Tenho ficado exausta todos os dias e tenho trabalhado também nos finais de semana, para desafogar a carga de trabalho durante a semana. A vida nunca foi tão evidentemente trabalhar, pagar contas, comer mal e dormir. Estou exausta.

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