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COLUNA
Debate com Djamila Ribeiro: a nova geração é mimada ou crítica?
Letícia Parks
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Nessa quinta-feira, dia 04/02, em sua coluna na Folha de São Paulo, a filósofa Djamila Ribeiro publicou uma matéria intitulada "Pessoas mimadas não respeitam quem veio antes em tempos de debates rasos", na qual critica a juventude millennial, entre 20 e 35 anos, sob os argumentos de que realizamos debates rasos e críticas vazias nas redes sociais, onde haveria uma espécie de desrespeito a quem "já estava lá".

Entretanto, é preciso dizer: as grandes massas estão nas redes sociais. O Brasil lidera as listas de usuários de algumas das principais redes sociais do mundo. Somos o país com a maior quantidade de usuários de YouTube e a segunda maior população em usuários tanto de Facebook quanto de Instagram. O Twitter vem crescendo em ritmo acelerado, acompanhando o ritmo de crescimento das redes sociais em geral produzido pela pandemia.

Repito: as grandes massas estão nas redes sociais, logo, tudo o que se estuda na academia de alguma forma está traduzido ou manifesto na vida cotidiana - a não ser que estejamos falando sobre o sexo dos anjos. A forma como Djamila trata o debate acadêmico como separado das redes sociais, portanto, da via de comunicação da grande massa, transmite uma visão de que esses universos estão divididos por uma fronteira, como se o que as pessoas argumentam nas redes sociais fosse necessariamente superficial ou vazio, ou como se para produzir uma crítica de alto nível fosse necessário publicar um livro. Em cada tuite de três linhas, por mais simples que possam ser, estão condensadas ideias que são estudadas e debatidas no meio intelectual. E com todo respeito que tenho aos livros, é impossível fazer uma associação estanque entre qualidade e quantidade de conteúdo.

Isso não significa que a universidade não tenha seu papel. A história está preenchida de milhares de intelectuais que colocaram seu conhecimento a serviço de fortalecer os combates da classe trabalhadora e do povo oprimido contra esse sistema de opressão e miséria que é o capitalismo. Esse combate para que em nossa geração hajam tantos outros, milhares, espalhados pelo país, que se enfileiram nesse combate e se colocam a serviço da revolução social mais profunda, está mais vivo do que nunca. E para esses, que não separam a vida real do debate de ideias, há tantos livros que merecem ser lidos quanto há tuites, vídeos, posts de Facebook que merecer ser debatidos, estudados, dialogados e refletidos. Como é possível que a crítica social atinja a grande massa se abre mão de encarar que é na voz do cotidiano que se expressam os desejos, sonhos e dilemas que atravessam as mentes dos filósofos, historiadores, beletristas, e mais ainda, ativistas sociais?

E mais do que isso. Cada grande debate na academia tem sua tradução na comunicação cotidiana, portanto, é preciso dizer: considerar superficialidade vazia ou um universo de mimados o que se diz nos espaços da vida cotidiana é uma visão bastante academicista da luta social. A prioridade por dialogar apenas com os debates "nas alturas" anula um setor específico dos sujeitos sociais que são geralmente os de consciência mais crítica ao sistema, em geral excluídos da academia. Vivemos uma época de bolsonarismo e autoritarismo político. Se fala nas universidades e escolas em educação sem partido. Enfrentar o autoritarismo significa, em grande medida, reconhecer que há muitos de nós, intelectuais, pensadores, forjados não pela sala de aula das grandes universidades, mas pelo aprendizado conquistado pela luta de classes, como são as terceirizadas, trabalhadoras e trabalhadores de aplicativos, entre tantos outros precarizados pela crise e pelos ataques, que não vão encontrar seu espaço numa academia que veta o pensamento produzido pela luta social. Quando se fecha os olhos pro que é dito nas redes, se traça um fronteira também com o que existe de mais crítico que não está presente por todos os lados da academia.

A surdez frente ao que se diz nas redes torna-se, assim, uma surdez seletiva, que escolhe debater apenas com os que pensam parecido, com os que encontraram um lugar difícil de atingir pela grande massa, e que, furtados do direito que deveria ser toda a humanidade, escrevem ou dizem suas ideias no veículo mais próximo da mão cansada dentro do busão, depois da longa jornada de trabalho, depois da greve, depois da assembleia, depois do piquete.

Não poderia, como millennial que sou, me furtar de finalizar essa coluna em defesa do que há de melhor - e potencialmente revolucionário - da minha geração. A crítica geracional que faz Djamila se dá frente a uma geração que está protagonizando uma série de lutas a nível internacional, se expressando com força na política através das ruas, das mídias, saturada dos ataques da crise capitalista. Somos os maiores perdedores da crise, e em Paris, em Santiago, em Buenos Aires, no Cairo, Nova York, Minneapolis, organizamos nossas lutas pelas redes sociais, lançando as críticas que fossem necessárias aqueles que se colocavam como obstáculo das transformações que decidimos construir para poder ter direito ao nosso futuro. Alimentar a ideia de que as redes sociais são o lugar dos "mimados" é estimular um discurso dominante, esse setor que treme frente a possibilidade de que sua invenção para nos fazer consumir possa se virar contra eles. Eles querem que pensemos que o que acontece ali é necessariamente tóxico, quando pode ser a ferramenta da crítica, do debate de ideias, da organização pro combate na luta de classes. Há um forte discurso de uma burguesia interessada em calar uma voz que vem das ruas, estimulando uma série de medidas de censura e controle das redes sociais que se pintam de controles antirracistas ou antipatriarcais, mas como sempre, podem e serão usados para calar não a voz do opressor, mas a voz que vem das ruas.

 
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