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VACINAÇÃO
Vacina vinda das mãos dos trabalhadores do SUS: resposta ao editorial da Folha
Maré
Professora designada na rede estadual de MG

Na seção “O que a Folha pensa”, do jornal Folha de S. Paulo foi publicado no último dia 5 um editorial que defende a interferência do setor privado na vacinação contra a Covid no Brasil. Nada novo sob o sol da mídia golpista e neoliberal: o lucro acima da vida.

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Foto: Dirk Waem / AFP

Muito tem se falado nos últimos dias sobre o papel da iniciativa privada na vacinação contra a Covid no Brasil. Isso se deve a uma recente viagem à Índia de uma comitiva de membros da Associação Brasileira das Clínicas de Vacina para negociar a compra de cinco milhões de doses da Covaxin, vacina que está sendo desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech. A Folha de S. Paulo deu sua opinião, que de tão rasa mal seria digna de publicação, e serve sobretudo, para não dizer apenas, para escancarar seu caráter extremamente golpista e neoliberal.

Se apoiando na já conhecida inescrupulosa postura do governo de Jair Bolsonaro com relação à vacinação, o editorial da Folha, com alguns poucos parágrafos nada convincentes nem mesmo para setores que defendem a “liberdade” de o setor privado comercializar a saúde da população, começa dizendo que “Desde que não compita com o SUS, setor privado pode ajudar a ampliar imunização” – o que sequer é verdade do ponto de vista técnico, além de ser uma distorção da realidade do ponto de vista político.

O editorial argumenta que as iniciativas empresariais devem ser em caráter complementar e não predatório na oferta de imunização para a população, como se os tubarões da saúde e da farmacologia estivessem dispostos a controlar seu ímpeto ganancioso em nome do bem estar comum. Já não o fizeram durante todos esses meses quanto à oferta de testes diagnósticos para a Covid.

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Para não cometer uma injustiça: é verdade que a Folha defende que um plano nacional, público e gratuito de vacinação deve ser prioridade. Isso é, podemos dizer, um consenso absoluto dentre especialistas e leigos minimamente sensatos, mesmo dentre os entusiastas da iniciativa privada. Do ponto de vista da eficácia da imunização, ela não tem sentido de ser senão por um plano que atinja amplamente a população, não por critérios de faixa de renda, mas por risco de vida e nível de exposição à infecção. Isso é o que defende, por exemplo, o professor Gonzalo Vecina Neto, entrevistado pela própria Folha.

Mesmo a diretora brasileira da OMS - que está longe de ser uma organização contrária à interferência do setor privado na saúde pública - disse ontem à GloboNews que "As vacinas são bens públicos nesse momento" e que "Não deveria ter discriminação no acesso à vacina para quem paga e não paga".

Há inclusive especialistas que criticam duramente uma possível desigualdade regional, fruto da corrida entre estados e municípios para conseguir a vacina independentemente do plano de vacinação nacional, porque estados e municípios mais pobres podem ter sua população penalizada, além de que as diferenças que podem haver (quais grupos terão prioridade na vacinação, se vai haver ou não segunda dose, qual tempo de intervalo entre uma dose e outra) diminuem significativamente a eficácia da imunização coletiva. É o caso da professora da Universidade Federal do Espírito Santo, Ethel Maciel:

Até mesmo o general Eduardo Pazuello, em seu pronunciamento em rede nacional ontem, fez um discurso com algum destaque para a vacinação pública - claramente respondendo a enxurrada de críticas que o governo tem recebido. Aproveitou para "cortar as asinhas" de governadores como João Doria, que têm buscado "garantir o seu", como parte da disputa política entre os governos federal e de SP - que tem por trás o interesse em "mostrar serviço" visando 2022, estancar razoavelmente a sangria da pandemia e poder retomar a economia sem empecilhos, e inclusive negociar a revenda de doses para o Ministério da Saúde. Nesse sentido, Pazuello tentou inclusive dar a volta por cima, alegando que o Brasil vai ser um exportador de vacina para outros países.

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Mas segundo a Folha é preciso dar uma tarefa à iniciativa privada, já que o SUS é incapaz de garantir a imunização na quantidade e no ritmo necessário. A questão é que a suposta incapacidade do SUS tem sido, desde a sua fundação, a justificativa para abrir espaços muito fortuitos aos tubarões da saúde, que, não se pode haver dúvidas, estão dispostos a sacrificar o quanto for possível da população para garantir seus lucros. “Quem paga a banda, pede a música”, e, no capitalismo, não é diferente mesmo quando se trata de um assunto extremamente mais sério que músicas e bandas.

Na realidade, a incapacidade do SUS é “profecia autocumprida” na boca e nas mãos de "N" governos – federais, estaduais e municipais, mandato após mandato, inclusive os do PT – que continuaram os cortes à saúde que todos governos realizam. Nesse projeto, muito mais agressivo nas mãos de Bolsonaro e de outros golpistas, há consenso não só entre Bolsonaro, Guedes e Pazuello, mas também entre Maia, Alcolumbre, o STF e governadores. Está aí o que a Folha (assim como a Globo e demais jornais aliados dos golpistas) não mostrou, insistentemente, durante toda a pandemia, porque eles também apoiam o mesmo projeto: o lucro acima de tudo. Ou melhor, durante todo o período pós-golpe institucional de 2016 as mídias podem se postar como separadas dos governos, mas compartilham uma agenda comum, a agenda do golpismo.

Muito se fala, com toda razão, do negacionismo de Bolsonaro e das várias mostras que deu de que é um governo, antes de qualquer coisa, comprometido com os grandes empresários. Em seu primeiro dia de trabalho em 2021, o que ele teve a dizer é que "O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada.", bastante parecido com o outrora “E daí? Não sou coveiro”.

Após uma tentativa de privatização do SUS, a implementação de duas MPs que precarizam o trabalho e facilitam demissões, dentre tantos outros ataques, o principal responsável pela crise econômica e sanitária lava suas mãos.

Mas Bolsonaro não é responsável sozinho, tampouco se sustenta “no ar”. Ele é fruto e parte fundamental do atual regime político golpista, dentre cujos pilares estão também os "golpistas institucionais" do Congresso, Judiciário, governos estaduais, etc. O que os unifica com o bolsonarismo são as reformas e ataques que se aprofundaram ainda mais desde 2016, para acelerar o desconto da crise na conta dos trabalhadores, do povo pobre, das mulheres, negros, LGBTs, indígenas e imigrantes.

Nesse tratado sempre esteve a defesa das reformas trabalhista e da previdência, da terceirização irrestrita, da reforma do ensino médio, da PEC do teto de gastos, do pagamento religioso da dívida pública, da repressão às lutas e greves... nunca esteve a defesa do SUS e de recursos para a saúde pública.

Por isso, sob a ótica desse regime, sob as regras desse jogo, faz sentido defender que é necessário abrir espaço para a iniciativa privada onde a pública não responde às demandas. Nada novo sob o sol da Folha. Mas desde uma concepção realmente comprometida com o combate à pandemia - não só no que tange a imunização, mas inclusive com a garantia imediata de todas as medidas preventivas contra a infecção e com o fortalecimento das medidas de tratamento dos doentes - a única defesa coerente é a do fortalecimento do sistema público em detrimento do privado.

Da parte de Bolsonaro e dos demais atores desse regime, sabemos que primará a defesa da propriedade privada do capitalistas envolvidos em toda a corrida da vacina. No entanto de nossa parte deve haver a defesa incondicional de que a vida da população valha mais que os lucros dos grandes empresários, e isso envolve a estatização sem indenização de todo o sistema privado, com, é claro, o confisco de todos os recursos existentes para a vacinação e a sua disponibilização para a população, seguindo uma fila única. Esse programa significa construir, finalmente um sistema realmente único de saúde, público, centralizado, e que deveria ser controlado pelos trabalhadores do SUS.

Certamente, aqueles que estiveram na linha de frente durante toda a pandemia, aqueles que há anos dedicam suas vidas para estudar a saúde humana e sua relação com a sociedade o meio ambiente, aqueles que estão estrategicamente localizados nas engrenagens mais essenciais dos serviços de saúde... essas pessoas têm mais capacidade e urgência de dirigir um plano nacional de imunização, para o qual o Estado deve garantir todo o necessário, mediante a taxação progressiva das grandes fortunas e o não pagamento da dívida pública.

Para garantir a vacinação segura, gratuita e para todos, é preciso defender a mais irrestrita independência da influência do setor privado no desenvolvimento das vacinas, assim como a total liberdade de pesquisa para outras formas de imunização e também de medicação, o fim das patentes para que todo o conhecimento seja de domínio público, a gestão da fabricação das vacinas por parte dos trabalhadores da indústria farmacêutica, com o controle de representantes da população e especialistas.

Nada disso pode se dar em aliança com os algozes dos trabalhadores e do povo, seja qual for a cara que assumam – mais autoritária e negacionista ou mais "democrática" e "científica" – mas sim pela organização e luta dos trabalhadores de todas as áreas juntos aos movimentos sociais.

 
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