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Partido Obrero e sua subordinação ao regime do golpe institucional no Brasil
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
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Publicamos esse artigo de resposta ao Partido Obrero na Argentina, depois da intensa campanha política que fizemos no MRT para batalhar por uma política de independência de classe nessas eleições.

Quando se vai debater com o Partido Obrero argentino sobre a política brasileira, não resta nada senão lembrar do engenhoso francês que sugere que a ignorância é um mistério do corpo para esconder os defeitos do espírito. Rafael Santos do PO surge como um desses espécimes. Assina um artigo pretensioso com inúmeras falsidades contra o Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), diante das quais o PO se sente tanto mais livre quanto mais distante está de qualquer intervenção concreta ou qualquer tipo de atuação no Brasil. O que resta do PO no Brasil, o PCO, sempre praticou um sindicalismo bruto e constitui um apêndice submisso do PT de Lula. Apesar desse irrelevante legado, abandonado sem qualquer balanço, o mais ilustrativo da posição do PO é que se adapta completamente ao regime do golpe institucional, de mãos dadas com a esmagadora maioria da esquerda brasileira que julga criticar.

Em primeiro lugar, limpamos um terreno confundido pela desesperada ignorância do PO. O MRT saiu com candidaturas revolucionárias pelo PSOL, através da legenda democrática (algo que não existe na Argentina), em função do sistema eleitoral sumamente antidemocrático e proscritivo do Brasil, que impede que organizações socialistas revolucionárias sem legalidade possam se candidatar. Nessa modalidade, pode-se fazer campanha em defesa dos candidatos próprios (o que também não é possível na Argentina): nossa campanha se deu em defesa dos candidatos do MRT, com nosso programa, sem qualquer compromisso com o programa do PSOL, ou qualquer apoio a suas candidaturas.

O PO não vê qualquer problema em servir-se do autoritarismo do sistema eleitoral brasileiro para suas chicanas, ainda sendo obrigado a reconhecer que não fazemos parte do PSOL. As candidaturas do MRT direcionaram sua política e agitação contra Bolsonaro, Mourão e todo o regime do golpe institucional, combatendo abertamente desde o início do ciclo eleitoral, em inúmeras oportunidades, a subordinação do PSOL a esse mesmo regime político autoritário, com a política de serem seus gestores municipais (assim como as alianças com partidos burgueses, política nacional desse partido). Criticamos firmemente em distintos artigos do Esquerda Diário (ver aqui, aqui, aqui e aqui) a frente ampla com partidos burgueses e golpistas que Guilherme Boulos estabeleceu para o segundo turno das municipais de São Paulo, alianças que o PSOL manteve em muitas regiões do Brasil. O PO tem de se submeter ao ridículo de ocultar esse fato, e esconder que o MRT retirou suas candidaturas em Santo André (em que o PSOL se coligou com a REDE), em Campinas (em que saiu na chapa do PT) e no Rio de Janeiro (em que o PSOL colocou um coronel da polícia militar como vice de sua candidata a prefeito), instâncias em que criticamos aos olhos de todas as centenas de milhares de leitores mensais do Esquerda Diario a política de alianças do PSOL, contrapondo-a à política de independência de classes contra o regime golpista que levamos adiante nas candidaturas que mantivemos em São Paulo, Contagem e Porto Alegre.

O PO diz que o MRT, organização irmã do PTS argentino, “oculta” a intenção do PSOL de constituir frentes amplas com partidos burgueses. Não superestimamos a capacidade de leitura e interpretação do PO, mas um breve exame de nossos materiais escritos e audiovisuais seria suficiente para identificar as críticas dessa natureza que fizemos à direção do PSOL, antes e depois de sua política no segundo turno em SP. Como dizia Trótski, até a calúnia precisa ter alguma lógica; mas lógica não é uma das virtudes dessa agremiação portenha.

Do ponto de vista da política nacional, o artigo de Rafael Santos demonstra que o PO, caso existisse no país, seria parte da esquerda que agrada ao bonapartismo institucional: adapta-se alegremente ao regime do golpe institucional no Brasil. Toda a sua política revela um desprezo direitista pelas implicações das mudanças autoritárias no regime político brasileiro desde o golpe institucional de 2016. Lendo os materiais do PO, parece que nunca houve golpe no Brasil. O autoritarismo judiciário, levado adiante pelo Supremo Tribunal Federal e a Lava Jato de Sérgio Moro, abriram caminho à maior interferência do imperialismo no Brasil e na América Latina, atacando em linha todos os direitos sociais da classe trabalahdora e do povo pobre, e preparando as eleições presidenciais manipuladas em 2018 que deram o triunfo a Bolsonaro. Tudo isso foi feito a partir do impeachment de Dilma Rousseff em 2016, atropelando os vestígios de soberania popular nessa apodrecida democracia capitalista, para instalar um novo regime que pudesse aplicar ataques mais duros que os que o PT vinha fazendo. Nada disso importa ao PO, para quem o regime autoritário brasileiro é um terreno normal. Não espanta que o PO elogia as candidaturas “ de classe” do PSTU em Porto Alegre, sem mencionar que essa organização, tributária da tradição morenista, apoiou o golpe institucional e a Lava Jato de Sérgio Moro, atuando na prática como quinta roda do golpismo da extrema direita (um balanço que o PSTU nunca fez). O PO encobre o direitismo do PSTU, e imita sua atitude cúmplice.

A conclusão dessa postura, de desprezo pela condição das massas submetidas a esse regime autoritário, é a crítica que fazem à consigna da Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que levantamos no MRT para atacar não apenas Bolsonaro e Mourão, mas o conjunto do regime golpista.

Nunca se tratou de resolver num “debate democrático” os problemas do país, e sim ter a única política que pode questionar o conjunto do regime do golpe institucional, regime golpista que o PO aceita do outro lado da fronteira. Trata-se de atacar em regra não apenas Bolsonaro e Mourão, mas todas as instituições desse arcabouço golpista dos poderes instituídos (STF, Congresso nacional, etc.) que nos trouxeram até aqui, estando na linha de frente da defesa de todos os direitos democráticos e sociais da classe trabalhadora e do povo pobre, pisoteados diariamente. A dinâmica de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, imposta pela luta, se inscreve nos maiores choques entre os interesses das classes, que exige a autoorganização e autodefesa dos trabalhadores contra os poderes fáticos do Estado capitalista, o que permite ligar a defesa dos direitos democráticos das massas à lógica transicional da revolução permanente, que associa essa política indivisivelmente à perspectiva de um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo. Se citasse de forma completa os trechos que seleciona, toda a polêmica ficaria mais difícil ao PO.

Uma Assembleia Constituinte dessa natureza só pode ser imposta pela luta sobre as ruínas do regime político golpista e suas instituições – uma política que estamos levando adiante no Chile com nossos companheiros do Partido dos Trabalhadores Revolucionários diante da armadilha da convenção constituinte. Não é uma consigna isolada, e está articulada na tradição marxista a uma dinâmica transicional, que no Brasil implica atacar o latifúndio e abolir a grande propriedade da terra, abolir a Lei de Responsabilidade Fiscal e o pagamento da fraudulenta dívida pública, como parte de expulsar a submissão ao imperialismo, eliminar todos os privilégios financeiros de juízes e políticos, fazendo com que sejam eleitos e revogáveis e recebam o mesmo salário médio de um trabalhadora, entre outros temas. Nessa batalha, os revolucionários dirigiriam sua agitação contra o Estado capitalista. Que tem isso a ver com “resolver em debate democrático” os problemas nacionais?

A virtude dessa consigna é, justamente, auxiliar as massas a enxergar as conspirações antidemocráticas do seu inimigo. Como diz o revolucionário russo em 1928, “As consignas da democracia formal conquistam ou são capazes de conquistar não somente as massas pequeno-burguesas, mas também as grandes massas operárias, precisamente porque lhes oferecem a possibilidade (ao menos aparente) de opor sua vontade à dos generais, latifundiários e capitalistas. A vanguarda proletária educa as massas servindo-se dessa experiência e as leva adiante” (Stalin, el gran organizador de derrotas, CEIP-IPS, p. 290).

Que o PO desconheça a rica tradição do trotskismo nesse terreno, em função de seu sindicalismo e eleitoralismo desenfreados, não chega a admirar. Mas a conclusão do desprezo direitista do PO pela batalha transicional em defesa das demandas democráticas é estar no colo dos golpistas de toda pelagem no Brasil.

Nossa batalha por constituir as bases de um reagrupamento revolucionário da vanguarda operária e juvenil no Brasil foi o objetivo de primeira ordem que guiou a participação do MRT nas eleições. Já os gritos histéricos da direção do PO, no Brasil como em vários lugares do mundo, contrastam com sua completa inexistência fora da Argentina. O nacional-trotskismo do PO asfixiou nessa triste organização qualquer desejo de aportar algo ao movimento operário internacional. Sua ex-organização internacional, a Coordenação para a Reconstrução da Quarta Internacional (CRQI) desapareceu sem qualquer balanço político, sem quaisquer grupos, mesmo em países vizinhos, que estejam ligados ao PO. Os antigos sócios italianos do PO na fundação da CRQI estiveram 15 anos dentro da Refundazione Comunista (a reconversão do estalinismo italiano), chegando a apoiar o governo imperialista de Romano Prodi de 1996 a 1998. Romperam apenas em 2006 e depois (como PCL) integraram a CRQI até a ruptura com o PO em 2017. A juventude da dita organização logo formou a Frazione Internazionalista Rivoluzionaria (FIR), que impulsiona o jornal La Vocce delle Lotte e vem se integrando à FT-QI. Na Grécia, o apoio do PO ao Syriza em 2012, que com Alexis Tsipras imporia todos os ajustes exigidos pelo imperialismo alemão aos trabalhadores gregos, abriu caminho para a ruptura (sem balanço) com sua seção grega. Experiências dessa natureza devem ter traumatizado a direção do PO, que agora alia sua inexistência internacional com acusações dignas de pena pela cretinice.

No Brasil já sabemos o resultado da “herança” do PO: um grupo irrelevante integrado submissamente ao PT. Falamos de uma corrente, portanto, que não tem participação alguma na construção de uma política independente.

Se na Bolívia o Partido Obrero não teve problemas em chamar voto em Luís Arce, ala direita do MAS de Evo Morales, no Brasil não levantam nenhuma política contra o regime do golpe, aceitando suas regras e limites, assim como o PSOL e os morenistas brasileiros. Se existisse no Brasil, o PO seria apenas mais uma corrente a normalizar a brutalidade do golpismo, ao invés de batalhar por construir a força material de classe para derrubá-lo. A “esquerda derrocada’ é o próprio PO, e não é esse tipo de corrente que os trabalhadores brasileiros merecem.

 
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