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O que a crise da Frente Ampla e a ruptura da UNIOS-Peru deixa para nós?
Cecilia Quiroz

A Frente Ampla do ex-padre Marco Arana atravessa uma profunda crise interna que desencadeou com as eleições presidenciais e parlamentares de 2021. As rupturas e expulsões tornaram-se assim uma constante. Nesse contexto, o grupo UNIOS-Peru anunciou seu rompimento com a FA, argumentando que ela perdeu seu caráter progressista. A UNIOS pediu a promoção de um novo partido político sem especificar claramente como tal organização seria construída. Nesse entendimento, com esta nota queremos iniciar um processo de discussão que visa contribuir para o debate sobre a construção partidária na perspectiva da esquerda revolucionária.

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Em primeiro lugar, saudamos a iniciativa da UNIOS-Peru de se dissociar definitivamente da Frente Ampla, porém, consideramos que, para avançar na construção de uma alternativa revolucionária, não basta dizer que o caráter progressista da Frente Ampla se esgotou a partir da forma como a chapa presidencial ou a lista parlamentar foi construída recentemente, argumentando que a "cristalização dos desvios burocráticos" e as lutas entre os caudilhos seria o problema subjacente que teria levado à desvalorização desta organização política até se tornar "um selo vazio e de adaptação brutal e irreversível ao regime democrático burguês ”.

Para nós, o problema fundamental da Frente Ampla vai além da burocratização e do caudilhismo das facções em conflito. Estes elementos, embora existam e tenham sido expressos de forma muito crua nos últimos dias e sejam questionáveis ​​sob todos os pontos de vista, consideramos que o seu desenvolvimento e cristalização são antes consequência de um problema maior que tem a ver com a natureza partidária, o caráter do seu programa, a estratégia e o curso político da FA.

Como dissemos na conferência virtual latino-americana e americana convocada pelos partidos que integram a FIT-Unidad: a Frente Ampla, desde que se constituiu como tal, sempre se caracterizou como uma organização de colaboração aberta de classe com um programa muito limitado de reformas do capitalismo, por isso mesmo, sempre esteve muito longe da luta pela independência política dos trabalhadores e, portanto, a luta por um governo dos trabalhadores para romper com o capitalismo nunca fez parte de seu horizonte estratégico. Isso a distancia diametralmente de outras experiências eleitorais, como a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores da FIT-U da Argentina, por exemplo.

Podemos perceber esses elementos sobre a natureza da Frente Ampla em seus diversos documentos internos onde fica evidenciado que seu compromisso estratégico é a construção do que eles chamam de “bem viver”, para o qual se propõem a “radicalizar” a democracia representativa que não é outra coisa senão o instrumento político que a burguesia usa para manter seu domínio de classe sobre os trabalhadores e o resto dos oprimidos e explorados. Nesse entendimento, a classe trabalhadora como sujeito hegemônico na luta pelo socialismo não é mais relevante, pois o essencial seria a harmonia social (conciliação de classes) e um respeito abstrato pela natureza. Esta concepção ideológica os leva a minimizar a dinâmica da luta de classes, o papel da propriedade privada sobre os meios de produção e, portanto, a luta pelo poder político dos trabalhadores.

É a partir desta visão que o seu programa se reduz a um conjunto de demandas mínimas que não visam confrontar o capital ou a burguesia, mas sim ser implementadas no quadro da institucionalidade burguesa a partir da pressão que podem pode fazer em espaços como o parlamento, municipalidades, governos regionais ou, no melhor dos casos, chegar ao governo federal. Conclui-se que para a Frente Ampla o fundamental são as eleições, pois por meio delas seus representantes podem chegar aos diversos espaços do Estado, o que também lhes permite usufruir dos mimos e benefícios de quem faz parte desta raça de privilegiados. Então, como as eleições são o centro de suas ações, as grandes crises sempre surgem dos processos eleitorais. É por isso que os debates programáticos e políticos costumam ser substituídos por lutas fratricidas do aparelho partidário, pois quem controla o aparelho define as candidaturas e divisões de poder. Essa forma de conceber a tarefa política é muito comum nos partidos reformistas e faz parte de seu processo de adaptação à democracia burguesa.

Tampouco nos parece exato o apreço dos companheiros da UNIOS, quando afirmam que em algum momento a Frente Ampla foi um “espaço eleitoral a serviço dos lutadores e dos povos”. A Frente Ampla sempre foi um conglomerado de correntes políticas, muitas delas oriundas do stalinismo, do indigenismo ambientalista, do centrismo e da burocracia sindical, cujo objetivo principal era a participação eleitoral e a defesa do institucionalismo. Por isso, quando nas eleições de 2016 ocorreu o segundo turno presidencial entre Keiko Fujimori e Pedro Pablo Kuczynski, a Frente Ampla ofereceu publicamente seu apoio ao neoliberal Kuczynski, argumentando que assim contribuíram para salvar a democracia. Da mesma forma, desde que Martin Vizcarra assumiu a presidência da República em 2018, sua bancada parlamentar sempre votou a favor das iniciativas presidenciais orientadas a apaziguar o descontentamento popular e a mobilização social, que começou a se desenvolver com muita força no país, a partir do momento que se fez público os vínculos de políticos, ex-presidentes e altos funcionários estatais com a corrupção promovida pela empresa Odebrecht.

Nesse entendimento, a Frente Ampla apoiou com todo o referendo da chamada reforma política de 2018, que acabou sendo o instrumento mais eficaz que o Executivo utilizou para acalmar a revolta social no marco do quadro institucional do regime de 1993. Com isso, as pessoas foram desmobilizadas, criando expectativas na ideia de que mudanças fundamentais poderiam vir de cima. Da mesma forma, seus parlamentares aplaudiram as medidas cosméticas do governo e do judiciário que se orientaram a legitimar os poderes do Estado, tão questionados pela população. Com a pandemia a atingir o país e com a renovação do Congresso, a Frente Ampla colocou técnicos como Farid Matuk ao serviço do executivo, que era também membro do chamado Comando Covid. Mesmo assim deram todo o apoio ao ex-ministro da Saúde Víctor Zamora. Enquanto isso, seus novos parlamentares não levantaram um dedo ou nem mesmo suas vozes para questionar as várias medidas de resgate para grandes capitais e banqueiros que o executivo aplicou para agradar grandes empresários nacionais e estrangeiros, medidas que até agora estão custando milhares de demissões , bem como o aumento da precarização no trabalho e a redução dos salários, junto com os quais a pobreza cresce a cada dia.

E, ultimamente, quando o questionamento foi apresentado ao presidente Martin Vizcarra pelo caso de suborno na construção dos hospitais Moquegua e Lomas de Ilo, os parlamentares desse grupo se dividiram em dois blocos: o bloco liderado por Roció Silva Santisteban que votou em defesa do presidente, argumentando sem gaguejar que o fazia para defender “a democracia e o Estado de Direito”; enquanto o outro grupo liderado por Lenin Checo votou pela destituição presidencial, que, embora permitisse a queda de Vizcarra, dá poder ao questionado Congresso da República e, assim, impede que esta crise chegue às ruas e alimente a mobilização social.

Como podemos perceber, a progressividade da Frente Ampla não se esgota em função dessa última disputa entre caudilhos, mas na verdade é a concepção de frente populista, eleitoral e reformista - da qual a Frente Ampla faz parte desde sua criação - que acaba manifestando mais uma vez seus limites e sua inviabilidade para a construção de uma alternativa revolucionária. Demonstra-se, assim, que este tipo de organização - ampla e ideologicamente diversa - contribui apenas para sustentar o regime de exploração e dominação imposto pelo capitalismo e para dar vida a dirigentes como Marco Arana e outros, que fazem das eleições um fim em si mesmas.Com isso não negamos a importância da luta eleitoral, mas a entendemos como um componente tático importante na medida em que nos serve para impulsionar a mobilização e a auto organização da classe trabalhadora e o povo pobre, na perspectiva de avançar na luta para alcançar o poder político dos trabalhadores.

Traduzido de: https://www.laizquierdadiario.pe/Lo-que-nos-deja-la-crisis-del-Frente-Amplio-y-la-ruptura-de-UNIOS-Peru

 
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