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Biden ganhou a eleição, mas o trumpismo não foi derrotado
Tatiana Cozzarelli
Ezra Brain (Left Voice)

Joe Biden venceu a eleição presidencial de 2020. Um caso verdadeiramente dramático, com a contagem trabalhosa e demorada das cédulas de voto arrastando os resultados por dias. Mas, finalmente, a campanha presidencial de 2020 parece estar terminando.

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Donald Trump foi ao ar na noite da eleição e na quinta-feira à noite para alegar vitória e fraude eleitoral à medida que mais votos eram contados. Mike Pence, que falou logo após Trump na terça-feira, foi muito mais comedido, sutilmente recuando da posição de Trump, afirmando "Acreditamos que temos um caminho para a vitória".

Esse caminho, no entanto, nunca se materializou. E assim, Joe "nada mudará fundamentalmente" Biden será o presidente.

No entanto, longe de ser uma rejeição total do presidente, esta eleição mostrou a força do trumpismo, com uma participação histórica. Na escolha entre o stabilishment neoliberal e a retórica populista de direita, as margens eram finas como uma navalha.

Certamente, esse resultado expressa uma polarização. Por um lado, há uma direita cada vez mais radicalizada que quer um homem forte para instituir a lei e a ordem e vê o movimento do Black Lives Matter como um motim nocivo aos EUA. Por outro lado, as pessoas que têm medo de Donald Trump e suas políticas. Essa polarização também se expressa pela participação histórica de ambos os candidatos. Surpreendentemente, a base de Trump aumentou em relação a 2016. O supremacista branco que separa as crianças de suas famílias e que supervisionou as mortes de 230.000 norte-americanos como resultado da Covid-19 obteve mais de 69 milhões de votos.

Esta eleição também expressa que o neoliberalismo com uma bandeira do arco-íris oferecida por Joe Biden e o establishment político não garantiu uma “onda azul” [vitória esmagadora dos Democratas, NdT]. Em vez de oferecer soluções para as lutas da classe trabalhadora, Biden prometeu a Wall Street que tudo permaneceria igual e tentou fazer desta eleição um referendo acerca de Trump. Em vez de abraçar o dinamismo do movimento progressista emergente nos EUA, os Democratas evitavam as tentativas de "empurrar o partido para a esquerda" mesmo das formas mínimas apresentadas por Bernie Sanders. Biden afirmou mais uma vez que a única coisa que eles têm a oferecer é o neoliberalismo - mostrando as verdadeiras cores deste partido irreformável.

Esta eleição foi patética, oferecendo dois capitalistas racistas e imperialistas que realizavam campanhas cada vez mais de direita em torno de quem era o mais entusiasmado com o fracking e o mais a favor da lei e da ordem. Ambos têm acusações reconhecidas ​​de agressão sexual e ambos têm um histórico de ataques à classe trabalhadora e os oprimidos. Com os resultados das disputas pelo Senado, parece que os Democratas e os Republicanos governarão juntos pelos próximos dois anos - exceto por uma onda de democratas nas eliminatórias da Geórgia para o senado.

O cenário está armado para um governo dividido em 2021 - uma Câmara dos Deputados e uma presidência Democrata, com um provável Senado republicano. Sabemos que podemos esperar ataques bipartidários à classe trabalhadora disfarçados de "compromisso". Nesse contexto, a necessidade de uma alternativa de classe trabalhadora, socialista, torna-se cada vez mais urgente e relevante para lutar contra essas políticas e oferecer uma alternativa aos dois partidos do capital.

Biden vs Trump

Esta eleição marca a maior taxa de participação desde o século passado - cerca de 66% da população votante esteve nas urnas ou enviou seu voto por correio. Mas os eleitores compareceram em grande número tanto para Biden quanto para Trump, com ambos ampliando sua base eleitoral. A noção de que "se as pessoas votam, os Democratas vencem" foi contestada pela realidade, já que a margem de Biden no voto popular é atualmente apenas alguns pontos percentuais maior do que a de Trump, e está longe dos 10 pontos percentuais que as pesquisas prometeram. Biden teve um desempenho particularmente bom em áreas urbanas, como esperado, mas também conquistou muitos subúrbios que haviam sido redutos Republicanos.

Embora os Estados Unidos estejam no meio de uma terceira onda da pandemia, o coronavírus teve uma classificação relativamente baixa entre as questões com as quais os eleitores se preocupam, com a economia e a justiça racial em posições muito mais altas. O fato de a justiça racial ter uma classificação tão elevada demonstra o quanto o movimento Black Lives Matter desempenhou um papel na vitória de Biden. E também expressa a cooptação desse movimento de esquerda por Biden: um racista reacionário que apoiava a segregação e dirigia uma campanha pela lei e pela ordem.

Na economia, Trump foi favorecido, tendo prometido trazer o país de volta aos níveis econômicos pré-pandêmicos. O campo de Biden, por outro lado, preferiu essencialmente fugir de qualquer discussão sobre economia. Quase inteiramente focada no terrível presidente Trump, a campanha de Biden ofereceu poucas alternativas econômicas positivas para um país que luta para se reerguer. Afinal, os doadores de Wall Street de Biden não gostariam que Biden se comprometesse com quaisquer políticas progressistas.

Resultado da pesquisa boca de urna sobre qual fator influenciaria mais na decisão para presidente.

Como esperado, Biden e os democratas foram dominantes entre os negros e os jovens - especialmente nas grandes cidades, que são os baluartes que entregaram a vitória a Biden. A força de Trump continua a ser entre os eleitores brancos e de comunidades rurais, embora Trump tenha conquistado uma porcentagem menor de brancos neste ciclo eleitoral. Uma das maiores mudanças neste ciclo eleitoral foi a queda no apoio a Donald Trump entre os homens brancos: em 2016, ele venceu esse segmento demográfico por 31 pontos sobre Hillary Clinton, mas desta vez, a diferença com Biden era de apenas 18 pontos. Entre os brancos sem formação universitária, Trump também perdeu 11 pontos de apoio.

Por margens menores, o apoio a Trump aumentou entre a maioria dos outros grupos demográficos: ele ganhou apoio entre mulheres de todas as raças, pessoas latinas e negras. Na verdade, dados preliminares mostram que Trump conquistou mais apoio entre as comunidades negras do que qualquer Republicano nos últimos 60 anos. Abaixo está a mudança na votação de 2016 para 2020 de acordo com as pesquisas de saída da CNN, que podem estar sujeitas a alterações.

Por idade: Trump perdeu apoio em eleitores mais velhos, em comparação com 2016.

Por raça e educação: Biden fez algumas incursões dentro da base de Trump, mas foi pior em outros parâmetros.

Eleitores brancos por gênero e educação: Biden foi melhor entre homens brancos.

Por raça e gênero: Biden foi pior que Hillary Clinton entre latinos e negros.

Talvez não devêssemos ficar muito surpresos com os ganhos de Trump entre negros e latinos - as mesmas pessoas que o projeto de lei criminal de Biden encarcerou a taxas exorbitantes. Entre os eleitores latinos - um setor diversificado de vários países e histórias de imigração - a tendência de afastamento dos democratas não ocorreu apenas em lugares como o condado de Miami-Dade, na Flórida, onde Biden teve um desempenho inferior ao de Clinton em 2016 por 10 pontos, contribuindo para sua derrota na Flórida. Também ocorreu em lugares como Zapata County, Texas, onde Clinton venceu Trump por 33 pontos percentuais em 2016, mas Biden venceu por apenas cinco pontos.

Embora haja muito mais para explorar acerca do porquê isso ocorreu, é claro que Donald Trump fez extensa campanha e divulgação para eleitores negros e latinos, enquanto Joe Biden não. E é claro que quando ambos os candidatos fazem campanhas pela lei e ordem e têm registros de racismo, encarceramento e deportação, era difícil manter a lealdade dos negros e latinos. Certamente isso foi um erro na estratégia de campanha; Biden poderia ter se dirigido mais aos negros (sabemos que seria apenas da boca para fora). Mas também destaca que os Democratas, e Biden, especificamente, não podem provar definitivamente que são eles que vão enfrentar o racismo estrutural, porque também são eles que estão ajudando a o sustentar

E agora?

Apesar das declarações vitoriosas sem fundamento de Trump, ambos o Partido Republicano e a grande mídia argumentaram contra esta narrativa. Chris Christie, Rick Santorum e até mesmo o podcaster da ultra direita Ben Shapiro falaram contra o discurso de vitória de Trump na última noite, e os políticos não estão alinhados com o “Trump venceu”.

Mais adiante, o que se desenha é uma série de processos judiciais ao Partido Republicano, relacionados às eleições. Trump já está sob julgamento nos tribunais da Geórgia, Nevada, Michigan e Pensilvânia, e a campanha de Trump pediu a recontagem de votos em Wisconsin. No entanto, isso dificilmente parece mudar os resultados.

A habilidade de Trump de usar processos judiciais para conquistar a vitória foi limitada e contrariada pelos interesses superiores de instituições estadunidenses e da classe dominante em manter sua estabilidade em meio ao caos eleitoral. Como os mercados financeiros deixaram claro, a instabilidade eleitoral é ruim para os negócios. A contínua deslegitimação do processo eleitoral e da Suprema Corte também prejudicariam os negócios, e nenhum capitalista deseja isto, nem sequer os republicanos do establishment político.

“Vocês estão desperdiçando rios de dinheiro”: os democratas no Congresso

Nas corridas eleitorais para o Congresso, os democratas sofreram uma série de decepções. Esperavam ganhar o Senado, o que exigia garantirem quatro cadeiras. Esta não é uma perspectiva provável, embora as duas corridas para o Senado na Geórgia possam mudar isto. Na Câmara, os democratas podem perder algumas cadeiras. De acordo com o site Politico, um legislador resumiu bem o sentimento entre o Partido Democrata em uma frase: “É um incêndio em uma lixeira”.

Os democratas gastaram 250 milhões de dólares nas corridas eleitorais para o Senado em Kentucky, Carolina do Sul, Texas e Alabama, e seus candidatos provavelmente serão derrotados por dez pontos ou mais. A corrida eleitoral mais cara da história dos EUA foi a de Lindsey Graham, senador republicano da Carolina do Sul, que esmagou seu adversário. Em discurso durante a noite da votação, ele declarou: “Todos vocês pesquisadores de opinião por aí, não têm ideia do que estão fazendo. E todos vocês liberais na Califórnia e Nova York, estão desperdiçando rios de dinheiro”. Graham não está errado. Em Maine, a senadora “vulnerável” Susan Collins, uma suposta republicana moderada que se alinha com Trump em todas as votações relevantes, convenientemente derrotou seu oponente democrata, que gastou um total de 63,3 milhões de dólares, enquanto Collins gastou apenas 25,2 milhões.

Nas corridas eleitorais para a Câmara, os democratas falharam em atingir objetivos fundamentais e até mesmo perderam cadeiras “certeiras” como a do sul da Flórida. Mas mantêm a maioria na Câmara e alguns progressistas de fato ganharam cadeiras. As parlamentares do Squad [nome dado ao quarteto composto pelas democratas Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Ayanna Pressley e Rashida Tlaib] se reelegeram facilmente, e Cori Bush, uma mulher negra que emergiu como liderança após os protestos do Black Lives Matter em Ferguson, também ganhou uma cadeira em Saint Louis. Pela primeira vez, dois homossexuais negros assumidos ocuparão cadeiras no Congresso.

A força do trumpismo também se expressou nas urnas. Jodi Ernst, em Iowa, e Kelly Loeffer, na Geórgia, dois senadores titulares que amarraram sua campanha de reeleição à figura de Trump, provavelmente serão eleitos para o Congresso. Vários republicanos no molde trumpista venceram nas corridas para a Câmara, entre eles Marjorie Greene na Geórgia, uma proeminente apoiadora da teoria da conspiração QAnon, e Madison Cawthorn na Carolina do Norte, uma jovem de 25 anos da ala de ultra direita que expressou apoio ao movimento alt right em sua conta no Instagram. Estas candidatas são o futuro da extrema direita no Partido Republicano.

Esta série de derrotas para os democratas pode levar à conclusão para muitos de que o país é simples e inevitavelmente reacionário. No entanto, entre a esquerda, o DSA teve uma grande noite eleitoral, elegendo 85% de seus candidatos endossados. Candidatos apoiados pelo DSA também ganharam em corridas eleitorais locais, como em Nova York, onde vários assumirão como legisladores estaduais. Por um lado, isto indica que candidatos progressistas, defensores de políticas progressistas como o Medicaid For All e o Green New Deal, ganham popularidade. Também expressa que estes candidatos jovens e dinâmicos têm chances de vitória muito maiores que o restante do Partido Democrata. No entanto, esta ala progressista encontrará seus inimigos numa presidência de Biden e num Partido Democrata que têm feito todo o possível para marginalizar os setores da esquerda dentro de sua base.

Os democratas apenas têm o neoliberalismo a oferecer

Alguns respondem estes resultados lamentando o eleitorado, que vem sendo denunciado como direitista, reacionário e racista. Certamente, este é o caso de muitos eleitores, e é verdade que milhões votaram em candidatos abertamente direitistas, reacionários e racistas. Inclusive, o número de pessoas que decidiu votar presencialmente em Donald Trump aumentou em 2020, apesar da pandemia, da violência da supremacia branca e de todos outros aspectos reacionários do trumpismo. No entanto, os motivos da superação de Trump não desaparecem ao simplesmente culpar seus eleitores.

Em 2016, Trump foi capaz de se inserir em um setor das massas e transformá-las em números inesperados de votos para rejeitar o establishment político e “secar o pântano”. Ele apelou a um perfil específico, o do operário insatisfeito com as condições econômicas, para oferecer justificativas xenófobas e racistas para sua condição material. Em 2020, no entanto, Trump alterou levemente o ângulo, embora ainda se apoiando na economia. Apontou que o desemprego era baixo antes da pandemia e prometeu retornar os Estados Unidos a este período. Trump também acusou Biden de querer forçar o fechamento da economia novamente, deixando trabalhadores e pequenos comerciantes desamparados.

Apesar disto, Trump ainda fez acenos não tão sutis com sua campanha de “lei e ordem”, apontando os “socialistas” e membros (brancos) de organizações antifascistas como seus inimigos. Acusou estes de uma ameaça aos pequenos comércios e comunidades (brancas) pelo país. No entanto, mesmo com seu ruidoso racismo, Trump se apresentou como o melhor presidente para os negros, e ativamente colocou comunidades não brancas em julgamento. De fato, uma de suas linhas centrais de ataque (que ele repetiu em ambos os debates presidenciais) foi recordar o combate ao crime de Biden e que a gestão Obama havia conduzido um número recorde de deportações.

No entanto, os operários do Rust Belt [região compreendendo o Nordeste, Meio-Oeste e Grandes Lagos nos EUA, outrora uma poderosa área industrial] e o apoio dos subúrbios nos estados decisivos garantirão a presidência a Biden. Contudo, esta não é uma vitória categórica. Para uma eleição tida como um referendo da reeleição de Trump, é uma disputa acirrada. Esta eleição expressa a polarização política e uma base significativa de apoio ao trumpismo.

Ao mesmo tempo, os democratas não deram muitos bons motivos para que os trabalhadores votassem em Biden. Alguns eleitores poderiam ter retirado o voto em Trump, se Biden e os democratas houvessem avançado em apresentar uma alternativa real à política de Trump. No entanto, Biden concorreu como o candidato do neoliberalismo, apelando especificamente ao grande capital, mas sem nunca transmitir uma mensagem econômica coerente aos eleitores, sem oferecer nenhuma solução real aos problemas vividos pela classe trabalhadora. Ao invés disso, ele prometeu que nada iria mudar. Em meio a uma pandemia mortal, ele desejava manter o sistema de saúde como era. Em meio a uma crise econômica, não conseguia explicar como ajudaria os trabalhadores. Em meio a uma agravante crise climática, apoiou devotamente o fracking. Essencialmente, se colocava contra Trump na forma, mas não em conteúdo de classe. Ambos são candidatos que governam para a classe capitalista. O argumento convincente de Biden foi se apresentar como o candidato da estabilidade capitalista e de retorno ao projeto neoliberal. Não é surpreendente que isto não tenha convencido eleitores que foram devastados pelo neoliberalismo.

Os democratas tinham a possibilidade de construir uma campanha mais progressista e dinâmica, tratando dos problemas reais da classe trabalhadora. Mesmo se atendo à manutenção do capitalismo e imperialismo, a campanha de Sanders tentava puxar os democratas à esquerda. Obama, Pelosi e o establishment do Partido Democrata não apenas conspiraram para esmagar Sanders nas prévias, mas também Biden decidiu esmagar o sanderismo no ciclo eleitoral. Ele desprezou reformas progressistas como o Medicare For All, a anistia das dívidas estudantis e o Green New Deal, todas estas com popularidade entre setores do eleitorado, na tentativa de apelar a republicanos moderados.

Além disso, em sua campanha Biden optou por defender duramente o Obamacare, que não é exatamente muito popular. Como a Revista Jacobin aponta, uma pesquisa de intenção de voto da Fox News levantou que apenas 14% das pessoas querem manter esta lei como é hoje, enquanto 40% gostariam de melhorá-la. A pesquisa mostrou que 71% das pessoas apoiam um sistema público, e a The Hills apontou que 69% apoiam o Medicare For All.

Ainda assim, alguns democratas concluem que o partido tem ido demasiadamente à esquerda (embora seja difícil compreender o que os faz acreditar nisso). Esta é uma conclusão equivocada. Sucessivamente, estas propostas, do Medicare For All até o salário-mínimo por hora de 15 dólares, são mais populares que Biden. Basta apenas ver as petições populares. No entanto, são justamente estas propostas que democratas e republicanos se unem para derrotar. Estas questões demonstram a unificação dos capitalistas em torno destes partidos. Todas as tentativas de pressionar o Partido Democrata levemente à esquerda falharam. Não por causa da estratégia de marketing deste partido, mas por seu caráter de classe.

O trumpismo não foi derrotado

O que este ciclo eleitoral torna claro é que o trumpismo não foi derrotado, apesar de uma pandemia que deixou 230 mil mortos até o momento. Não foi derrotado, apesar da maior crise econômica na memória recente da população, ou apesar dos constantes escândalos e consistentes baixas taxas de aprovação. É espantoso que apesar do clamor público contra crianças imigrantes em jaulas, e da repressão federal ao movimento Black Lives Matter, Trump esteja disputando uma corrida eleitoral tão acirrada. E que apesar das arrecadações vastamente superiores de Trump e dos republicanos – com doações massivas de Wall Street, do Vale do Silício e de outros setores do grande capital –, as margens de diferença nos estados decisivos ainda sejam tão estreitas. De fato, Donald Trump mobilizou novos eleitores e está decidido a quebrar recordes em seu número de votos. O trumpismo ainda está bem vivo e seguirá sendo uma grande força na política estadunidense nos próximos anos.

A questão é que não é possível derrotar a retórica do populismo de direita com o regime neoliberal – principalmente se este for o mesmo regime neoliberal que criou o populismo de direita em primeiro lugar. Em outras palavras, foi a crise econômica de 2008 que criou a base social primária do trumpismo. Alimentou a desmoralizada base rural e branca que passou a odiar o establishment e apoiar a figura populista e racista de Donald Trump. E, como se viu, um retorno a este establishment não foi incrivelmente atrativo para a base de Trump ou para alguns outros além da sua demografia principal. Certamente, uma administração de Biden poderia ser solo fértil para o crescimento do trumpismo fora da Casa Branca.

Ainda assim, Trump não retornará à Casa Branca em janeiro, o que seguramente será uma crise para os republicanos que nunca se convenceram completamente do trumpismo. Na última quarta-feira, Mitch McConnell declarou que os republicanos precisam dialogar melhor com o setor de eleitoras mulheres com ensino superior, e “ganhar de volta os subúrbios”. Mudanças demográficas estão gradativamente aumentando as dificuldades de vencerem em estados de domínio tradicional republicano, como a Geórgia, Texas, Arizona e Carolina do Norte. Para combater isto, os republicanos necessitam trazer novos setores para dentro do Partido, ou desenvolver ainda mais as estratégias de profunda supressão eleitoral, como Donald Trump apoia. O futuro do Partido Republicano está em jogo, mas o resultado destas eleições dificilmente trará uma “destrumpificação” do Grand Old Party, apesar deste ser o desejo de alguns republicanos. Afinal, Trump conquistou quase metade do eleitorado e tornou-se mais popular que qualquer outro republicano na história.

Além disso, o setor neofascista da base de Trump – que é menor, porém de grande importância em suas alianças eleitorais – continuará cumprindo um papel na política, assim como nas ruas. No último ano, esses vigilantes da ultra direita invadiram e balearam manifestantes do Black Lives Matter, e tentaram forçar a reabertura do comércio em protestos com forte armamento nos órgãos do governo. Fortalecidos por uma disputa eleitoral acirrada e com Trump atuando como seu campeão dentro ou fora da Casa Branca, eles não voltarão para casa, e podem nem mesmo aceitar os resultados da eleição. Continuarão mobilizando pequenos comícios, concorrendo a cargos políticos e assediando mobilizações progressistas.

O papel dos socialistas

Esta eleição supostamente seria um referendo da reeleição de Trump. A vitória de Biden não significa um acordo das massas com sua agenda política, mas pode significar que Donald Trump e sua base de extrema direita as aterrorizam. No entanto, isto implica que Biden entra enfraquecido no governo, uma vez que muitos dos eleitores do Partido Democrata votaram contra Trump, e não a favor de Biden. E, mais importante, com duas crises crescentes, uma provável maioria republicana no Senado e uma base trumpista se mobilizando desde fora da Casa Branca, um cenário de impasse é quase certo.

Neste cenário, Biden quase seguramente irá mais à direita do que já foi. Rejeitará, como já fez em sua campanha, os progressistas para oferecer concessões à direita, mirando conquistar os republicanos moderados que, em última instância, se aproximam mais da agenda política de Biden e dos democratas do establishment. Este padrão escalará, porque se os republicanos de fato mantêm o controle do Senado, passar qualquer coisa pelo Congresso exigirá alianças com Mitch McConnell ou quebrar votos dos republicanos. Isto pode ser um terreno fértil para o crescimento de uma ala de extrema direita ainda mais radicalizada e certamente será a fundação de muitos ataques contra a classe trabalhadora.

Se serviu para algo, estas eleições demonstraram que não é possível impor uma derrota definitiva à direita apenas nas urnas. O trumpismo está vivo, desferindo golpes perigosos. Não se pode derrotar suas políticas com neoliberalismo – Biden provavelmente aplicará inúmeros ataques aos trabalhadores e oprimidos. Podemos, porém, derrotar a direita nas ruas e em nossos locais de trabalho – há muitos mais de nós do que deles.

Após a vitória de Biden, teremos de lutar contra ambos os democratas e os republicanos, contra os vigilantes da extrema direita nas ruas, e contra os ataques do regime político aos trabalhadores e oprimidos. É preciso destruir qualquer ilusão de que os democratas podem ser uma força para o avanço da classe trabalhadora ou nos proteger do fortalecimento da direita. Ao invés disso, necessitamos combater estes ataques aos trabalhadores com uma força política independente à altura, que supere ambos partidos do capital e ofereça uma alternativa real ao socialismo. Ao contrário de seguir cooperando com partidos burgueses, nossa tarefa imediata enquanto socialistas é construir nossas próprias organizações e mostrar à classe trabalhadora que os partidos de Wall Street não podem nos oferecer libertação.

Os Estados Unidos escolheram seu próximo opressor, Joe Biden. É nosso dever exigir que os sindicatos e movimentos sociais se levantem para combater o mais novo imperialista racista, com a mesma força ou ainda maior da qual usaram para lutar contra Trump.

 
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