As denúncias de aspirantes a colaboradores efetivos que comprometem o Presidente Martín Vizcarra por receber propinas de mais de 2,3 milhões de soles para a construção do hospital da região de Moquegua, colocaram o tema de volta na agenda parlamentar e no debate nacional discussão sobre como lidar com a corrupção de funcionários públicos de alto escalão. Nesse sentido, um setor de parlamentares vinculado à UPP (Unión por el Perú) e ao Podemos Peru apresentou na última terça-feira, 20 de outubro, uma proposta de “vacância presidencial”, que acabou sendo assinada por 27 parlamentares de várias bancadas políticas.
Os que estão à favor e os que estão contra
Entre as forças políticas que assinaram esta proposta estão os parlamentares da UPP, do Podemos Peru, o independente César Gonzales Tuanama que vem do Somos Peru, dois membros da Ação Popular, além dos parlamentares da Frente Ampla Lenin Checo, Lenin Bazán, Yván Quispe, Absalón Montoya e José Ancalle. Enrique Fernández Chacón, também da Frente Amplio, não teria participado da reunião de sua bancada onde esta questão foi votada, enquanto os parlamentares Roció Silva Santisteban e Mirtha Vázquez votaram contra a vacância presidencial e fizeram uma declaração pública onde argumentam que uma vacância presidencial, nas actuais circunstâncias, não é conveniente para o país, uma vez que “põe em perigo as eleições de 2021 e a renovação política”, o que, para eles, seria a solução definitiva para a crise actual.
Outras forças políticas com presença no Parlamento manifestaram-se contra esta nova proposta de vacância, como é o caso da Acción Popular, cujo porta-voz parlamentar Ricardo Burga teria referido que “o seu partido não votaria a favor de qualquer vacância presidencial ”. Os demais setores políticos aguardam como evoluirão esta nova revelação jornalística e as investigações do Ministério Público anticorrupção neste caso, o que, como já mencionamos, compromete gravemente o Presidente Martín Vizcarra com a cobrança ilegal de subornos em troca de aprovação de contratos milionários para a construção do hospital na região de Moquegua e a obra “Lomas de Ilo”. Como já é do conhecimento público, tudo isso teria ocorrido quando Vizcarra atuou como governador regional de Moquegua entre 2011-2015.
Não é a primeira vez que Vizcarra enfrenta uma vacância
Há quase um mês, o presidente Vizcarra enfrentou um outro pedido de vacância presidencial tramitado por um setor de parlamentares que incluía o presidente do Congresso e o presidente da Comissão de tutela deste poder do Estado. Tudo isso a partir da divulgação dos áudios que mostravam a interferência do presidente nas investigações no caso da contratação irregular de Richard Cisneros no Ministério da Cultura. Nos áudios, ficou evidente, através dos diálogos dos extremamente confiáveis ex-funcionários de Vizcarra, como o presidente pretendia desviar as investigações da promotoria sobre o assunto das visitas de Richard Cisneros ao Palácio do Governo onde, aparentemente, ele acabou definindo a situação do emprego e os salários suculentos de Cisneros, que seria um personagem muito próximo do presidente a quem ele teria apoiado na campanha presidencial de 2016.
Na ocasião, Vizcarra conseguiu resistir à vacância presidencial apelando à vitimização e acusando um setor do Congresso - cujo histórico político é altamente questionável - de querer golpear. Além disso, na época o presidente ainda contava com o apoio da grande televisão, rádio e mídia escrita, o que lhe permitiu desqualificar seus rivais políticos com relativa facilidade e deslegitimar a iniciativa de vacância perante o povo.
A novidade agora é que um setor importante desses grandes meios de comunicação, que recentemente o apoiava em tudo, se tornaram os principais intermediários nas denúncias contra o presidente, o que complica a situação política do presidente que, como se sabe, não possui partido político em que se sustente, por isso, grande parte de sua estabilidade no governo é devida, justamente, a esses meios de comunicação e seus proprietários, bem como aos grandes empresários nacionais e estrangeiros para os quais ele governou humildemente todo esse tempo e também as forças repressivas que - não por acaso - têm neste novo gabinete um ex-general como primeiro-ministro.
A vacância é uma saída para combater a corrupção institucionalizada?
Independentemente de como evolua essa nova proposta de vacância presidencial, a verdade é que a situação política do presidente Vizcarra se complica a cada dia e, aparentemente, que até recentemente era considerado o campeão do combate à corrupção, hoje começa a ser percebido como uma peça dispensável por aquela mesma burguesia que até recentemente o tinha como seu “filho mimado”. As denúncias contra Vizcarra estão, assim, despojando quem se passava por um Bonaparte peruano do século XXI e destacando o profundo grau de decomposição do regime político, o mesmo que tem a ver com a estreita relação entre interesses empresariais e corrupção de servidores públicos de alto nível, que é uma expressão concreta de como o Estado funciona sob o capitalismo.
Nesse entendimento, a proposta de vacância presidencial, embora afastasse Martin Vizcarra do cargo e pudesse permitir que fosse investigado e provavelmente preso por crimes de corrupção, ainda é uma proposta limitada que em uma perspectiva estratégica oxigena o regime de 1993, empodera as instituições existentes e desmobiliza as pessoas, criando a ilusão de que mudanças substantivas podem ocorrer a partir dos poderes instituídos, ou seja, do Parlamento ou do Judiciário. Além disso, esta iniciativa não leva em consideração que quem substituir Vizcarra em suas funções continuará com a política pró-negócios do atual presidente. Portanto, esta medida, bem como as outras que se propõem, tais como: que o presidente fique até cumprir o seu mandato para depois ser investigado e sancionado e que todas as nossas esperanças de justiça centrem-se no Judiciário ou no Ministério Público são reacionárias porque estão a serviço da desmobilização operária e popular.
Vizcarra tem que sair, porque é corrupto e porque governa para os empresários à custa de colocar as consequências da crise econômica nas costas dos trabalhadores. No entanto, não basta que ele vá e nos deixe intacto o legado de saques nacionais e exploração do trabalho que a Constituição de 1993 legaliza e que as medidas de ajuste recentemente aprovadas pelo presidente estão se aprofundando notavelmente de mãos dadas com as instituições atuais.
Temos que expulsá-lo, sem dúvida, mas também devemos demolir toda a estrutura econômica e política que favorece os grandes empresários nacionais e estrangeiros. Só o faremos com a luta organizada dos trabalhadores e do povo. Um passo neste sentido consiste em impor, desde a mobilização operária e popular, uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que nos permita acabar com o regime de 1993 e criar as condições para avançar para um governo dos trabalhadores e explorados e oprimidos. Para conquistar essa Assembleia Constituinte livre e soberana, não podemos esperar ganhar primeiro as eleições de 2021, como propõe a esquerda reformista nas suas várias variantes. Devemos fazer essa luta hoje e sem esperar nada dos parlamentares ou dos juízes e promotores, pois todos eles, como mostram os fatos, estão comprometidos com a corrupção capitalista.
|