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ELEIÇÕES NO RECIFE
Marília Arraes do PT não é o combate à desigualdade no Recife
Gabriel "Biro"

Marília Arraes (PT), candidata à prefeitura de Recife, faz sua campanha através da propaganda de “inversão de prioridades” e “combate a desigualdade”. Porém, a desigualdade que se aprofunda na capital de Pernambuco carrega a herança da gestão de 12 anos de gestão do PT ligado às oligarquias locais pernambucanas e a vontade de dialogar com a extrema direita de Bolsonaro.

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Estamos em meio a primeira eleição no governo de extrema direita de Bolsonaro, que vem se normalizando com os pactos com o centrão, com o STF e todos operadores do golpe institucional de 2016, que estão de mãos dadas para atacar os trabalhadores em meio a pandemia do coronavírus, seja com a precarização do trabalho, com as demissões e o desemprego, com a reforma da previdência e agora com a reforma administrativa.

Nestas eleições municipais vemos o fortalecimento da direita através do “centrão” e dos partidos encarniçados com as elites locais e a máquina pública, em especial no nordeste, onde a elite e as famílias oligárquicas dominam a política local. Enquanto isso o PT, em âmbito nacional, se projeta na arena eleitoral se colocando como uma alternativa palatável para administrar a obra do golpe institucional como se nada tivesse acontecido, dispostos a fazer todo tipo de aliança para estabilizar o regime pós golpe. No Recife não é diferente.

O PT é responsável pela desigualdade e precariedade em Recife

A situação de desigualdade e de precariedade para a população e trabalhadores do Recife não vêm de hoje. O PT geriu a cidade durante 12 anos consecutivos entre 2000 à 2012, se tornando um dos grandes responsáveis pela atual situação da cidade.

Enquanto a construção de torres de luxo tomavam as orlas de Recife, como, por exemplo, o prédio em que morava Sari Corte Real, responsável pela morte de Miguel, filho da empregada doméstica Mirtes que trabalhava em seu apartamento, a construção de moradias populares durante os anos de governos petistas foi irrisória. Foram apenas 7.700 ao longo de 12 anos de gestão, sendo que, segundo o último censo de 2010, a região metropolitana possui a quarta maior taxa de favelização entre as regiões metropolitanas do país, com 850 mil pessoas nesta situação, sendo a Casa Amarela a sexta maior do Brasil, com 53 mil habitantes na época [1]. Nem sequer o abastecimento de água e esgoto tratado também foi um direito garantido para muitas famílias de Recife, com os dados de 2010 do IBGE apontando que mais de 30% dos domicílios não possuía esgoto adequado.

Para seguir abrindo espaço para especulação imobiliária e as grandes empreiteiras da construção civil, foi sob o governo do PT, implementando o projeto “Novo Recife” ao final de 2012, que se realizou a venda e a demolição do Cais José Estelita para a construção de 13 torres residenciais e comerciais de até 38 andares em frente à Bacia do Pina [2]. O leilão da venda do espaço, que ocorreu em 2008, sob o governo do então prefeito João Paulo Lima (PT), está sob investigação de fraude, indicando que o Consórcio Novo Recife tenha arrematado o terreno por um preço inferior ao do mercado em quase R$ 10 milhões. O espaço é reivindicado como área pública, de conteúdo cultural, histórico e social, e foi ocupado inúmeras vezes pelo Movimento Ocupe Estelita para impedir a demolição, sofrendo com brutal repressão pela polícia na reintegração de posse expedida pela justiça.

Em 2011, ainda sob a gestão petista, houve aumento na tarifa de transporte público, elevando ainda mais o custo de vida para a população que já possui salários muito menores que a média nacional. A juventude respondeu com manifestações contra o aumento da tarifa e denunciando a precariedade do transporte público [3]. A resposta do governo de João da Costa do PT foi enviar a polícia militar reprimir brutalmente os manifestantes com bombas de efeito moral e balas de borracha, prendendo pelo menos quatro manifestantes. Uma estudante da UFRPE, enquanto perguntava por que motivo estava sendo presa, foi agredida por vários policiais e chegou a ser imobilizada pelo pescoço. Mais um exemplo de que as gestões do PT não existam em utilizar da repressão policial que não é diferente das que vemos no EUA, com o caso de George Floyd e que levou a uma das maiores rebeliões negras da história..

Em 2012 foi a vez dos rodoviários entrarem em greve reivindicando aumento salarial e melhores condições de trabalho [4]. Ao final do governo petista, motoristas de ônibus recebiam apenas dois salários mínimos, e os cobradores apenas um salário mínimo, R$ 643,00. Ambas as manifestações terminaram sem terem suas reivindicações atendidas pela prefeitura. Hoje esta categoria está novamente em luta contra a extinção do posto do cobrador e a implementação da dupla função aos motoristas.

Os papéis de conciliador de classes e gestor da miséria capitalista dos governos do PT, ficam ainda mais evidentes no Recife com os dados de índice de desigualdade na cidade durante os anos do seu mandato. Mesmo em meio ao crescimento econômico mundial, que arrastou o Brasil, durante os governos de Lula, os índices de desigualdade econômica em Recife neste período aumentaram, atingindo em 2010 o marco, numa escala de 0 à 1, de 0,6894, se tornando a capital brasileira com o maior índice de desigualdade econômica [5], sendo a média brasileira 0,490. Uma evidência categórica de que o crescimento econômico e o “desenvolvimento” servem apenas para as elites e grandes empresários.

Marília Arraes será mais uma administradora da desigualdade capitalista

Após o golpe institucional, a cidade passou de 10% de desemprego em 2015, para 17,4% de desemprego no final do ano passado - o maior índice dentre as capitais brasileiras [6], situação que tende a piorar com a crise econômica. Segundo os dados da última PNAD-Covid [7] no estado, o número de trabalhadores com auxílio emergencial supera o de trabalhadores com carteira assinada [8] sendo que na capital são mais de 500 mil pessoas, cerca de um terço da população recebeu o auxílio [9].

Segundo a PNAD-C de 2018, Recife era a terceira capital com maior proporção da população abaixo da linha da pobreza, alcançando 31,41% da população, segundo o parâmetro do Banco Mundial que considera a marca de US$ 5,50 por dia [10].

Vale mencionar também que, neste ano, os governadores do nordeste do PT, encabeçaram, utilizando da repressão em seus estados, a aprovação da reforma da previdência que, na prática, impede o direito à aposentadoria para milhões de trabalhadores, sendo essa realidade ainda mais dura nos estados do nordeste onde a expectativa de vida é menor do que a média do país [10]. Mas não para por aí. Camilo Santana, atual governador do Ceará pelo PT, reprimiu as manifestações antifascistas que ocorreram no estado enquanto Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte também pelo PT, disse que Bolsonaro “tem compromisso com a população”.

No estado marcado pela tradição “desenvolvimentista” de Miguel Arraes, que governava para as elites locais perseguindo comunistas e aqueles que lutavam pela reforma agrária, enquanto fazia demagogia e trazia falsas promessas de prosperidade para a população, o PT seguiu tal tradição ao tom das presidências de Lula e Dilma. Estes se orgulham em ter proporcionado recordes de lucro aos banqueiros, enquanto aceleravam a terceirização do trabalho e as privatizações, negociavam os direitos das mulheres com a bancada evangélica e entregavam todos os recursos do país na mão do mercado internacional através do pagamento da dívida pública.

Marília Arraes não esconde seu nome, descendente direta de Miguel Arraes e Eduardo Campos, faz parte da linhagem da família política que se alia à oligarquia pernambucana desde de 1960. Nas entrevistas durante sua atual campanha, reivindica ter vivido neste meio que foi onde surgiu sua carreira política. Até 2016 fez sua carreira no PSB, onde foi secretária de Juventude e Emprego de Pernambuco na gestão de Eduardo Campos (PSB), de 2007 à 2008, e em seguida foi vereadora em Recife até 2012.

Embora em 2016 tenha saído do PSB devido ao golpe institucional que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, vindo a se filiar ao PT, em nenhum momento de sua candidatura para prefeitura de Recife chega a sequer mencionar e denunciar o golpe institucional, nem mesmo em seu programa de governo. Ao contrário, segue a linha geral de seu partido hoje, de aceitar o golpe institucional e gerir sua obra econômica, como se fossem “águas passadas”. Esse mesmo golpe que trouxe o Bolsonaro ao poder e aprofunda nos dias de hoje um regime cada vez mais autoritário,

Tão pouco menciona e crítica o Bolsonaro e a extrema direita, mostrando que nem de longe tem a pretensão de ser uma oposição real ao bolsonarismo. Muito pelo contrário, mais de uma vez, como aconteceu na sabatina concedida para o site UOL [11], declarou que quando eleita não haverá oposição e buscará diálogo com todas as forças do regime e da direita inclusive o próprio Bolsonaro.

Nesta mesma sabatina, Marília Arraes alegou que não existe polêmica sobre armar a polícia civil, e reiterou sua pretensão de fortalecer o armamento da guarda municipal durante um encontro com o Sindicato da Guarda Municipal de Recife [12]. Desta forma, a candidata petista mostra que, apesar de retórica, seu plano para a desigualdade social não é diferente do que vemos no restante do país em que tem a polícia mais assassina e racista do mundo.

No que tange aos problemas urbanos, Marília Arraes usa o slogan da “Cidade Inteligente”, reafirmando sua aspiração em ser uma gestora “desenvolvimentista” que está muito longe de se enfrentar com precariedade da vida dos trabalhadores, seja na saúde, na educação, transporte e moradia, causadas pelo capitalismo. Seu discurso “moderno” não é diferente do que vemos saindo da boca de tantos outros candidatos neoliberais que entregam seus mandatos aos interesses do lucro dos grandes empresários.

Uma alternativa para enfrentar Bolsonaro, militares e o regime autoritário

Como podemos observar Marília Arraes, e a estratégia de conciliação de classes do PT, não é alternativa ao PSB de João Campos nem tampouco fortalecerá a luta contra Bolsonaro. A política de frente ampla que alentou durante todo o ano na prática está levando o PT a se coligar nestas eleições com o PSL, partido que elegeu Bolsonaro, em pelo menos 140 municípios.

Infelizmente o PSOL entrou para a coligação com o PT em Recife e está apoiando a candidatura de Marília Arraes para prefeitura, abandonado qualquer objetivo de construir uma alternativa à esquerda do PT. E Recife não é uma exceção, em Campinas - SP, acontece mesmo, sendo que há situações ainda piores, como em Santo André - SP, em que o PSOL está se coligando com o partido golpista REDE e no Rio de Janeiro possui um vice para prefeitura que é coronel da Polícia Militar.

Uma verdadeira oposição ao Bolsonaro e ao regime golpista e autoritário, só pode ser construída se enfrentando com todos atores do regime, o centrão, os militares e o STF. É necessário utilizar as eleições municipais para dizer em alto e bom tom Fora Bolsonaro e Mourão. Assim como não podemos esquecer e naturalizar o golpe institucional e seus efeitos, como a reforma trabalhista, a reforma da previdência, as demissões, o desemprego e a precarização do trabalho. Não podemos ter ilusões de que é possível ter um governo progressista em uma só cidade como se fosse uma ilha em meio a um governo de extrema direita. É preciso construir uma alternativa política dos trabalhadores, que não aceite o jogo do vale tudo eleitoral e das alianças com partidos burgueses. As mudanças e os nossos direitos não serão conquistados por dentro da via institucional alterando apenas os jogadores. É necessário mudar as regras do jogo, lutando por uma assembleia constituinte livre e soberana, onde possamos reverter todas as reformas, proibir as demissões durante a pandemia, acabar com a precarização do trabalho e colocar os trabalhadores na frente da luta contra o capitalismo.

Notas:

[1] https://vermelho.org.br/2011/12/22/recife-e-a-5-cidade-com-maior-concentracao-de-favelas-do-pais/

[2] https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2019/03/26/cais-jose-estelita-confira-linha-do-tempo-das-polemicas-envolvendo-o-projeto-novo-recife.ghtml

[3] https://jc.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2012/01/23/protesto-termina-em-confusao-e-prisoes-no-centro-do-recife-29523.php

[4] https://jc.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2012/06/27/urbana-pe-garante-normalizacao-do-servico-de-onibus-no-fim-da-tarde-47052.php

[5] https://curiosamente.diariodepernambuco.com.br/project/recife-capital-brasileira-da-desigualdade/

[6] http://www.portaltransparencia.gov.br/beneficios?ano=2020

[7] https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/trabalho.php

[8] https://www.poder360.com.br/economia/auxilio-emergencial-supera-emprego-em-25-estados

[9] https://www.cidadessustentaveis.org.br/noticia/detalhe/mapa-da-desigualdade-renda-e-mortalidade-por-covid-19-nas-capitais-brasileiras

[10] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/10/13/sabatina-marilia-arraes-pt-prefeitura-recife.htm

[11] https://jc.ne10.uol.com.br/politica/2020/08/11965649-marilia-arraes-declara-que-e-possivel-armar-a-guarda-municipal-do-recife.html

[12] http://dssbr.org/site/2013/07/expectativa-de-vida-ao-nascer-no-nordeste/

 
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