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EDUCAÇÃO
O ensino híbrido a serviço do capital
Luiz Pustiglione
Doutorando em educação pela UFSC e professor da Rede estadual de SC

Com a pandemia do novo coronavírus houve uma migração em massa de estudantes de professores para o ensino à distância que, emergencialmente, chamou-se de ensino remoto. Há muitos interesses em jogo para que, após o arrefecimento da pandemia, o “novo normal” da educação seja um formato híbrido que contemple momentos presenciais e outros à distância.

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A crise aberta pela pandemia do novo coronavírus tem sido marcante para uma série de trabalhadoras/es e para a juventude de modo geral, afinal, matou milhões de pessoas ao redor do globo e modificou completa e profundamente o cotidiano de quase a totalidade da humanidade. Muitos foram demitidos, outros tantos passaram a trabalhar a partir de casa (teletrabalho, trabalho remoto ou homeoffice), mas há uma realidade que é comum a todos os países atingidos pela pandemia e para a qual é muito mais difícil retornar a algum tipo de normalidade: aquela enfrentada por estudantes e profissionais da educação com o fechamento das escolas e a adoção massiva de ensino à distância como substituto “possível” para o momento.

Esse problema, nunca é demais reforçar, atinge muito além de alunos, professores e demais profissionais envolvidos com a escola em si, mas a todas as famílias com crianças e jovens em idade escolar. Quando expandimos a análise para incluir a educação superior, o número é multiplicado muitas vezes e os problemas complexificam-se ainda mais, dada a diversidade de cursos, de tipos de instituição etc.

Em meio a esse cenário, foi publicada a Lei no 14.040, de 18 de agosto de 2020. A tarefa de regulamentar o disposto nessa lei é do CNE (Conselho Nacional de Educação) que no dia 6 de outubro publicou uma nova proposta de resolução (Parecer 15/2020) que permite a condução das atividades educativas de quem tem matrícula presencial de forma à distância (ou remota) até o fim de 2021. Dessa publicação- que ainda não foi publicada em Diário Oficial, mas não deve sofrer grandes resistências - vale ressaltar 2 elementos: a) a mídia fez a divulgação de forma totalmente distorcida, dando praticamente a entender que o ensino à distância (ou remoto) seria obrigatório até a data estabelecida, o que não é verdade e; b) em ação “quase” combinada com essa publicação, houve o lançamento de uma associação vinculada ao Todos Pela Educação em defesa do ensino híbrido na educação básica: Associação Nacional de Educação Básica Híbrida, que já oferece consultoria, cursos e uma série de “orientações” para a utilização dessa modalidade. Essa movimentação, permite-nos pensar que o tal “ensino híbrido” veio para ficar e a notícia está longe de ser boa para a maior parte dos interessados já mencionados acima, ainda que tentem vendê-la dessa maneira.

Nós jamais seremos aqueles que serão contrários ao uso de tecnologias no cotidiano escolar para que o ensino ofertado em cada escola pública seja adequado, ainda que sempre de forma crítica, aos tempos presentes, portanto defenderemos que o Estado forneça sim tablets, celulares, computadores e outros equipamentos que possam virem a ser úteis a partir de um trabalho coletivo elaborado em cada comunidade escolar, incluídos nos seus Projetos Políticos Pedagógicos e que, tanto profissionais como os estudantes possam receber não só coisas de qualidade, mas também serem orientados para o uso destes. Ocorre que estes não são os interesses do capital e há um emaranhado de interesses que agem ao favor destes.

De imediato já podemos pensar no(s) enorme(s) novo(s) mercado(s) que isso abre: seriam milhões de novos consumidores para dispositivos e softwares utilizados nestes, haveria toda uma nova demanda de formação dos profissionais para o trabalho nesse novo formato, uma vez que mesmo egressos mais recentes dos cursos de licenciatura, em geral, passaram longe de uma formação que contemplasse essas necessidades e, ao redor disso, toda uma nova série de possibilidades de lucros para as empresas capitalistas se abrem.

A esses efeitos mais imediatos, se somam outros problemas que devem levar a uma outra nova tendência: o não atendimento “universal” na modalidade presencial. Essa seria uma estratégia extremamente eficaz para resolver dois problemas (da burguesia) com uma tacada só, pois, criaria uma demanda obrigatória para saída de equipamentos – uma vez que a ampla maioria dos estudantes não tem – que poderiam ser comprados pelo “Estado”, fazendo com que mais parcelas do fundo público sejam desviadas para as mão do capital, ao mesmo tempo que desfaz a “onerosa” rede de escolas públicas e permite às privadas operar com muito menos recursos humanos. A depender do desenvolvimento desse inicial ensino híbrido sendo testado nas escolas privadas, essas podem passar a ampliar suas matrículas, com custo de pessoal reduzido, podendo oferecer aulas que sejam a distância e presencial ao mesmo tempo. Ou seja, a já lotada sala de aula com 30 alunos pode se transformar em uma sala de aula que contenha 30 alunos mais outros 30 (ou até mais) que assistam as aulas de forma remota – toda uma reformulação que pode servir à rede de ensino privado, ampliando seus lucros, reduzindo custos e precarizando ainda mais o já precarizado trabalho do educador.

Por óbvio que para os filhos da burguesia as escolas seguirão presenciais e com acesso à todos os recursos disponíveis para uma formação com qualidade, mas, para os filhos da classe trabalhadora, para quem já foi necessário dirigir uma formação com um mínimo de qualidade para permitir a expansão do próprio capital não será o caso. Para estes, bastará oferecer um equipamento com acesso à internet para que assistam videoaulas e eventualmente aplicar exames de certificação que garantam índices minimamente decentes “para inglês ver” de acesso à educação.

A preocupação de institutos como o mais novo representante do TPE nas disputas do ensino híbrido não é, portanto, incluir mais gente durante a emergência da pandemia, mas colocar uma nova perspectiva de futuro para a educação. Não dos seus filhos que seguirão estudando nos mais caros colégios particulares, mas para nossos filhos que são contabilizados como futura mão de obra a ser moldada adequadamente para gerar mais lucros aos donos do capital.

Diante de tantos desafios postos é preciso que a classe trabalhadora assuma o protagonismo das decisões sobre a educação e não permita que seus filhos sejam feitos de cobaia para novas modalidades de negócio fantasiadas de modelo emergencial ou que torne-se hegemônica a prática e o discurso sobre um ensino híbrido pautado nas “novas necessidades” que, na verdade, é a necessidade de sempre do capital para sair de suas crises: aumentar a concentração com a diminuição da concorrência e criação de novos mercados/produtos.

Da nossa parte, é necessário um programa que dê conta:
– do controle da produção dos equipamentos, softwares e demais tecnologias que precisem ser utilizadas em larga escala para atender, inicialmente, a demanda emergencial causada pela pandemia, mas que venha a garantir o acesso de todos àquilo que a própria classe trabalhadora produz. As universidades públicas poderiam cumprir um papel fundamental na produção de tecnologia de informática a serviço da necessidade da população, e não do mercado como é hoje.
– de um programa emergencial para construção de mais escolas e salas de aula que dêem conta de reduzir o número de alunos por sala, o que é fundamental para a volta das atividades presenciais o mais rapidamente possível;
– concursos emergenciais para contratação de professores e demais profissionais, além da efetivação de todos os temporários já em atividade sem a necessidade de concurso;
– abertura imediata de mais vagas em todos os cursos de licenciatura e que formem os demais profissionais necessários para dar conta desse programa (como na área de TI, por exemplo);
– elaboração coletiva de uma nova base curricular que possa dar conta de assumir o uso crítico dessas tecnologias e equipamentos, mas sem a perspectiva de formação para o mercado.

 
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