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ELEIÇÕES: BOULOS
Para derrotar Bolsonaro é preciso combater o regime do golpe e suas instituições: um debate com a chapa de Boulos e Erundina
Thiago Flamé
São Paulo

As eleições em São Paulo apresentam um quadro inédito. Se os resultados confirmarem as pesquisas atuais, será a primeira vez que o PT não estará entre os dois primeiros candidatos desde 1988. O PT ainda conserva mais de 20% de apoio em São Paulo, e Lula segue sendo um ativo eleitoral enorme, mesmo assim, não conseguem emplacar seu candidato, Jilmar Tatto, que aparece com 1% das intenções de voto.

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A popularidade do Bolsonaro na maior cidade do país destoa da média nacional. As pesquisas indicam um índice de 24% de bom e ótimo, contra 40% na média do país. Quem tem percorrido a cidade nesse início de campanha percebe isso nos bairros populares. Porém, junto com os 40% de Bolsonaro, prima na situação nacional uma grande passividade e desânimo em setores de massas e uma grande (ainda que conjuntural) unidade entre os de cima para aplicar as reformas. Então, a baixa aprovação de Bolsonaro em São Paulo não tem o efeito de fortalecer o PT, dividido internamente e que lançou o fraco Jilmar Tatto como candidato. De tanto conciliar, entregar direitos sem lutas e fazer governos a serviço das elites em São Paulo, o PT está desacreditado em setores mais amplos e sua base tradicional desesperançosa.

Nós, que lançamos candidaturas por filiação democrática ao PSOL frente ao sistema eleitoral antidemocrático, propomos esse debate sobre qual o caminho para enfrentar Bolsonaro os militares e a direita. Nessa situação, o PSOL em várias capitais vem se coligando com o PT, PCdoB e vários partidos de empresários, em São Paulo definiu como objetivo ocupar o espaço eleitoral do PT. Até agora esse objetivo parece estar sendo parcialmente bem sucedido - ainda que não ao ponto de levar Boulos e Erundina ao lugar tradicionalmente ocupado pelo PT no segundo turno. Mas o custo dessa política é alto: o PSOL abandona a tentativa de se colocar como alternativa de esquerda ao PT, fazendo uma campanha que conscientemente buscar se confundir com o petismo.

A política do PSOL é uma reedição da trajetória de conciliação petista, a tal ponto que Boulos defende retomar hoje o movimento “existe amor em SP” que foi o slogan que ajudou a eleger Haddad (PT) para a prefeitura, em 2012.

Se por um lado Boulos vai se apresentando como um "Boulinhos paz e amor" ao retomar esses slogans petistas recentes para dialogar com setores mais ao centro, por outro reivindica a gestão Erundina como um grande exemplo de boa gestão "para o povo", prometendo uma certa retomada do que era o PT antes de governar o país, adornando essa política bem pouco radical com a promessa de um municipalismo progressista que no Brasil de Bolsonaro, do pacto entre os de cima simbolizado no abraço de Bolsonaro e Toffoli, e da crise econômica teria condições fazer uma revolução solidaria municipal. Com essa lógica, Boulos apresenta a ideia falsa de que é possível realizar medidas progressistas nos limites do município para atender as demandas populares como se São Paulo pudesse ser uma ilha isolada desse contexto.

Ao contrário, o primeiro passo mais elementar seria colocar sua candidatura a serviço da luta contra a reforma administrativa do governo Bolsonaro e os ataques do tucanato em São Paulo. Não é possível resolver nenhum dos problemas centrais dos municípios, como a moradia, sem mudanças estruturais que se choquem com o projeto nacional de ataques aos trabalhadores, o pagamento da dívida pública e com o regime autoritário. E, para isso, é preciso colocar a batalha nas eleições a serviço de fortalecer a luta dos trabalhadores, mantendo a independência de classe.

É impossível destinar o orçamento público para demandas sociais sem combater a LRF e o pagamento da dívida pública

Depois do golpe de 2016, os empresários brasileiros e o governo Temer aprovaram medidas que aumentaram ainda mais a transferência das riquezas do país para as mãos do mercado financeiro e do capital imperialista, através dos mecanismos de pagamento da dívida pública. Além da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe limites aos gastos municipais e está vigente desde os governos FHC, temos agora também o teto de gastos. Sem romper com esses mecanismos de pagamento da dívida pública, as margens que sobram para um governo municipal de esquerda ou progressista são bem pequenas, ainda mais nas condições da crise econômica e da pandemia, pois mesmo a prefeitura mais de esquerda se veria forçada a administrar a miséria e aplicar medidas de ajustes e ataques. Esse era um limite crucial da candidatura de Marcelo Freixo (PSOL) à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016, que declarou em sua carta de “Compromisso com o Rio” que teria “responsabilidade com o orçamento” respeitando LRF, numa cidade onde os salários dos trabalhadores foram parcelados, mas a dívida não deixou de ser paga. Nesse sentido, Boulos teria que superar o programa da plataforma Vamos onde afirmou que a dívida pública não era o problema maior do Brasil. Mas a própria Erundina disse numa live da campanha que “não adianta prometer se não sabe se vai ter o dinheiro no orçamento pra fazer”. Já vimos essa situação com o governo Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha, que foi reivindicado como exemplo por Boulos, mas fez gestões municipais ajustadoras e se colocou contra mobilizações dos trabalhadores.

A defesa do não pagamento da dívida pública questiona o destino das riquezas nacionais produzidas pela classe trabalhadora e a subordinação do país ao imperialismo, que controla a dívida através de grandes bancos. É condição fundamental para que os trabalhadores possam decidir sobre o orçamento. Na saúde, significaria evitar o desvio de 1,12 trilhão de reais no período de 2005 a 2018 que poderiam ter sido convertidos em 1,3 milhão de leitos de UTI mantidos anualmente.

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Sem esse enfrentamento, todas as medidas progressistas defendidas por Boulos não sairiam do papel ou teriam uma aplicação muito limitada – mesmo na hipótese de serem aprovadas na câmara de vereadores. No entanto, até agora, Boulos não tocou nesses problemas estruturais e sua estratégia para conquistar melhorias nas condições de vida das massas é uma governança popular na prefeitura.

Os limites de uma prefeitura de esquerda: os problemas municipais só se resolvem com uma grande batalha nacional

Tomemos o exemplo da gestão de Erundina, vice de Boulos, reivindicada amplamente como um modelo. A campanha fala sobre as medidas progressistas que teve Erundina em uma série de questões municipais, mas é menos comentado o limite que essa gestão encontrou e não enfrentou. No período da gestão Erundina o país vivia uma forte crise inflacionária e um dos maiores ascensos grevistas da nossa história. As greves lutavam por salário e questionavam na prática a ferramenta que era utilizada para aumentar a exploração do conjunto da classe trabalhadora. A hiperinflação era um mecanismo de transferência de renda direta da classe trabalhadora para os bancos e para os proprietários das grandes empresas. Mas a gestão Erundina não se converteu num bastião da luta da classe trabalhadora. Ao contrário, quando os rodoviários de São Paulo entraram em greve, respondeu com repressão para derrotar a greve, demitindo mais de 400 motoristas e cobradores. Uma derrota que abriu caminho à privatização no ano seguinte, pela gestão Maluf.

Como atuaria uma administração Boulos colocada em uma situação parecida? A crise econômica hoje é mais profunda do que no início dos anos 90, e a perspectiva para o ano que vem é de ganhar contornos ainda mais dramáticos com o fim do auxílio emergencial. Quando as demandas do funcionalismo municipal, por exemplo, se chocarem com os estreitos limites da LRF e do teto de gastos, Boulos tomaria o caminho do enfrentamento ao conjunto do sistema financeiro, apoiando as demandas dos trabalhadores e rompendo com os mecanismos de pagamento da dívida pública? Se fizer isso, sua gestão entraria na ilegalidade por descumprir a LRF e sem um forte e amplo processo de mobilização não conseguiria enfrentar a repressão estatal e se manter. Mas se escolhesse respeitar a legalidade, com o argumento do que é possível, isso o obrigaria a reprimir e derrotar a mobilização, em nome de não romper com a LRF e com o teto de gastos. Essa disjuntiva estará inevitavelmente colocada. Já vimos nas prefeituras, nos governos estaduais e no governo federal a resposta que o PT e o PCdoB dão para situações assim. Inclusive o próprio PSOL, ao administrar a cidade de Macapá, tomou o caminho da repressão às greves.

Se a perspectiva fosse de ruptura, esse caminho precisaria ser construído desde já, colocando a campanha eleitoral a serviço de mostrar a necessidade da mobilização. E não é o que se desenha, já que não vimos sequer um apoio efetivo de Boulos e do PSOL à greve dos trabalhadores dos Correios, principal luta operária dos últimos meses, - muito menos a agitação necessária de que só com uma forte luta poderemos barrar os ataques e impor uma derrota aos governos e ao regime e o momento atual precisa ser preparatório pra isso -, expressando sua estratégia de adaptação ao regime e de fazer o que é possível.

As eleições devem servir para potencializar a luta e acumular forças

A estratégia que Boulos apresenta é mudar a relação de forças no parlamento (ganhar maioria) para aprovar medidas populares e as mobilizações seriam apenas uma ferramenta para esse fim, ainda que desde a pré-campanha sua candidatura não aponta a necessidade de mobilização. E, assim como a esquerda, erra em querer administrar o regime do golpe ao invés de enfrenta-lo, como se fosse possível uma gestão municipal progressista no marco de um regime cada vez mais reacionário.

Ao contrário disso, consideramos que o único meio para impor medidas que possam melhorar as condições da juventude, das mulheres, dos trabalhadores, negras e negros e LGBTs é apostando no desenvolvimento da auto-organização e das lutas para derrotar o regime do golpe institucional.

O espaço das eleições tem que servir para potencializar a luta pela revogação das reformas, contra as privatizações, contra a violência policial. As candidaturas e parlamentares da esquerda deveriam se apoiar na projeção que têm para se dirigir às centrais sindicais exigindo um plano de lutas que unifique todo funcionalismo público e estes com os trabalhadores precários dos aplicativos, terceirizados e desempregados, para desenvolver uma frente única dos trabalhadores, o oposto de compor um Frente Ampla com a burguesia e seus partidos como o Direitos Já, que reuniu figuras que defenderam o golpe, a aplicação das reformas da previdência e trabalhistas, além de não se colocar contra Bolsonaro.

Uma candidatura de esquerda nas atuais condições políticas do país não pode se contentar a ocupar o espaço que os golpistas reservam para os partidos de esquerda no novo sistema político que vai sendo constituído. Aceitar esse jogo leva a legitimar esse regime golpista e enfraquecer ainda mais a luta da classe trabalhadora e dos setores oprimidos. Colocamos como uma bandeira fundamental a luta contra Bolsonaro, Mourão e os militares, mas também o autoritarismo judiciário, a direita tradicional, os governadores, por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, imposta pela força da mobilização para barrar o avanço autoritário em curso.

 
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