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OPINIÃO
Algumas alucinações de Bolsonaro sobre meio ambiente em seu discurso na ONU
Maré
Professora designada na rede estadual de MG

Para além das mentiras do presidente, seu discurso está repleto de alegações dignas de um terraplanista – em minha humilde opinião.

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O discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU não é uma piada, deve ser cautelosamente analisado pelos trabalhadores, o povo oprimido e pela esquerda. Mas podemos dizer que, sem contar as mentiras, várias afirmações feitas nos árduos 14 minutos e 33 segundos mais parecem alucinações, sobretudo aquelas sobre o meio ambiente.

“Nunca exportamos tanto, o mundo, cada vez mais, depende do Brasil para se alimentar.”

Com essa frase Bolsonaro nos lembra que, há mais um ano, a Floresta Amazônica queimava em proporções inéditas justamente porque a sede de lucro do agronegócio viu na guerra comercial entre Estados Unidos e China uma oportunidade para exportar mais soja. Esse grão, além de exportado, serve também de ração para o gado no país que é o principal exportador de carne do mundo. O “dia do fogo” foi organizado para esse fim por latifundiários no Pará.

Um ano depois, com o dólar em alta e com mais lucratividade nas exportações, os trabalhadores e o povo pobre no Brasil amargam a alta no preço dos alimentos, com um pacote de arroz chegando a custar 10% do auxílio emergencial de R$300 reais fornecido pelo governo federal a uma população desempregada como há muito tempo não se via. A população sem garantir sua alimentação, enquanto “nosso agronegócio continua pujante...”, como disse Bolsonaro. Até aqui, nenhuma alucinação, embora melhor seria se nada disso fosse verdade.

Mas sua frase termina cômica se não fosse trágica: “...e, acima de tudo, possuindo e respeitando a maior legislação ambiental do planeta.”. Basta dizer que, ainda hoje, ninguém foi responsabilizado ou punido pelos incêndios na Amazônia. Com o Pantanal em chamas, a quantidade de multas tem caído. Além de que não é segredo para ninguém e se pode ouvir do próprio ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, que o objetivo desse governo é “passar a desregulamentação”.

Veja também: Salles usa a pandemia para “passar a boiada” e reduz meta de preservação da Amazônia

“Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial, mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para pecuária e agricultura.”

Parece bom... Mas não. Lembremos que o presidente que é chacota internacional estava discursando em uma Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, e, dentre seus objetivos, estava se esquivar das represálias de outros chefes de Estado (à frente veremos as possíveis intenções deles) pela destruição ambiental que acontece no Brasil e, ao mesmo tempo, localizar seu país como a “fazenda do mundo” que é. E, de fato, é economicamente melhor para um país ter do que não ter com o quê participar do mercado internacional, mesmo que, em nosso caso, sejam praticamente apenas commodities, ao mesmo tempo que precisamos importar tudo do “primeiro mundo”.

Mas, não parece uma alta performance, alimentar tanta gente com tanta preservação? Primeiro, seria possível alimentar os famintos do mundo com menos destruição. Segundo, esses números ainda são preocupantes. É preciso lembrar que, se do ponto de vista do território nacional eles podem parecer uma expressão de bons resultados de conservação, do ponto de vista do que ainda resta de biodiversidade em todo o mundo, é pouco.

Como disse Gilson Dantas, autor de "Natureza Atormentada", em entrevista para o Esquerda Diário, as queimadas em curso no Brasil podem levar nossos biomas a um ponto de “não retorno”. Quando se perde uma “área ambiental”, se diminuem habitats, se perdem espécies que sustentavam a existência de outras em um determinado local, se altera as condições do solo, do clima, e, como resultado, a destruição localizada temporal e geograficamente se estende em ambas as dimensões, causando muito mais dano do que se observa “a olho nu”. Os 66% de vegetação nativa preservada, no fim das contas, acaba sendo menos e diminuindo.

“Somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.”

E aparentemente, para as autoridades, a culpa é do Inpe e a solução é “acabar com isso aí” de fornecimento de fotos via satélite do Pantanal. Mas, para o governo Bolonaro, existe uma conspiração internacional entre ONGs, indígenas e o Leonardo di Caprio. O filho do presidente faz coro. Novamente, cômico, se não fosse trágico.

Bolsonaro assume que “A Amazônia Brasileira é, sabidamente, riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos, que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o Governo e o próprio Brasil.”. Bastante gentil da parte do presidente abrir mão do seu mérito de prejudicar o Brasil. Mas, no mínimo, confuso acusar “instituições internacionais” quando seu próprio governo é um capacho do imperialismo e ele mesmo declarou que “adoraria explorar a Amazônia com os EUA”.

Não é mentira que o governo Bolsonaro recebe críticas de outros presidentes por sua política para o meio ambiente. Mas, diferente do que ele, alucinado, afirma, esses chefes de Estado, como Macron da França e Merkel da Alemanha, não são “protetores a todo custo” do meio ambiente, visando que o país siga economicamente atrasado. Sim, o imperialismo europeu, assim como o norte-americano, quer o Brasil como seu “quintal traseiro”, subordinado para sempre, mas nisso Bolsonaro concorda e atua a favor.

A disputa internacional colocada é sobre qual país imperialista explora mais os recursos naturais brasileiros, lucrando exorbitantemente com suas empresas multinacionais. Ou ainda, qual país se beneficia no comércio internacional com os produtos brasileiros, fruto da crescente destruição desenfreada e irracional. Vale, novamente, retomar o conflito internacional que se deu em torno da Amazônia há mais de um ano, no G7.

Dizendo que “fomos vencidos pelo protecionismo”, Bolsonaro desenterra o assunto do acordo de Paris, um tratado que estabelece um limite para as emissões de carbono dos países que fazem parte dele. O lambe-botas de Trump ameaçou seguir o presidente norte-americano, que retirou os EUA do acordo. Mas, como Bolsonaro não o mesmo cacife do chefe de Estado do maior país imperialista do mundo, manteve o Brasil no acordo.

Em seu discurso, na última terça-feira, se gaba das emissões de carbono brasileiras - “Temos a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo. Mesmo sendo uma das 10 maiores economias do mundo, somos responsáveis por apenas 3% da emissão de carbono.” - mas finge não ser o primeiro presidente brasileiro a enviar um representante a uma conferência internacional de negacionistas do aquecimento global.

O presidente diz ser vítima também do óleo venezuelano. Logo ele, que alega também combater o lixo no mar, teve que assistir, de braços cruzados, a população litorânea brasileira se organizando voluntariamente para extrair óleo do mar, com crianças e idosos adoecendo ao se expor à essa poluição. Tudo isso porque, aparentemente, os peixes não desviaram do óleo, como sugeriu seu secretário, e os pescadores estavam sem conseguir sustentar suas famílias.

“Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação.”

Vendo notícias como essa, essa, essa, essa, essa e essa, imaginem se não fossem?

Bolsonaro disse à ONU que manterá sua política de tolerância zero com os crimes ambientais. Mas o que parece é que a “tolerância zero” do presidente é com as críticas à sua desastrosa política ambiental. Seu vice militar, Mourão, também existe um exagero nas análises sobre os resultados da tática de aproveitar a pandemia para passar a boiada. O governo só não é intolerante com os representantes do agronegócio, e promove-os a cargos como o de Secretário da Amazônia. O Congresso Nacional, que Bolsonaro reivindica em seu discurso, é aquele cujo maior lobby é a Bancada Ruralista. É assim o combate rigoroso e determinado.

Apesar de Bolsonaro ter culpado “o caboclo e o índio” pelo fogo na Amazônia, tudo indica que os focos se concentram, sobretudo, em grandes fazendas. Mas o presidente oscila entre assumir que o fogo não é natural e dizer que ele é inevitável. Os militares, a quem Bolsonaro orgulhosamente confiam o cuidado com as nossas florestas, são autores de fake news sobre a origem das queimadas.

Bolsonaro erra quando diz que, no Pantanal, “as grandes queimadas são consequências inevitáveis da alta temperatura local somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposição”, mas, mesmo que não se tratassem de incêndios artificiais, não poderíamos chamar de “natural”. Afinal, o que faz com que o clima esteja quente e seco o suficiente para permitir que áreas tão úmidas queimem tanto? Eu diria que há relação com o aquecimento global. Carlos Bolsonaro diria que isso não existe, já que fez frio no sudeste nos últimos dias (relembrar é viver!).

Apesar das alucinações, Bolsonaro não cairá por incompetência. Não só seu governo, mas todo o regime golpista que vivemos, deve ser combatido por todas e todos aqueles que lutam em defesa do meio ambiente. Os capitalistas precisam pagar com os seus lucros pela sua crise em todos os âmbitos: econômico, social, político e ambiental. Lutemos por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que possa estipular uma reforma agrária radical, a expropriação com controle operário, popular e de ambientalistas das empresas que exploram o meio ambiente, o não pagamento da dívida pública, para romper os laços com o imperialismo e concentrar nossos recursos na reconstrução das áreas degradadas e na transformação de matrizes energéticas.

Pode te interessar: As contribuições do marxismo para analisar e resolver a crise ecológica global

 
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