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DEBATE COM O PSOL DO RIO DE JANEIRO
Por que a escolha do PSOL-RJ por Ibis, ex-Comandante Geral da PM, para vice-prefeito é um grande erro?
Carolina Cacau
Professora da Rede Estadual no RJ e do Nossa Classe

O governo Bolsonaro junto aos militares é a expressão da militarização da política, do ódio a classe trabalhadora, aos negros, mulheres e LGBT’s, isso torna as instituições policiais ainda mais racistas e assassinas. No Rio de Janeiro, elas são a mais assassina e miliciana do país. Para nós as eleições são um espaço para combater Bolsonaro, os golpistas e capitalistas, nos influenciamos pela luta das ruas nos EUA e no mundo contra a polícia. Essa deveria ser a influência sob a esquerda, rompendo com essa lógica de apresentar uma utopia de uma “gestão humanizada” da polícia e do Estado burguês.

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Foto: Urbano Erbiste

Depois de anunciar que estava tentando uma chapa comum com o PCdoB como vice da pré-candidata à prefeitura do Rio de Janeiro, Renata Souza, o PSOL acaba de anunciar o Coronel da PM, Ibis Pereira, que foi nada menos que Comandante Geral da PM do RJ de 2014 a 2015. O fato de que Ibis Pereira se coloca no campo do progressismo e ser atacado pelos bolsonaristas não muda o erro grave de um partido que se coloca no campo socialista alimentar a ilusão da reforma da instituição reacionária da polícia. Isso deveria ser um princípio elementar para qualquer situação, mas é pior que não seja no país de Bolsonaro e num estado violento contra os negros como o Rio. Neste texto, desenvolveremos porque, seguindo essa política, o PSOL se coloca na contramão da necessidade urgente de dar uma saída pela esquerda para uma das maiores crises pelas quais o Rio de Janeiro em especial passa, o que exigiria preparar a classe trabalhadora e o povo para os embates que já se anunciam.

Como combater a extrema direita e sua base de apoio nas forças militares?

Quais foram os erros que a esquerda cometeu para que a extrema direita se fortalecesse tanto e a esquerda ficasse cada vez mais débil? Deveria ser óbvio que o PT com suas concessões permanentes à direita, sua estratégia eleitoralista de aliança com partidos burgueses e de conciliação de classes contribuíram para abrir caminho pra direita e começar uma ruptura desde aí, especialmente no caso do PSOL que é um partido que virou referência para diversos setores que buscam uma alternativa à esquerda do PT. Qualquer setor da esquerda deveria repensar como lidar com princípios, com as concessões à ideias e práticas da direita e repensar o conjunto da sua estratégia e programa.

Mas a conclusão de Marcelo Freixo e outros setores do PSOL, ao contrário, é que a esquerda deve ceder mais e mais às ideias conservadoras para supostamente se apresentar como viável para governar. O próprio fato que Marcelo Freixo decidiu não se lançar à candidato pela primeira vez, sabendo que teria a votação mais baixa da sua trajetória, deveria ser uma comprovação cabal de que essa ilusão não serve nem mesmo como projeto eleitoralista reformista. Ou alguém acha que o país e o estado do Rio de Janeiro, marcados pelo golpe institucional e o avanço da direita, com peso das milícias estão abertos a que o PSOL ganhe maioria e governe uma cidade como o RJ e outras “democraticamente”? Mas preferem comprovar que são uma “esquerda moderada” o máximo possível, repetindo os erros do PT e o caminho que nos levou ao golpe, ao bolsonarismo e a estarmos sofrendo ataques históricos praticamente sem resistência.

O absurdo da ideia de que o “problema da esquerda é que não respondeu a segurança pública”

Uma das ideias mais conservadoras que supera pela direita até a tradição social democrata, é a de que o problema da esquerda é que “não respondeu o problema da segurança pública”. Essa tradição reformista considerava que a violência é fruto da desigualdade, do desemprego, da falta de educação, saúde e moradia digna, e não da falta de uma “gestão humanizada e inteligente” da polícia. Com essa política o PSOL quer transmitir a ideia de que é possível resolver o problema da violência do Estado contra os trabalhadores e a juventude, em especial negra de forma pacífica e por dentro das instituições. Mas o pior é atribuir a este suposto erro da esquerda, o de ser um fator dos mais importantes no aumento do isolamento da esquerda entre as massas.

O erro da esquerda foi ter dado as costas à mobilização independente da classe trabalhadora e dos movimentos sociais em momentos cruciais, desde junho de 2013 até a resistência ao golpe de 2016 e a todos os ataques. Foi não ter pacientemente batalhado por uma esquerda revolucionária e dos trabalhadores, que superasse o PT e a burocracia sindical pela esquerda, apostando na luta de classes e não na mudança pela via institucional. Essa perspectiva também passa por uma postura em relação à polícia que não deveria ser a que o PSOL propõe, mas sim a de chamar as massas a dar a ela o mesmo tratamento que vem tendo nos EUA: rechaço com luta de massas nas ruas.

Mas o fato do Ibis Pereira se colocar no campo progressista, não justifica?

Que a direita bolsonarista veja no Ibis Pereira um esquerdista radical, e faça ataques reacionários orquestrados à sua pessoa, é natural, pois até os tucanos e outros vindos do campo do bolsonarismo como o General Santos Cruz, são taxados de comunistas. Então não é estranho que vejam como comunista um Coronel da PM progressista que chegou a ser comandante-geral da PM-RJ, justo no estado onde a PM é a mais corrompida do país. Isso mostra que enquanto a polícia do RJ bate recordes em assassinatos, também se preocupa de manter uma imagem de que tem “policiais bons”, que “defendem direitos humanos”, que dirigem a formação na Academia Militar, como Ibis Pereira. Mas a esquerda não deveria promover essa falácia que só serve para alimentar ilusão na reforma dessa instituição assassina.

Mas Ibis Pereira também está bem longe de ser “radical”. Por exemplo, frente à nefasta Intervenção Federal decretada por Temer em 2018, que estava vigente no RJ quando assassinaram a Marielle, Ibis Pereira deu uma entrevista escandalosa ao El País, que mostra que suas posições não são tão progressistas assim. Nela ele propôs não apenas aceitar como aprimorar a intervenção: “A intervenção é uma tragédia, mas discordo daqueles que dizem que temos que fazer oposição a ela. Ela é fato, já está aí. (...) Diante disso, o que a gente vai fazer? Vamos cuidar da intervenção, vamos acompanhar para que nenhum abuso seja cometido e vamos verificar que tipo de legado pode surgir. Vamos transformar esse limão em uma limonada.” Não espanta que em nota enviado ao DCM, Íbis tenha dito "Honro a farda e aprendi que a PM é importante elemento de coesão social", dois. Quem pode "honrar a farda" da PM, e magicamente desvincular-se dos "ideais" dessa instituição repressiva e assassina?.

Ibis Pereira foi comandante geral da PMERJ de novembro a dezembro de 2014, debaixo de seu comando ocorreram 101 autos de resistência em somente dois meses. Novembro, inclusive, sob seu comando foi o mês recorde em assassinatos policiais em todo o sangrento ano de 2014 quando ainda ecoava nas ruas o grito de Cadê o Amarildo, e o próprio PSOL ganhava fama popular ao trazer candidato a governador que ecoava esse grito na televisão. Os números de autos de assassinatos policiais aqui mencionados, são da contabilidade da própria polícia carioca, que como sabemos subestima sua letalidade racista.

Assim, ainda que seja no mínimo estranho pensar que alguém chegue a cargos tão elevados no comando da PM do Rio de Janeiro sem ser conivente com essa máquina assassina, estes exemplos de suas concepções mostram limites a seu suposto progressismo. O debate que fazemos é para que e como os trabalhadores devem se preparar para dar uma saída à altura dos desafios que estão colocados. E isso passa por um combate inegociável pela independência de classe dos trabalhadores e combate contra as instituições repressivas do Estado capitalista.

O PSOL alimenta a militarização da política

Um dos problemas mais graves do país é o aumento do autoritarismo e militarização do regime brasileiro, tanto no parlamento, quanto no judiciário e no executivo. O estado do RJ é um dos lugares onde a relação da política com militares é mais profunda e mostra seu caráter mafioso e miliciano. É por isso que viemos defendendo que a única resposta possível a este problema é a luta por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana e não meramente um impeachment de Bolsonaro, que daria lugar à Mourão.

Mas para além desta saída de fundo, o ponto de partida de qualquer corrente de esquerda deveria ser para combater enormemente a militarização cada vez maior da política no país. Mas o PSOL, assim como o PT e PCdoB, preferem assimilar esse método próprio de um regime político que vive um processo de degradação, que a própria direita utiliza, de filiar e exaltar figuras públicas que são policiais, valorizando até mais estes, que trabalhadores de categorias combativas.

Dessa forma, a esquerda vai desfigurando sua personalidade, dissolvendo seus ideais, que deveriam ser de combate contra a militarização da política e do regime político. O papel da esquerda deveria ser de clarificar que policial não é trabalhador, mesmo que esta seja sua origem, deixa de ser a partir do momento que veste a farda.

A polícia assassina dos EUA é “desmilitarizada”, é necessário superar a ilusão de uma “polícia humanizada”

Não é um amenizador da situação o fato de que Ibis Pereira e supostos policiais progressistas defendem a “desmilitarização da PM”. Não é verdade que a polícia seja violenta apenas por sua estrutura militarizada. Os levantes massivos contra a polícia racista nos Estados Unidos, cuja estrutura não é militar, são uma prova disso. Lá temos um potente movimento que segue se manifestando, e que tem mais visão estratégica que o PSOL e grande parte da esquerda brasileira em relação ao caráter da polícia. O movimento de massas estadunidense denuncia a polícia como ela é: o aparato sanguinário do Estado capitalista para garantir a ordem feita por e para os ricos. Não à toa formulou demandas à altura, ao clamar pelo fim do financiamento e dissolução da polícia. Ao contrário de dizer que os policiais são trabalhadores, amplos setores mobilizados nos Estados Unidos exigiram a sua expulsão dos sindicatos. Uma lição que o PSOL dá as costas, ao contrário de aprender como deveria ser feito.

Cabe lembrar também que a situação do Brasil não deixa nada a desejar aos Estados Unidos quanto se trata de violência policial. No primeiro semestre de 2020 marcado pela crise do coronavírus, foram assassinadas oficialmente pela polícia ao menos 3.148 pessoas. Dos mortos 75,5% são negros, um negro com a vida interrompida a cada duas horas, escancarando o racismo que marca essa assassina instituição do Estado capitalista. No Rio de Janeiro essa cifra é escandalosa. Em 2020 foram quase cinco pessoas mortas pela polícia por dia, nos 5 primeiros meses do ano. Dentre elas crianças alvejadas dentro de suas próprias casas, em meio à pandemia, que sequer impediu que as operações nas favelas seguissem.

A esquerda deveria superar a ilusão de gestão humanizada do Estado Burguês

A violência é a expressão de uma imensa desigualdade e da crise descarregada pelos capitalistas contra os trabalhadores e pobres. A polícia brasileira é essa máquina de matar não porque é mal treinada, ou apenas por tem uma cultura de guerra. Mas seu papel é sustentar pelas armas essa desigualdade atroz, em que os 10% mais ricos ficam com nada menos que 43% da renda nacional. Dessa maneira, a função da polícia não é garantir a segurança da população, sobretudo negra e pobre, como se difunde. E num contexto de disseminação das milícias, de um governo chefiado por Bolsonaro, esse papel torna-se ainda mais explícito.

Transformar radicalmente essa situação é algo que só pode ser conquistado com uma política abertamente anticapitalista, impondo medidas como uma reforma urbana estrutural, que ataque os interesses dos grandes empresários. Mas a escolha do coronel Ibis Pereira não é uma contradição para setores do PSOL como Marcelo Freixo porque seu projeto político não é superar o capitalismo. É administrá-lo buscando humanizá-lo. Uma utopia regressiva em tempos de crise, como o atual. Vemos a cada dia que a violência policial acompanha a sanha de lucro dos capitalistas enquanto a crise avança. Nada nos será dado. Será arrancado pela luta de classes, para a qual os trabalhadores, a juventude negra e o povo devem ter claro que encontrarão na polícia o braço repressivo do Estado.

 
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