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DEBATE COM PSOL E PSTU SOBRE A FIT
Por que setores da esquerda se recusam a reconhecer as conquistas da FIT?
Simone Ishibashi
Rio de Janeiro

A FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores) na Argentina realizou a maior eleição da esquerda na história do país. Formada pelo PTS, organização irmã do MRT no país, Partido Obrero (PO), e a Izquierda Socialista (IS), a FIT se consolidou como uma alternativa classista e socialista frente aos candidatos que representam os interesses dos empresários e do grande capital.

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Com Nicolás Del Caño, militante do PTS, organização irmã do MRT no país, como candidato à presidente, a FIT obteve 100 mil votos a mais que nas PASO (Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias), chegando a quase 800 mil votos, e ocupando o quarto lugar. Além disso, a FIT fez uma boa eleição em várias regiões, como em Mendoza onde Noelia Barbeito, também militante do PTS, mesmo não se elegendo, obteve 12% dos votos, triplicando o alcançado anteriormente, e Nestor Pitrola elegeu-se deputado por Buenos Aires.

Foi um resultado sem precedentes para a esquerda no país, sobretudo em um cenário político marcado por eleições altamente polarizadas nas quais primaram um clima conservador. Tanto é assim, que a referência na qual Nicolás Del Caño se transformou fez com que o jornal brasileiro O Estado de S. Paulo tenha publicado uma entrevista sua a respeito das perspectivas políticas argentinas mediante o fim do ciclo kirchnerista que dominou o país por quase 15 anos.

No entanto, setores da esquerda insistem em negar essas conquistas. O balanço sobre a FIT e as eleições do PSTU argentino, pequeno grupo que é parte da LIT naquele país, é uma demonstração disso. O texto assinado por Matías Martinez além de sequer nomear Nicolás Del Caño como candidato à presidente da FIT, como vem sendo praxe dessa corrente, faz uma análise absolutamente carente de seriedade. De acordo com o PSTU os resultados da FIT haviam sido “fracos” pela apresentação de “listas divididas” entre PTS e PO nas PASO, e a campanha teria sido de “menos conteúdo”. Também reclamam de que os candidatos do PSTU não haviam figurado, quando integraram a lista dirigida por Altamira nas PASO.

Em primeiro lugar cabe assinalar a incoerência da crítica, de “menos conteúdo”. A FIT realizou uma campanha eleitoral que se distinguiu por uma clara política classista, em defesa dos trabalhadores, das mulheres e da juventude. Diversos spots traziam a necessidade de combater para que a crise seja paga pelos ricos, e que as candidaturas da FIT estão comprometidas com os trabalhadores e suas mobilizações.

Tanto que se tratou de uma campanha militante, fortalecida a partir dos locais de trabalho. Que colocou abertamente que os trabalhadores devem ser sujeitos de uma nova política, que atenda seus interesses e de todos os setores explorados e oprimidos, e que defendeu abertamente os direitos democráticos, como o direito ao aborto seguro e gratuito. Quando Nicolás Del Caño defendeu que nenhum político deveria ganhar mais que um professor, explicitou como isso era a concretização de parte do programa legado pela Comuna de Paris.

Já sobre a “divisão” da FIT nas PASO, o pequeno PSTU argentino reproduz com essa posição a visão de sua organização homônima no Brasil, de que a luta e o debate político são prejudiciais para as frentes eleitorais. O PSTU brasileiro, nas frentes de esquerda que realizou com o PSOL no passado, abdicou diversas vezes de fazer críticas políticas àquela organização, terminando refém de uma série de posições que não condiziam com o seu programa. Ademais, chega a ser cômico como o PSTU não cite que mediante a proposta do PTS de debater a fórmula presidencial com Del Caño, quem se adiantou e apresentou primeiramente uma chapa para a candidatura presidencial dentro da FIT foram o PO e a IS. Essa chapa, que negou repetidamente os chamados para uma chapa única feitas pelo PTS e impôs a ruptura tão lamentada pelo PSTU, foi integrada pelo mesmo). Cabe perguntar se o PSTU acha essa divisão das PASO tão daninha, por que se apressaram a apoiar a lista PO-IS. Por sua vez, os resultados, que deram a Del Caño a maior votação, mostra que essa política estava correta. Se não foi possível à FIT eleger mais deputados, isso se deveu ao clima político conservador, responsável pelo segundo turno entre Macri e Scioli e uma imensa pressão ao voto útil. Algo aliás que passa longe da análise do PSTU.

É preciso dizer que o conteúdo deste apoio do PSTU não é “vazio de conteúdo” mas altamente oportunista. A concepção compartilhada pelo PO e a IS, cuja chapa foi integrada pelo PSTU, é de que a FIT se amplie incorporando de forma oportunista pequenos grupos populistas e sindicalistas de esquerda que sempre foram adversários da luta pela independência política dos trabalhadores em relação à burguesia, e que apoiam governos como o de Evo Morales na Bolívia, ou o Syriza e o Podemos na Europa. Exatamente o que o PTS combateu programaticamente para manter a FIT como uma frente independente de quaisquer variantes burguesas.

O PSOL, que faz uma frente permanente com os defensores do PT, trata de atacar a FIT

Também o MES, corrente interna do PSOL, apresenta um balanço chocante. Buscando diminuir a importância nacional que a FIT alcançou, o MES simplesmente coloca que essa “não foi alternativa para 97% da população”. Busca dessa maneira esconder que a FIT embasada em um programa claramente classista, com uma campanha militante e completamente independente dos patrões e suas empresas, que consequentemente não contou com nenhum financiamento como os da Gerdau que Luciana Genro teve no Brasil, postulou-se como a quarta força política do país, com 3,3% dos votos! Usando essa mesma lógica do MES como eles deveriam então ter avaliado os resultados eleitorais de sua candidata, Luciana Genro à presidência em 2014, quando esta obteve meros 1,5%? Diriam acaso que “99% não viram na esquerda uma alternativa”, como afirmam sobre a FIT?

Resulta até mesmo cômico como a máxima elaborada por Lênin de que o sectarismo é a outra face do oportunismo se encaixa perfeitamente para tratar desse balanço do MES. Essa corrente do PSOL gastou linhas defendendo que a FIT seria sectária, por não aceitar em seu interior grupos populistas e chavistas, que nada tem a ver com a estratégia anticapitalista que marca o programa da FIT. Mas, por puro sectarismo, não é capaz de fazer sequer uma análise minimamente condizente com os fatos e aceitar que a FIT se consolidou como uma referência da esquerda!

A combinação sectarismo-oportunismo do MES é ainda mais evidente se considerarmos que em nosso país essa corrente caminha de braços dados com a CUT, MTST, UNE numa frente permanente com o espectro petista e o governismo (Frente Povo sem Medo), que está servindo para tirar o medo... do governo do PT. Colando-se às mais variadas vertentes do petismo, o MES busca se utilizar da expressão de organizações como o MTST de Guilherme Boulos, autor de uma emocionada homenagem a Lula em seu aniversário, e a CUT para projetar-se, justamente num momento em que os ajustes aplicados pelo governo do PT pesam sobre os trabalhadores e a juventude. Justamente num momento em que a tarefa vital de qualquer esquerda que se preze é constituir um polo totalmente independente do governo, e levar ao triunfo as lutas que estão se dando, como a importante greve dos petroleiros.

Em verdade o que reside por trás desse balanço do MES é a choque de testemunhar que é possível constituir uma alternativa de esquerda que se coloque como referência, inclusive eleitoral, sem que para isso se tenha que rebaixar o programa. Uma alternativa que seja embasada não em um socialismo aceitável ao regime burguês, mas na luta de classes, e na mobilização de base dos trabalhadores, jovens e mulheres. Isto significa ser o oposto de Syrizas e Podemos, tão festejados pelo MES, e que tão rapidamente mostraram de que material são feitos. Constatar isso não é “autoproclamação”, é simplesmente ser fiel aos fatos.

Em tempos de "Frente Povo sem Medo", a independência de classe da FIT deve ser exemplo

A FIT defendeu um programa classista, de combate aos ataques dos patrões e dos representantes políticos dos seus interesses. Que, por sua vez, tampouco eram meras palavras. Nicolás Del Caño, como deputado, defendeu que todo político ganhasse o mesmo que um professor, negando o aumento salarial que os políticos votaram a si mesmos, destinando seu próprio salário às lutas dos trabalhadores. Foi reprimido pela polícia junto com os trabalhadores de Lear, e esteve presente nos principais conflitos operários que ocorreram recentemente, levando apoio ativo e provando que seu mandato está a serviço da luta de classes.

O ressentimento amargo da esquerda brasileira diante deste grande resultado dos trotskistas se resume no receio que fique claro para setores amplos o que acontece na Argentina: uma esquerda da luta de classes, que não abandonou a luta por converter a classe trabalhadora em um sujeito político independente com um programa anticapitalista, ganhou influência em setores de massas. Este é um enorme exemplo para o Brasil, que queremos construir desde o MRT e o Esquerda Diário.

O principal valor da campanha de Nico (seja no primeiro turno ou agora com o voto nulo no segundo) é consolidar a esquerda como um ator de peso na situação nacional, preparar e organizar a classe trabalhadora, as mulheres e a juventude que se identificaram com a FIT para resistir aos ajustes na luta de classes neste momento de giro à direita dos governos latinoamericanos, coisa que PSOL e PSTU nem sonham em fazer no Brasil.

 
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