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ELEIÇÕES NOS EUA
Conferência do Partido Democrata confirma Joe Biden e objetivo em relegitimar instituições do Estado imperialista americano
Gabriel Girão

Além de Joe Biden e Kamala Harris, o evento contou com a participação de nomes tradicionais do Partido Democrata, como Obama, Bill Clinton e Andrew Cuomo, grandes empresários como o CEO da HP, a “esquerda” democrata como Sanders e AOC, além de alguns republicanos notáveis como John Kasich.

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O evento ocorreu online pela primeira vez, devido a pandemia do coronavírus, e em sua maior parte composto de mensagens gravadas pelos oradores. Uma das principais notícias da conferência foi o anúncio da candidatura presidencial de Joe Biden e Kamala Harris como sua vice.

Boa parte das falas pegavam no aspecto dos “valores humanos”, que Biden seria um homem de valores, contra Trump que não teria valor nenhum, numa espécie de “bem contra o mal” ou “luz contra as trevas”. Que Trump não tem valor humano algum é uma certeza. Mas quais seriam os “valores humanos” de Biden e Harris?

Joe Biden foi durante quase 40 anos senador, tendo votado, por exemplo, pela guerra do Iraque e do Afeganistão. Ganhou notoriedade quando foi vice de Barack Obama, onde foi flagrado várias vezes “dormindo” em discursos, o que lhe rendeu o apelido de Sleepy Joe (Joe dorminhoco). Além dessas gafes, Joe Biden também é um racista e tem acusações de abuso sexual. Para termos ideia, durante o levantamento por justiça a George Floyd, Biden falou que a solução seria os policiais atirarem na perna e não no peito.

Já sua vice Kamala Harris, uma procuradora negra da Califórnia, tal escolha foi para tentar dialogar com o recente movimento antirracista que surgiu nos EUA. No entanto, longe de representar o interesse dos negros, Kamala Harris teve toda sua atuação como procuradora marcada por ser “linha dura” e reforçar o encarceramento em massa da população negra. Contraditoriamente, foi muito mais leve contra empresas e ricos acusados de fraudes financeiras. Não à toa, a notícia de sua candidatura alavancou ações de empresas de presídios privados nos EUA.

Defesa do imperialismo, do sistema de saúde privado, da polícia e aliança com republicanos

O evento foi marcado por um grande clima de unidade nacional, tentando apresentar a candidatura de Biden como a única capaz de salvar os EUA da monstruosidade do caos promovido por Trump, contando inclusive com o apoio de republicanos anti-Trump. De nossa parte, não há dúvida do caos e da monstruosidade promovida por Trump. No entanto, cabe questionar se o que os democratas propõem pode em algum nível mudar esse patamar.

A situação econômica e social dos EUA foi um dos temas centrais debatidos. Falou-se muito da proposta de aumentar o salário mínimo, e também do problema da dívida universitária que assola a juventude americana, além de falas vagas sobre “fortalecer os sindicatos” e mudar a política de imigração. No entanto, pouco se falou sobre porque nos últimos governos os democratas não tocaram muito nesse ponto. Aliás, no que tange a política de imigração, a gestão Obama deportou mais imigrantes que Trump.

Na questão do desemprego, a candidatura Biden de certo modo mimetiza a retórica trumpista de “America First”, prometendo trazer os empregos de volta para os EUA. Aliás essa retórica também esteve presente em outros aspectos, como na fala do ex Secretário de Estado de Bush, Colin Powell. Reivindicando sua carreira no exército, inclusive na guerra do Vietnã, Powell garantiu que Biden iria “cuidar bem” dos soldados americanos e que iria reforçar a liderança dos Estados Unidos contra seus inimigos. Com isso Biden reforça seu compromisso com todo o imperialismo americano e mostra que busca dialogar com o espectro republicano e trumpista descontente, muito mais que com qualquer espectro progressista.

Apesar das imensas críticas à política de Donald Trump no enfrentamento à pandemia, que coloca os EUA na posição de maior número de casos e mortes, a política apresentada para saúde foram apenas coisas abstratas sobre tornar os seguros-saúde mais acessíveis. Nada sobre um sistema de saúde público. O próprio Sanders, que defende “Medicare for All”, colocou que isso era uma diferença secundária. Mesmo na crise sanitária mais grave em mais de um século, os Democratas mostram que os grandes monopólios da saúde não têm nada a temer.

No meio da revolta negra que atravessa o país exigindo o desfinanciamento e a abolição da policia, os democratas reforçaram a sua defesa do sistema policial, com vídeos de policiais abraçando manifestantes e inclusive com a mensagem que nem todos os policiais são ruins. A defesa do aparato repressor americano não é de surpreender, inclusive se lembrarmos que o prefeito de Minneapolis, o “chefe” do policial que matou George Floyd é um democrata.

A estratégia de relegitimar as instituições do Estado imperialista americano, questionadas pela rebelião negra em curso

Essas eleições não acontecem num cenário típico. Ocorrem no meio da maior crise sanitária em um século e que se desdobrou na maior crise econômica desde 1929. Além disso, o país também enfrenta as maiores mobilizações em sua história, desatadas após o assassinato de George Floyd.

Esse cenário questiona fortemente vários pilares do regime norte-americano, como por exemplo o racismo estrutural da polícia. Os manifestantes se enfrentam tanto com as tropas enviadas por Trump, como também com os policiais em cidades e estados governados pelos democratas. Não apenas Trump, mas o próprio Partido Democrata também é fortemente questionado justamente por ser um pilar desse regime.

Os democratas já vêm de um momento muito desgastado. Obama, que se elegeu com um discurso anti-guerra e como primeiro presidente negro, foi o presidente que mais promoveu bombardeios e viu se levantarem movimentos antirracistas em seu governo. Também foi significativo o movimento #DemExit (Saída dos Democratas) em resposta aos movimentos do establishment desse partido para boicotar a candidatura de Bernie Sanders – algo que já tinha sido feito em 2016.

O questionamento ao regime estadunidense já vem desde um tempo com a crise orgânica, resultado da crise econômica de 2008 que fez com que se abrisse um cenário de polarizações. A própria eleição de Donald Trump foi fruto disso. No entanto, a polarização não foi só à direita. Também houve polarizações à esquerda, algo evidenciado na juventude que expressa sua simpatia pelo socialismo e que seguiu Bernie Sanders nas primárias.

Porém, a atual conjuntura é mais explosiva. A crise sanitária e econômica, somada ao racismo abjeto de Trump, deu origem à fúria negra no principal imperialismo do mundo e que pode questionar não apenas o atual mandatário, mas ir por muito mais.

Ver também: O racismo é bipartidário

Nesse sentido, há um grande esforço para tentar desviar esse movimento pela via eleitoral, pra dentro do Partido Democrata e para as instituições do regime. Desde a fala de Obama criticando a constituição por ter permitido a escravidão até a fala de Biden contando seu diálogo com a família de George Floyd, se colocou a necessidade das futuras gerações de enfrentarem o problema do racismo nos EUA.

A questão é que o Partido Democrata não possui nenhuma intenção de enfrentar o racismo, pelo contrário, é um perpetuador do racismo americano, desde a escravidão, passando pelas leis Jim Crow (leis de segregação aos negros) e também promovendo a violência policial, apenas para citar alguns pontos.

A verdade é que nessas eleições o Partido Democrata se prepara para cumprir seu papel histórico: o de coveiros de movimentos sociais. Assim como fez no movimento pelos direitos civis, agora o Partido Democrata se prepara para tentar canalizar e desviar o movimento de massas para as eleições – e assim conseguir relegitimar o sistema racista e imperialista norte-americano.

O papel de Sander, AOC e da “esquerda” democrata

Cabe especial atenção ao papel que cumpre a “esquerda” democrata. Apesar de Alexandria Ocasio-Cortez (AOC) ter tido apenas 90 segundos, Bernie Sander foi um dos oradores com mais tempo, 9 minutos.

Mesmo após o sistemático boicote às candidaturas de esquerda como a de Sanders, o que envolve até suspeitas de fraudes, mais uma vez ele se prestou a um papel de garantidor do “apoio pela esquerda” ao Partido Democrata, assim como fez em 2016. Em sua fala, ignorava todo o movimento do establishment contra ele, mas não faltaram elogios a Biden, falando que elegê-lo seria a tarefa histórica da juventude e secundarizando as diferenças em torno do Medicare for All.

No rastro de Sanders segue o Democratic Socialists of America (DSA), que ainda que diga que é “tudo bem se sentir mal por Joe Biden e pela convenção democrata”, endossa o seu apoio a Biden.

Dessa forma, a ala esquerda democrata vai mostrando como seu papel não é de se apresentar como uma opção ao bipartidarismo imperialista americano e sim o de barrar o surgimento de qualquer alternativa política à esquerda, canalizando isso para dentro do Partido Democrata e facilitando o caminho para que este cumpra o seu papel de coveiro de movimentos sociais.

A necessidade de um terceiro partido, revolucionário e anti-imperialista, que defenda o interesse dos trabalhadores, da juventude e de todos os oprimidos

Por tudo que foi elencado, fica evidente como Biden e Harris não correspondem de forma alguma à juventude negra que se mobilizou por justiça para George Floyd e a todos os oprimidos. A candidatura de Biden representa a continuidade da política imperialista e racista do Estado norte-americano, mas relegitimada!

Por isso que o Left Voice (grupo irmão do MRT nos EUA) chama a todos que estão se mobilizando para por de pé um terceiro partido, que seja revolucionário e anti-imperialista. Um partido que possa realmente defender os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos, lutando contra a política imperialista norte-americana e pela união dos trabalhadores do mundo. Fazemos esse diálogo especialmente com os camaradas que participam do DSA - que atualmente conta com mais de 70 mil militantes e insiste na permanência no Partido Democrata - e também com todos que participaram da campanha de Sanders e se revoltaram com o establishment democrata, que impulsionaram o #DemExit.

 
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