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ECONOMIA
Teto de gastos e debandada: disputas na agenda econômica e ataque aos trabalhadores
Daphnae Helena

Debandada no Ministério da Economia, teto de gastos e o orçamento para 2021. As divergências dentro do governo saltaram mais uma vez. Mas dois acordos permanecem: aproveitar a pandemia para avançar na precarização do trabalho e garantir os lucros do capital financeiro com o pagamento da dívida pública.

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Recentemente subiu à superfície mais uma vez as divergências na condução da política econômica do governo Bolsonaro. O debate sobre o teto de gastos e o orçamento para 2021 – que deve ser votado até o final do ano- ganharam as manchetes dos jornais. Em meio às divergências dois acordos permanecem: aproveitar a pandemia para avançar na precarização do trabalho e garantir os lucros do capital financeiro organizando o orçamento público em função dos seus interesses.

Numa mesma semana, após a saída de dois secretários do Ministério da Economia, Paulo Guedes deu uma entrevista dizendo que está ocorrendo uma “debandada” no superministério – já haviam abandonado seus postos até aquela data o secretário do Tesouro Nacional e o presidente do Banco do Brasil. Fez menção também ao fato de alguns auxiliares do governo estarem aconselhando o presidente a “furar” o teto de gastos, afirmando que isso poderia levar o executivo para uma “zona de impeachment”. A afirmação de Guedes provocou quedas na bolsa de valores e aumento do dólar - que bateu a máxima diária de R$ 5,49, obrigando o Banco Central a atuar para conter a desvalorização. A resposta de Bolsonaro foi uma coletiva de imprensa (de máscara) na qual disse que o teto de gastos seria respeitado, posando para as fotos ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Um dia após a entrevista, Jair Bolsonaro afirmou que não via problema em discutir formas de furar o teto.

Os fatos mostram um governo Bolsonaro dividido entre o auxílio emergencial – que permitiu não só estancar a queda de popularidade, mas também elevá-la a níveis inéditos- e as exigências de ajustes fiscais do capital financeiro que ajudou a elegê-lo e cujo fiador no executivo é o ministro Paulo Guedes. O acordo existente não apenas no governo, mas entre todos os atores do regime, é aproveitar a pandemia para avançar na obra econômica do golpe, em especial, desde já aumentar a precarização do trabalho, implementar a reforma trabalhista e avançar na uberização. Para isso, buscam fazer um discurso para dividir a classe trabalhadora entre “privilegiados” do funcionalismo público e os trabalhadores informais e precários e, assim, enfraquecer a classe e avançar nos ataques.

A divergência está em como realizar isso, uma ala dentro do executivo representada pelo chefe da Casa Civil, o general Braga Netto, Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, e Tarcísio Freitas, ministro da Infraestrutura, dá importância para algum tipo de gasto social e investimentos: a preocupação está em entregar alguma realização – cada vez mais difícil- no terreno econômico que permita capitalizar eleitoralmente nas distintas regiões do país e conter possíveis explosões sociais. A outra ala, representada por Paulo Guedes, é a ultraliberal que faz o jogo puro do mercado financeiro e está por uma linha mais dura de cortes de gastos públicos e diminuição de qualquer atuação estatal.

O Teto de Gastos, aprovado no governo Temer, é uma emenda constitucional que determina que os gastos governamentais -a exceção do que é pago na dívida pública- não podem ultrapassar o valor do ano anterior corrigido pela inflação. O principal objetivo desta medida é restringir os gastos sociais – para além do que já está previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal- e garantir que o orçamento esteja voltado integralmente para o pagamento da dívida pública. Por isso, o Teto de Gastos não guarda nenhuma relação com a atividade econômica, ou seja, se a projeção do governo é de aumento de arrecadação devido ao crescimento econômico, o teto impede a elevação, por exemplo, do orçamento para saúde, educação, seguridade social, entre outros segmentos. O objetivo é que a maior arrecadação seja automaticamente destinada ao bolso dos banqueiros detentores da dívida pública brasileira. Da mesma forma, nos momentos de crise econômica, como o que estamos vivendo, no qual milhões de trabalhadores são jogados ao desemprego, o teto de gastos impede qualquer elevação em investimentos públicos em saúde, por exemplo, bem como medidas de assistência social.

A solução encontrada no início da pandemia foi a decretação do estado de calamidade pública, que permite gastos extraordinários e impede que o governo tenha de cumprir o Teto de Gastos até o final de 2020. Por conta disso, a Câmara dos Deputados, que deveria ter votado o Orçamento de 2021 em julho deste ano, tem até dezembro para fazê-lo. A aprovação deste decreto foi o que abriu espaço legal, por exemplo, para realizar e postergar o programa de renda emergencial de R$ 600 reais, que hoje é o que sustenta a popularidade de Bolsonaro, mas que Paulo Guedes já disse que não há espaço para prorrogar com este mesmo valor.

A Instituição Fiscal Independente do Senado, em relatório divulgado em junho, calcula que para o ano de 2021 o teto vai crescer apenas 1,9%. Sendo assim, subtraindo do orçamento as despesas obrigatórias, o governo teria a sua disposição R$ 72,3 bilhões de reais. Este valor, segundo a IFI é inferior ao necessário para os gastos mínimos com a máquina pública que é de R$ 89,9 bilhões, ou seja, mesmo que o governo cortasse as despesas ao mínimo, o teto ainda seria excedido em R$ 17,6 bilhões. Por isso, já é dado como certo o acionamento do gatilho previsto na emenda constitucional que proíbe aumentos salariais do funcionalismo, concurso públicos e contratações em 2021.

Este é o cenário que faz com que em entrevista concedida ao jornal Valor Econômico, o diretor de pesquisa econômica para América Latina do grande banco de investimento Goldman Sachs diga que flexibilizar o teto é uma má ideia, mas cada vez mais provável. Segundo ele, a equipe econômica do governo estaria lutando contra a flexibilização das medidas fiscais, mas não com o mesmo vigor que antes. Disse ainda que a única forma do governo mostrar um sinal de que o aumento de gastos é temporário, seria avançar nas reformas estruturantes. Em outras palavras, o ele está dizendo é que o capital financeiro poderia tolerar uma flexibilização temporária do teto de gastos se isso fosse acompanhado do avanço na agenda econômica do golpe que envolve as reformas administrativa, de ataque ao funcionalismo público, a reforma tributária e privatizações. Vale dizer que o banco estrangeiro Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo, tem lugar cativo como dealer da dívida pública frente ao Tesouro Nacional e ao Banco Central, ou seja, possui relações próximas com o Estado brasileiro e é um dos grandes bancos que roubam nosso dinheiro pela via do endividamento público.

A análise acima expressa pelo diretor do Goldman Sachs é a razão pela qual volta na pauta nacional pela rede Globo ou pela defesa de Rodrigo Maia, a discussão sobre a necessidade da reforma tributária e a reforma administrativa. Esta última, que representa um ataque ao funcionalismo público, tem elevados custos para ser aprovada. Por isso, Rodrigo Maia está cobrando para que o Planalto mande uma proposta para ser avaliada, assim ele aparece como comprometido com a pauta do mercado financeiro, mas não fica com o ônus de apresentar a proposta. Ao mesmo tempo, a rede Globo já inicia a sua campanha para dizer que os servidores públicos são “privilegiados” e que a única forma de garantir dinheiro para uma política de assistência social no ano que vem será com o ataque ao funcionalismo. Apesar das cartas estarem na mesa, num cenário nacional de eleições municipais é difícil que este ataque avance concretamente antes dos resultados eleitorais. No entanto, como já dissemos, o discurso que faz a rede Globo tem também objetivos imediatos, busca dividir a classe trabalhadora, separar um dos setores mais organizados da massa de trabalhadores precários e desempregados, para avançar na uberização do trabalho.

A questão principal permanece, porque mantendo as regras fiscais atuais vai ser muito difícil um programa de assistência social, como o Renda Brasil prometido pelo governo Bolsonaro que consiga segurar os níveis de popularidade do presidente – recentemente o governo anunciou que pretende diminuir o valor do auxílio, no entanto para valores que ainda são maiores do que o Bolsa Família. Da mesma forma, a resposta com um plano de investimentos, como o Pró-Brasil, também seria mais tímida. O Ministro da Economia que é o mais ferrenho defensor de que se mantenha o teto de gastos da forma como está, conseguiu com a entrevista dada na semana passada segurar uma parte do projeto Pró Brasil chamado de “eixo progresso” – que teria mais investimentos públicos- e que o projeto focasse no “eixo ordem” – que privilegia mudanças nos marcos regulatórios. Uma versão desse projeto foi apresentada pela equipe do general Braga Netto ao Bolsonaro na semana passada.

As aspirações de Bolsonaro ao querer estender o auxílio emergencial estão longe de ser sociais, como mostra a própria condução do governo em relação a pandemia, na qual se gastou apenas metade do orçamento destinado para a saúde, além de colocar em prática medidas que permitem ataques aos trabalhadores com redução de jornada, de salário e demissões. Ao contrário, o que está em questão para o presidente – que vale ressaltar, possui jogo próprio- é a possibilidade de se manter no mandato e concorrer a reeleição, aumentando a sua popularidade e segurando a base de apoio com o centrão, ainda mais num momento em que as águas internacionais estão tão incertas para um dos seus maiores pontos de apoio que é Donald Trump nos Estados Unidos. As movimentações que realiza tem esse objetivo, elas vão desde trocar o articulador do governo na Câmara buscando alguém mais próximo até ir ao nordeste inaugurar obras púbicas e vestir chapéu de cangaceiro.

Mas por mais que haja um pacto entre as alas do regime – uma das expressões mais ilustrativas desse pacto é o fato do ministro do STF Gilmar Mendes ter derrubado a decisão do STJ de Felix Fisher e ter mantido a prisão domiciliar de Fabrício Queiroz e a sua esposa- cujo conteúdo é ataque aos trabalhadores e o foco no período eleitoral, este pacto ainda possui bases precárias frente a dificuldade de se consolidar um regime pós golpe no país, ainda mais na situação que se abre com pandemia de quedas históricas no PIB nacional. As disputas seguem também no terreno orçamentário, uma das saídas para a resolução do teto de gastos seria, ao invés de modifica-lo numa votação que exigiria dois terços da câmara dos deputados – por ser alteração constitucional-, estender o estado de calamidade pública também para 2021 que exigiria uma votação de maioria simples. No entanto, Rodrigo Maia já disse que se coloca contra estas as duas opções. E neste quesito tem um apoio importante dentro do próprio executivo que é o Ministro Paulo Guedes, além do mercado financeiro que reagiu a estas opções.

Em meio a este cenário também convulsivo pela possibilidade de explosões sociais, como vem alertando Ian Bremmer, fundador da agencia de política internacional Eurasia, bem como a própria presidente-chefe do FMI Kristalina Georgieva, as movimentações do Globo também envolve reabilitar a figura de Lula como uma carta possível de se utilizar para administrar a obra econômica do golpe e conter estouros da luta de classes.

Enquanto a crise econômica é jogada ainda mais nas costas trabalhadores, com as taxas de desemprego e informalidade do trabalho batendo recorde, os diferentes atores do regime discutem como garantir que cada parte da riqueza nacional gerada seja voltada para os bolsos dos banqueiros e empresários. Durante a pandemia foi autorizado o gasto extraordinário de até 1,2 trilhão de reais pela via do Banco Central para salvar o setor financeiro, enquanto isso orçamento extraordinário para saúde pública foi 22 vezes menor.

O orçamento brasileiro é inteiro subordinado para o pagamento da dívida pública, com leis como o teto de gastos e a lei de responsabilidade fiscal. Além de conter dispositivos como é a Desvinculação de Receitas da União (DRU) que nos último dez anos retirou mais de 1 trilhão de reais do orçamento para saúde pública e seguridade social. Agora, em meio à crise econômica internacional, o capital financeiro pressiona para que os trabalhadores paguem duplamente por essa crise: com seus empregos e vidas pela precarização do trabalho e, também, com as riquezas nacionais que gera sendo transferidas diretamente para os bancos nacionais e internacionais.

Por isso é fundamental uma saída dos trabalhadores para a economia do país, a defesa do fim do teto de gastos e da lei de responsabilidade fiscal, mas também o não pagamento da dívida pública que é a principal forma de submissão do Brasil aos interesses do capital financeiro internacional. Romper essa cadeia de submissão é condição para que o país possa reorganizar a economia para garantir, por exemplo, medidas de combate ao desemprego como o financiamento de um plano de obras públicas controlado pelos trabalhadores.

 
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