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EDITORIAL MRT
Construir uma grande campanha pelo direito ao aborto legal rumo ao 28S e nas eleições
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG

Aos 10 anos, uma criança deveria ter o direito de brincar, estudar e viver sua infância plenamente. Mas no país de Bolsonaro e do golpe institucional, aos 10 anos uma menina que foi estuprada pelo seu tio desde os seis, é obrigada a entrar pelo porta malas de um carro para fazer um aborto, que nesse caso é garantido por lei.

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Na porta do hospital fundamentalistas religiosos gritam “assassina”, uma fascista que odeia as mulheres divulga seu nome nas redes sociais e convoca seus seguidores para impedir que ela possa realizar o aborto, a igreja excomunga todos os envolvidos no procedimento. O triste direito que essa menina tinha garantido pela lei, só foi conquistado pela luta de muitos. Mas ela carregará para sempre a culpa e o medo do julgamento de uma sociedade onde a vida das mulheres e das meninas é o que menos importa.

Se hoje os fundamentalistas religiosos e as igrejas se sentem à vontade para criminalizar e hostilizar uma menina de 10 anos é porque um dos seus principais representantes voltou a se fortalecer politicamente. Jair Messias Bolsonaro sempre defendeu retroceder no direito ao aborto até mesmo nos casos como esse, em que ele deveria ser garantido por lei. Ele se elegeu como fruto do golpe institucional e das eleições manipuladas, movimentando as bases mais conservadoras e reacionárias como uma contra resposta a força da luta das mulheres, negros e LGBTs, buscando preservar as raízes patriarcais desse sistema em decadência. Agora, mesmo diante de 110 mil mortos pela pandemia da covid-19, mesmo com o desemprego, a precarização do trabalho, a fome e a miséria, sua popularidade cresce justamente entre os mais pobres, e seus fanáticos seguidores se sentem encorajados a protagonizar cenas bárbaras como as que vimos nos últimos dias. O Brasil de Bolsonaro é onde um trabalhador do Carrefour morre e seu corpo fica coberto com guarda-chuvas por três horas, enquanto a loja segue funcionando normalmente.

Como chegamos a esse ponto?  

Bolsonaro e sua equipe ultraneoliberal, comandada por Paulo Guedes, nunca quiseram implementar o auxílio emergencial, foi uma derrota política do governo que levou a que quase metade da população do país passasse a receber os 600 reais. Segundo diversas pesquisas, esse auxílio é o que vem impedindo que milhões de brasileiros ficassem na miséria em meio a pandemia e a crise econômica, especialmente nos lugares mais pobres do país, como o nordeste. Dessa forma, 5 meses depois da implementação do auxílio, mesmo ficando claro a cada dia o envolvimento da sua família com os escândalos de corrupção no caso Queiroz, mesmo com as mortes e o negacionismo do governo diante da pandemia, mesmo com os latifundiários passando a boiada na Amazônia e no Pantanal, mesmo com as MPs e a reforma trabalhista sendo usadas para retirar direitos em um patamar aceleradíssimo, é a possibilidade de não passar fome com o dinheiro do auxílio o que faz com que milhões brasileiros não vejam em Bolsonaro um inimigo de classe.

Como resultado das disputas de autoritarismos entre Bolsonaro e os militares por um lado, e o Congresso, STF e governadores por outro, o presidente teve que moderar seus arroubos mais autoritários e fascistas, mas em troca impôs o programa de reabertura econômica totalmente desorganizada e irracional, sem testes massivos, sem investimento no SUS, tudo em nome de atender os interesses do capital financeiro internacional. Enquanto a oposição defendia frentes amplas com golpistas e patrões, e o impeachment para que o congresso desse o aval a um governo do defensor da ditadura, o general Mourão. O resultado foi que a demagogia de Bolsonaro permitiu ele se recompor justamente entre os setores mais pobres. Ainda é cedo para dizer, mas podemos estar diante de uma importante mudança na base de apoio do governo. Enquanto Bolsonaro, Maia e Alcolumbre falam juntos sobre a necessidade de manter o teto dos gastos, o auxílio emergencial virou uma arma do governo para se localizar estrategicamente na disputa pela reeleição em 2022. 

Essa recomposição do governo, sob novos marcos da precarização do trabalho e da retirada dos direitos da classe trabalhadora, é o que faz com que sua base mais reacionária e fascista se sinta fortalecida para buscar retroceder até mesmo nos direitos conquistados, como o aborto legal em casos de estupro e risco de vida. Se apoiam no fato de que todas as instituições que sustentam esse regime apodrecido nunca legalizaram o aborto como um direito pleno para as mulheres, na igreja que sempre teve um papel essencial na dominação política de um Estado que nunca foi laico de fato.

Vemos figuras como a reacionária Joice Hasselmann e o próprio Mourão cinicamente falar do direito ao aborto no caso dessa menina de 10 anos, mas a política que eles defendem é o que alimenta esses fundamentalistas que atacam essa jovem e o direito das mulheres. Até mesmo nos 13 anos de governo do PT, sendo parte deles uma mulher no poder, sempre foram os interesses dos reacionários e conservadores que prevaleceu. Dilma lançou uma carta ao povo de Deus ,garantindo que não teria aborto em seu governo. O PT rifou o direito ao aborto e a vida de milhares de mulheres em nome da conciliação de classes, dos acordos com a bancada religiosa e fundamentalista, até que esses setores conquistaram força o suficiente para tirar esse partido do poder com o golpe institucional e colocar em seu lugar sua face mais reacionária com o bolsonarismo

Rumo ao 28 de setembro, nos organizemos para arrancar o direito ao aborto legal, seguro e gratuito  

Estamos na primeira linha da luta pela vida das mulheres, construiremos cada manifestação que está sendo convocada contra os fundamentalistas religiosos e o bolsonarismo. Mas nossa luta não é somente para que esse setor não avance contra os direitos que já conquistamos, nem se restringe ao mínimo que é descriminalizar o aborto, algo que o STF golpista segue sem pautar, pois suas prioridades são os ataques neoliberais e interferir politicamente nos rumos do país. Esse é um debate que temos com as companheiras do PSOL, pois não basta somente defender a descriminalização do aborto, é necessário colocar de pé uma forte campanha na defesa desse direito, nossa luta é para conquistar o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, garantido pelo SUS. É para que nenhuma menina precise passar por essa situação novamente, para que milhares de mulheres não morram todos os anos por abortos clandestinos. E para arrancar esse direito sabemos que precisamos nos organizar. 

Veja a declaração do Pão e Rosas: Rumo ao 28S, contra Bolsonaro, Sara Winter e o Estado machista: legalizar o aborto com luta

A maré verde na Argentina, que inundou toda América Latina, nos trouxe importantes lições. A primeira é que a força dessa nova geração de meninas pode contagiar todas as mulheres, convencer nossos pais, tios, irmãos e avós de que nós temos o direito de decidir sobre nossos corpos, de que precisamos defender a vida das mulheres, que a igreja e o Estado são assuntos separados, e não podem interferir nesse direito. A segunda, e talvez uma das mais importantes para pensar qual deve ser nossa estratégia, é que não podemos confiar nas instituições da democracia burguesa, que no Brasil são as instituições do regime do golpe institucional. Porque mesmo colocando mais de um milhão de pessoas nas ruas, num dia frio e chuvoso, a falta de uma organização desde cada local de estudo e trabalho, se enfrentando inclusive com as burocracias sindicais que se recusam a pautar a luta das mulheres entre a classe trabalhadora, foi o que permitiu que os dinossauros oligárquicos do senado, como representantes do que tem de mais atrasado e conservador em nossa sociedade, pudessem votar contra o direito ao aborto e a vida de milhares de mulheres.

Por isso, acreditamos que é necessário construir um forte movimento de mulheres para lutar pelo direito ao aborto. Enquanto o país se prepara para entrar nas eleições municipais, achamos que é um dever de todas as candidatas que se consideram feministas, e daqueles que dizem apoiar a luta das mulheres, colocar no centro das suas campanhas a defesa desse direito. Ao mesmo tempo que fazemos esse chamado, temos clareza que no interior desse movimento também será necessário debater e se enfrentar com as feministas liberais, que defendem as reformas, a destruição do SUS, as privatizações e o teto nos gastos que cortou parte do orçamento para o combate à violência contra as mulheres.

Implementar esse projeto de ataque a classe trabalhadora é parte do que fortalece Bolsonaro e seus fanáticos seguidores, permitindo que ele possa fazer demagogia com os setores mais pobres pela via do auxílio emergencial, enquanto segue seu nefasto plano de ataques contra o conjunto da classe trabalhadora. Por isso, a luta das mulheres também precisa ser uma luta contra cada um desses ataques, precisa ser uma luta que cerque de solidariedade a greve dos Correios, hoje um dos principais processos de luta da classe operária em nosso país. Se Bolsonaro e Guedes são derrotados em um dos seus projetos mais centrais de privatização, isso enfraquece os fundamentalistas que querem controlar nossos corpos para que sejamos apenas produtoras e reprodutoras das mercadorias que os enriquecem. Ao mesmo tempo que a aliança entre o movimento de mulheres e a classe trabalhadora - da qual somos metade - é decisiva para combatermos a extrema direita e fazer com que os capitalistas paguem pela crise.

Como feministas socialistas, sabemos que a luta pela conquista do direito ao aborto legal, seguro e gratuito é inseparável da luta contra as reformas e privatizações, pois sem isso, esse direito continuará sendo negado para ampla maioria das mulheres pobres e trabalhadoras, que não vai ter assegurado um sistema de saúde público para realizar esse procedimento, e com a precarização do trabalho e a retirada de direitos vão continuar sendo impedidas de exercer seu direito à maternidade, pois não poderão ter como sustentar seus filhos. Nosso feminismo é socialista porque aliamos a luta contra a opressão com a luta contra a exploração capitalista.

Essa é a batalha que nossas pré-candidatas revolucionárias por filiação democrática no PSOL vem dando, em São Paulo com Diana Assunção e Letícia Parks na Bancada Revolucionária de Trabalhadores ao lado de Marcello Pablito, no Rio de Janeiro com Carolina Cacau, em Santo André com a professora Maíra Machado, em Contagem com Flávia Valle, em Porto Alegre com Valéria Muller, e em Campinas com a companheira Lívia Tonelli, que mesmo tendo retirado sua candidatura devido a aliança do PSOL com o PT na cidade, segue lutando pelo direito das mulheres e dos trabalhadores.

Esse é o chamado que fazemos a todas as companheiras, especialmente as pré-candidatas do PSOL e da esquerda, para colocarmos no centro das nossas campanhas o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, a educação sexual nas escolas e contraceptivos gratuitos contra a ridícula campanha de abstinência sexual de Damares Alves, lutando pela separação da igreja e do Estado, pela revogação do teto dos gastos e das reformas, apontando também a necessidade do não pagamento da dívida pública, esse mecanismo de roubo imperialista que é usado como justificativa para a implementação dos ataques e reformas capitalistas. Debatendo em cada local de estudo e trabalho a importância dessa pauta, construindo os atos e manifestações, como o desta sexta-feira em São Paulo, às 17h, e todos os que forem organizados em outros estados e cidades. Preparando uma forte manifestação rumo ao 28 de setembro, Dia Latino Americano e Caribenho pela legalização do aborto, para que a maré verde volte a inundar nosso continente na defesa da vida das mulheres.

Nos 80 anos do assassinato do grande revolucionário Leon Trótski, retomamos suas palavras sobre as mulheres trabalhadoras russas: “Vocês devem ser a força moral que arrasará com este conservadorismo enraizado na nossa velha natureza asiática, na escravidão, nos preconceitos burgueses e nos da própria classe operária, que neste sentido, arrasta o pior das tradições camponesas. E todo revolucionário consciente, todo comunista, todo operário e camponês progressista, se sentirá obrigado a vos apoiar com todas as forças”. Porque sabemos que as mulheres trabalhadoras brasileiras, com sua maioria negra, estão convocadas a estar na linha de frente do combate ao conservadorismo dessa sociedade que hoje tem no bolsonarismo a sua face mais abjeta.

 
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