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Autoridades esconderam mais evidências da brutalidade no assassinato de George Floyd
Daniel Werst

Os quatro policiais envolvidos no assassinato de George Floyd além de estarem usando câmeras corporais, o que não suficiente para deter sua ações, também foram protegidos pelo Estado, que manteve evidências importantes escondidas do público durante os protestos em todo o país.

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No dia 4 de agosto, o British Daily Mail publicou vídeos das câmeras corporais, anteriormente retidos, de Thomas Lane e J. Alexander Keung, os dois primeiros policiais de Minneapolis que abordaram George Floyd no 25 de maio. A filmagem revela que o racismo policial contra Floyd era ainda mais brutal do que mostrado no vídeo original de seu assassinato.

Atendendo a uma ligação no 911(número de emergência dos EUA), Lane e Keung entraram na loja "Cup Foods" e falaram por quinze segundos com um homem, segurando uma dita nota falsa, com a qual Floyd supostamente utilizou para pagar por sua compra. Este homem, aparentemente um gerente de loja, carregava uma arma na cintura. Os policiais não levaram a nota fiscal para examiná-la. Os três homens correram para fora da loja, e o gerente apontou para Floyd em seu carro e pediu aos policiais que o parassem.

Lane foi para o lado do motorista e Keung para o lado do passageiro. Quinze segundos depois de se aproximarem, Lane sacou sua arma e apontou para a cabeça de George Floyd. Sem dizer a ele o por que estava sob suspeita, ele ordenou: "Vamos ver suas mãos. Fique no carro ”, e então, “Ponha a porra das mãos para cima agora! ” Sem fazer nada ameaçador, Floyd disse: "Sinto muito ... Por favor ... Tudo bem. O que eu fiz? ... Eu não fiz nada. ” Segurando sua arma a um braço de distância do rosto de Floyd, Lane o empurrou no ombro e ordenou que ele colocasse as mãos, que não seguravam nada, no volante e depois na cabeça.

Floyd ficou muito perturbado e disse que já havia levado um tiro antes e estava apavorado. "Estou olhando para você olho no olho. Por favor, não atire em mim, cara! ", disse enquanto Lane o mandava sair do carro e torcia seus braços atrás das costas, Floyd alegou que não sabia por que estava sendo preso e jurou: "Não vou fazer nada." Lane repetidamente ordenou: “Pare de resistir”, o que ele falava não estar fazendo. Os vídeos mostram que Floyd não ameaçou os policiais em momento algum. Eles algemaram suas mãos atrás das costas e o deixaram sentado indefeso na calçada, ele estava com muito medo, chateado e se recusou a entrar na viatura, gritando que sentia claustrofobia e ansiedade. Gritou, também, que estava de mau humor, pois sua mãe havia morrido recentemente e ele teve COVID-19. Nenhum dos policiais usava máscara e não questionaram se deveriam colocar alguém em uma prisão lotada durante uma pandemia por causa de uma suposta nota falsa de 20 dólares. Eles trataram a ansiedade de Floyd como prova de que ele era um criminoso perigoso, e não um homem sob estresse. Os policiais Derek Chauvin e Tou Thao juntaram-se, então, aos dois primeiros policiais. E, como todos viram em maio, Chauvin empurrou o joelho no pescoço de Floyd até matá-lo, enquanto os outros policiais o continham e vigiavam as testemunhas chocadas.

Vídeo retido por meses

Esta nova evidência mostra que Chauvin não foi o único policial que ameaçou a vida de George Floyd. Os oficiais do Departamento de Polícia de Minneapolis decidiram, imediatamente, sem sombra de dúvidas, que Floyd era culpado com base na cor de sua pele e, assim, deveriam tratá-lo como um assassino em potencial e se preparar para usar a força mortal. O jornal Minneapolis Star-Tribune apontou que os vídeos anteriores que foram ocultados mostram que “nenhum policial disse a Floyd, nem a seus dois passageiros o por que eles estavam sendo investigados naquela noite, até vários minutos após o início do conflito e Floyd já ter sido algemado”.

Por que demorou quase dois meses para que esses fatos fossem divulgados na mídia e ainda mais para que os vídeos fossem vistos pelo público? As câmeras do corpo da polícia são propriedade da cidade. Os promotores citaram essa filmagem quando acusaram Lane, Keung e Thao que, de fato, revelaram que Lane havia apontado sua arma para Floyd, mas eles não exigiram que os vídeos fossem disponibilizados ao público para que eles pudessem ver o que realmente aconteceu durante a prisão de Floyd. Os detalhes dessas gravações só começaram a ser revelados quando o advogado de Lane os apresentou ao tribunal no dia 7 de julho. Incrivelmente, ele argumentou que eles mostram que Lane é inocente em uma moção para encerrar as acusações, as provas apresentadas em julgamento tornam-se, legalmente, um registro público. No entanto, demorou mais um mês para o público ver esses vídeos.

Parte do atraso ocorreu porque o juiz Peter Cahill fez tudo que estava a seu alcance para limitar o conhecimento público dessas evidências. Ele declarou que as exibições do julgamento estariam disponíveis para visualização, apenas, pessoalmente no tribunal e com hora marcada com o encarregado de mídia. No dia 13 de julho, uma "Coalizão de Mídia" de, praticamente, todas as grandes empresas de notícias locais e nacionais entrou com uma nota contestando que seus repórteres ainda não tinham tido permissão para ver as gravações e que o juiz havia proibido sua publicação, eles alegaram ser uma violação da 1ª Emenda e das normas de julgamento. Os meios de comunicação foram autorizados a assistir às gravações dia 15 de julho, mas sem poder copiá-las e divulgá-las. Dia 4 de agosto, o Daily Mail publicou segmentos importantes de um vídeo vazado da gravação original, feito por uma fonte anônima que usou escondida sua câmera na sala de exibição do tribunal. Somente após o vazamento, o juiz Cahill concordou oficialmente com a demanda da Media Coalition de lançar os vídeos completos publicamente, no dia 10 de agosto, mais de um mês depois que o advogado de Lane os enviou, foram finalmente mostrados ao público.

Protestantes e o Público merecem saber

O juiz disse que estava tentando “evitar..contaminar indevidamente o grupo de jurados, ameaçados pelo interesse incessante da mídia e reportagens" sobre o caso, quando voltou atrás de sua proibição de publicação, após o vazamento. Em outras palavras, uma das principais autoridades no tratamento do assassinato de George Floyd argumentou que, por uma questão de neutralidade, essa evidência em vídeo não poderia ser amplamente compartilhada com o público, porém não há diferença entre o conhecimento público das ações de Derek Chauvin, por meio do vídeo de uma testemunha, e o conhecimento das ações de Thomas Lane pelo vídeo policial. É um conceito desonesto e instrumental de “neutralidade” que diz que as pessoas comuns devem ser protegidas da informação.

As autoridades eleitas tiveram uma resposta multifacetada aos explosivos e massivos protestos após o assassinato de Floyd. Os prefeitos denunciaram aqueles que destruíram propriedades e desafiaram o toque de recolher dizendo que eles não eram verdadeiros manifestantes anti-racistas. Eles prometeram simpatizar com o movimento Black Lives Matter, mas na realidade eles queriam desesperadamente que a “desordem” parasse, então autorizaram a polícia a usar gás lacrimogêneo e balas de borracha. Também, disseram aos manifestantes que consertariam o racismo sistêmico por meio de reformas. A instituição de câmeras corporais, nos últimos cinco anos, tinha o intuito de assustar os policiais para que não matassem negros ou facilitar sua condenação, caso o fizessem, claramente não aconteceu em Minneapolis. O fato de o chefe de polícia, prefeito e juiz evitarem que as pessoas vissem as evidências da câmera do corpo por si mesmas mostram por que as reformas dos oficiais não são confiáveis.

O chefe de polícia, Medaria Arradondo, prometeu rever as políticas do MPD (Dpto. Policia de Minneapollis) e disciplinar os policiais problemáticos individualmente, o prefeito Jacob Frey prometeu "uma reforma estrutural profunda em termos de como o departamento funciona...que reconhece que a maneira como as coisas têm sido feitas por décadas e décadas não é aceitável". No entanto, um protesto em massa perguntou a Frey se ele aboliria o MPD e gritou: “Vá para casa”, quando ele se recusou. Quando essa declarações foram feitas por esses homen, eles estavam escondendo do público os vídeos da câmera do corpo de Lane e Keung.

O prefeito e o chefe de polícia queriam evitar o que eles previram que aconteceria se as pessoas vissem toda a verdade sobre as ações do policial Lane - mais rejeição do sistema, protestos maiores e demandas mais intransigentes. Eles disseram que simpatizavam com os sentimentos dos manifestantes, mas mantiveram os vídeos de Lane e Keung escondidos, eles foram realmente entregues à justiça?

Sem dúvida que os oficiais argumentariam que o local apropriado para examinar essas evidências é durante todo o processo de julgamento dos oficiais, portanto, isso é enganoso. O juiz Cahill marcou o julgamento para março do ano que vem. Lane e Keung estão em liberdade sob fiança. Cahill ordenou ao gabinete do Procurador-Geral de Minnesota que dissesse aos funcionários eleitos para não falarem publicamente sobre o julgamento e aos advogados de ambas as partes para evitar declarações públicas. “O tribunal não ficará feliz em ouvir sobre o caso nas três áreas: mídia, evidências e culpa ou inocência.”

Conclusão

O jornalista não identificado que “vazou” imagens do que Lane fez para o público é um herói. O conceito de “neutralidade” que está sendo imposto aqui está em oposição direta à responsabilidade democrática e depende de esconder todos os fatos da violência policial, o objetivo é impedir que as pessoas comuns intervenham diretamente na tomada de decisões. A real objetividade significaria avaliar as ações policiais com base em todas as evidências, não isolando seu julgamento da opinião das massas da comunidade negra e de todos os outros protestando contra a rotineira brutalidade policial.

O sistema jurídico não é neutro. Existe uma “presunção de inocência” e ela não é dada à maioria dos réus negros, pardos ou pobres que recebem serviços de advogado quase inúteis e são intimidados a barganhas judiciais, o fato de que o sistema, originalmente, acusou Chauvin de homicídio de terceiro grau, agora o acusa de homicídio de segundo grau, e Lane segue sem enfrentar nenhuma acusação por ameaçar atirar em George Floyd, mostra o quão esse sistema é tendencioso.

O uso de câmeras corporais foi a reforma mais importante após os levantes de Ferguson e Baltimore, porém não parou o racismo policial.

De uma forma muito séria, o lançamento desta nova evidência de vídeo representa um teste e uma questão para o movimento Black Lives Matter. Quando os protestos explodiram em todo o país, o prefeito, do partido democrata, de Los Angeles disse: “Estamos jogando tudo o que temos - ou seja, o LAPD (Dpto. de Polícia de LA) - na manutenção da paz, e vamos lançar tudo o que temos para promover justiça, e ninguém precisará escolher entre os dois. ” As autoridades democratas apelaram às pessoas para que confiassem na sua boa fé e prometeram medidas para acabar com o racismo policial. O líder da NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) de Portland, E. D. Mondainé, denunciou recentemente os manifestantes e argumentou que o racismo policial deveria ser eliminado por meio de negociações “nas salas de reuniões, nas escolas, nas câmaras municipais, nos corredores da justiça, nas salas enfumaçadas dos fundos de um governo dúbio”.

As câmeras corporais de Minneapolis mostram novamente como são falsas as desculpas dadas aberta ou implicitamente por aqueles que estão no poder, alegando que alguns policiais são apenas “algumas maçãs podres” ou tiveram “treinamento inadequado”. Não foram apenas policiais culpados de brutalidade, Chauvin era um oficial veterano com décadas de "treinamento", Lane era um novato recém-saído da academia de polícia com o "treinamento" mais atualizado, Lane não "apenas seguia ordens", ele ameaçou a vida de Floyd sem provocação por iniciativa própria.

Se a brutalidade policial contra os oprimidos e os pobres, especialmente os negros, não é uma exceção, mas uma norma, então ela é determinada pelas reais características centrais de sua missão, uma força criada para “fazer cumprir a lei” em uma sociedade profundamente desigual sempre terá como alvo pessoas de cor e a classe trabalhadora. Não foi por acaso que o MPD mobilizou quatro policiais e usou força letal pelo suposto uso de uma nota falsificada para furtar um maço de cigarros. A polícia existe para proteger lucros e propriedades, não para servir ou proteger a grande maioria da população.

Mas se o racismo policial é uma característica enraizada e constantemente reproduzida em sua natureza social, é impossível mudá-lo sem um grande confronto. A exposição que aconteceu quando os policiais primeiro abordaram e prenderam George Floyd deveria ter provocado uma enorme onda de luta em resposta ao caso, as mesmas forças de ordem e segurança que dizem que a polícia deve ser avaliada no silêncio tranquilo de um tribunal, nove meses após o fato e não no calor da polêmica pública, fizeram tudo o que puderam para desmobilizar e “suavizar” a capacidade prática de intervenção do movimento Black Lives Matter. Esconder essas fitas foi uma cumplicidade prática com os racistas que gritam automaticamente: "Nem todos os policiais são ruins" e promovem campanhas racistas em suas placas de quintal, adesivos de para-choque, luzes de varanda em casas americanas para "Back the Blue".

O movimento Black Lives Matter não precisa diminuir seu tom. Precisa de força para superar as forças que mantêm e reproduzem a ação racista massiva na raiz desta sociedade. Portanto, Black Lives Matter precisa construir sua hegemonia e mobilizar setores decisivos da classe trabalhadora com um programa anti-racista. O Partido Democrata afirma ser a ferramenta indispensável para lutar contra a direita racista nos EUA, mas esse exemplo de decisões de funcionários do Estado democrata mostra que eles esconderam evidências, que dão a resposta perfeita para derrotar o argumento conservador predominante na vida pública hoje: a alegação de que Derek Chauvin pode ser um racista, mas que a polícia como instituição é necessária e confiável. Em vários níveis interligados, a influência predominante do Partido Democrata equivale, na prática, ao desarmamento deliberado do Black Lives Matter.

 
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